Dissertação

 
 

Por Umi no Kitsune



O fato: te amar



Não havia mais volta. Não existem possibilidades. Tinha decidido arriscar tudo, não podia dizer agora que nada havia acontecido, porque há muito já havia acontecido! Estavam no seu quarto, ele viera lhe dizer para que cuidasse de sua irmã, pois pretendia ficar no Makai, de preferência, para sempre. Com uma declaração dessas, quem não se arriscaria? Kurama deu a desculpa de que (por favor) ficasse, pois tinha um "problema" que o afligia.

Hiei ficou, como amigo daquele único que confiava. Mas já estava desconfiando. Kurama não parava de falar coisas sem sentido, podia pensar que estava sendo enrolado com esse monte de besteiras, mas o kitsune estava nervoso. Falava algumas vezes na palavra, desconhecida na prática por ele, amor. Será que Kurama tinha se apaixonado por alguém? Ora, e se tivesse? No que isso iria...incomodá-lo? Pensamento besta! Preste atenção no que ele diz!

- ...ficamos tão próximos. Acho que tanto você quanto eu sabemos o significado de um simples olhar, gesto ou palavra do outro.- Kurama estava de cabeça baixa, começava a se declarar- Não estou confuso, se é o que pensa. Mas...é só que...não estou completo. Eu sozinho sou apenas metade de mim mesmo.

- Não...entendo o que quer dizer- Hiei estava observando-o sentado na cadeira no quarto de Kurama, e não entendia nada mesmo.

- Não percebe que irei sentir sua falta? Falta da minha metade...-Quando foi mesmo que tomou essa louca decisão? Sim...Quando sentiu que nunca mais o veria, que o perderia se não...

- Você fala complicado demais, como se quisesse que eu entendesse e ao mesmo tempo não.- isso estava saindo do seu controle- Me subestimou, raposa. Entendi perfeitamente o que você disse. –"Tenho que continuar firme. Por que estou com medo? Tenho que ser frio, não dei a ele essa liberdade"- Sabe que essas bobagens não me afetam. Eu não preciso disso... Não preciso de você.

Kurama se contraiu, não pensava que fosse ter de enfrentar a frieza dele. Não existe mais saída. Nem como youko suportaria...Youko! Existem...possibilidades?

- Não se esqueça de que sou um youko, Hiei. Eu preciso ter pra mim...-Kurama se aproximou, como a raposa que era, ia tentar pelo menos um beijo, um apenas. Aproximou-se de sua presa com um brilho dourado disputando lugar com o verde profundo em seus olhos.-...tê-lo meu.

Hiei não se mexia. Nunca enfrentou uma situação como essa! Estava paralisado! Kurama nunca falou com ele assim, desse jeito tão desconcertante. Achava que o kitsune o respeitava! Iria sair dali...mas seu corpo não obedecia! Apenas o coração, pulsava cada vez mais forte, dando a certeza de que ainda estava vivo. Era real! Sentia os dedos de Kurama roçando sobre seu rosto, pescoço, passeando por suas costas. Hiei tremeu. Estava com medo? Estava gostando. Um furacão de sentimentos e sensações confusos varrendo todas as suas defesas quando sentiu a respiração quente de Kurama em seus lábios. Chega!

- Não me obrigue a matá-lo! Não me obrigue a fazer o que você quer!- Hiei o afastou bruscamente, mas o que ele estava fazendo? Não podia ficar mais ali, estava ficando perigoso, seu corpo, estava diferente.

- Hiei...não vá!

- Você ficou louco? Tire suas mãos de mim, Kurama! O que pensa que fazia? Acha que vou tolerar isso mais uma vez?- "Ah, não me olhe assim! Não complique mais..." –Não quero ser o seu brinquedo! Você ultrapassou o limite comigo! - "... eu não sei como proceder" - Cuide de minha irmã...

- Espere!- Hiei parou no parapeito da janela- Quero que lembre...- mesmo que de nada adiantasse queria terminar o que começou- ...que estarei sempre aqui.

Acabou. A amizade que tanto prezava, que lhe era tão importante, acabada. Hiei foi embora pra nunca mais voltar. Perdera seu mais sincero amigo, seu mais sincero amor. Por que tinha que ser tão egoísta? Uma lágrima escapou de seus olhos molhando sua mão. Sabia que iria chorar, mais cedo ou mais tarde. Ainda bem que não foi na frente dele...

- Que semente do Makai usou em mim?- Não! Hiei ainda estava aqui? Provavelmente viu que chorava... seu tom de voz era diferente, não parecia estar mais bravo. Não queria parecer bravo. Não queria que chorasse. "Não chore mais..." – Não foi, uma semente? Ela está, não sei...mexendo comigo. O que fez comigo? Isso dói...

Hiei sumiu. Deixando Kurama de boca aberta. Semente? Dor? Hiei estaria... Kurama secou uma outra lágrima teimosa. Não podia ser. Toda essa emoção estava fazendo misturar realidade com desejo, vontade. Queria que fosse verdade esse seu pensamento tolo. Na verdade, não tinha certeza de mais nada! Não conseguia identificar real de imaginação. Pela primeira vez, não tinha idéia do que ia acontecer. Só esperava que não tivesse sido tudo em vão. Mas... Hiei pediu que cuidasse de sua irmã, ainda confiava nele. Kurama sentiu um fio de esperança enlaçar seu coração. Ainda estava muito triste, não queria que terminasse assim. Hiei, apesar de não entender (ou não admitir), também sentia alguma coisa. Um tímido sorriso crescendo em seus lábios, uma alegria imensa querendo devorar todo seu interior...Sim! Estava certo! Hiei não ignorara sua presença, seu amor. "Calma, Kurama, não se precipite". Não adianta...sua felicidade já estava atingindo níveis altíssimos! Kurama se deixou cair na cama espalhando um manto vermelho ao redor do seu rosto, que estampava um sorriso cada vez maior. Existem possibilidades!
 
 

***********



"Céus! O que está acontecendo comigo? Quando eu me tornei tão... tão humano? Aquela raposa! Culpa dela eu estar nesse estado. Meu corpo, está tremendo. Meu coração, agitado. Minha respiração, falha. Nem na minha pior batalha senti o que sinto agora. Ele não disse que me ama, não precisou. Será que eu também... Saco! Não sei o que sinto. Não sei o que me impede de descobrir o que sinto. Ele usou, eu sei que usou uma semente em mim. Ele sozinho não me deixaria assim. Deixaria?"

Hiei queria ficar sozinho, queria voltar para Kurama, não queria vê-lo, não queria ficar sozinho...balançou a cabeça como se pudesse assim por os pensamentos, as vontades em ordem. Parou em cima de um galho. Tinha corrido tanto, tão rápido, que nem se dera conta de onde estava. Seu corpo o traíra mais uma vez. Estava no templo de Genkai, sim, tinha que admitir, precisava dela, sua irmã Yukina. Como esse nome o acalmava...Hiei fechou os olhos e viu a imagem dela sorrindo. Seus olhos cor rubi brilhando.

- Hiei?

Ele abriu os olhos. Ela estava parada embaixo da árvore, tinha uma expressão preocupada no rosto. Tão linda a sua irmã. Não queria que ela se preocupasse com seus problemas, mas a necessidade de falar com alguém era por demais grande e já estava sufocando-o!

- Veio ver a mestra Genkai?

- Não.

- Algum demônio está por perto?

- Hn. Não. Eu vim...vim para falar com você.

Yukina não se esforçou nem um pouco para esconder seu sorriso. Hiei quer falar com ela! Seu irmão decidiu-se afinal! Esperou tanto tempo...Seus olhos ficaram mais úmidos, mas ela segurou suas lágrimas. Não queria arriscar tudo agora. Ah, se pudesse abraçá-lo, dizer-lhe quanto o ama e o quer muito. Yukina deu um passo atrás para Hiei chegar ao chão. "Ele é só um pouquinho mais alto que eu. Temos os mesmos olhos... Será que ele também chora lágrimas de pérolas?" Yukina nunca tinha visto Hiei chorar. Também esperava que isso nunca acontecesse... O que? Seu irmão...estava chorando? Sim, foi isso que percebeu! Uma jóia de lágrima, negra e brilhante, cair no chão e rolar até seus pés. Yukina se agachou para pegar a pérola, que tinha o mesmo tamanho das suas.

- Hiei... Hiei o que...

Quando levantou-se ele não estava mais lá, já tinha sumido no meio das árvores. O que será que aconteceu com seu irmão para que ele chorasse? Mas Yukina não era um demônio de classe tão inferior que não pudesse sentir seu ki ainda próximo. Bem, seu irmão estava passando por dificuldades, queria falar com ela, mas não sabia como. Iria esperar o tempo que fosse, Hiei teria sua total compreensão.

- Tudo bem, Hiei. Eu espero você se sentir mais seguro para falar comigo...- disse baixinho, mas sabia que ele escutava.

"Droga! Como isso foi acontecer?" Hiei realmente nunca tinha chorado, não só na frente de sua irmã, mas em sua vida toda. Não imaginava que aquela quentura em seu rosto fosse uma lágrima. Só se deu conta disso quando viu um brilho negro no chão. E já era tarde demais. Não agüentaria ver o olhar de pena de sua irmã sobre si. Sentia que estava perdendo o respeito que tinham por ele. "Ela me chamou de inseguro..." E não estava? Tinha perdido todas as suas barreiras depois que falou com Kurama...Seu coração ainda pulsava violentamente querendo explodir, eram muitas sensações novas.

Sem pensar mais, num pulo, alcançou sua irmã. Mantinha a cabeça baixa, não queria encará-la. Yukina por sua vez continuou quieta, deu um passo hesitante. Viu que Hiei apertava as mãos com muita força, querendo apartar uma dor. Quando fez menção de dar outro passo, Hiei abraçou-a, escondendo o rosto em seu ombro e deixando escapar um soluço. Yukina retribuiu o abraço, apertando-o mais contra si. Passando uma mão pelo cabelo negro do irmão, num gesto calmo, mas que fez Hiei enterrar mais o rosto em seu ombro.

- Yukina...

- Shhhh...não precisa falar nada. Não precisa explicar nada...meu irmão.

Hiei encarou-a surpreso, mas ainda prendendo-a no abraço. Ela estava tão calma, serena. Se quisesse podia ler sua alma através de seus grandes olhos. Ele levantou uma mão e afastou uma mecha de cabelo da irmã. Não podiam ser gêmeos, ela é tão bonita, tão querida, delicada.

- Como...me desculpe.

- Não há nada a ser desculpado: já desconfiava que era você desde o momento que te vi. Você é que se afastava e não notava.- pegou a mão trêmula em sua franja e a trouxe junto ao peito- Estou feliz que tenha escolhido a mim para desabafar.- Hiei corou levemente- Sei que esse deve ser um momento difícil pra você, mas não importa o que te aconteceu, nos aproximou, não é?

Ela estava certa. Apesar de tudo, de toda essa agonia interior que travava, tinha uma parte de seu consciente feliz: estava com sua irmã e podia trata-la como tal. Que absurdo privar-se desse conforto! E como foi egoísta, ela sabia de tudo! Teve que se descontrolar desse jeito para falar com ela. E pensar que sua intenção era de ficar no Makai para sempre, deixando que Kurama... Seus olhos perderam o pouco brilho que a visão de sua irmã lhe deram.

- Venha, Hiei.- disse Yukina ao observar a mestra passando "despreocupadamente" dentro do templo- Vamos procurar algum lugar mais calmo.

Puxando Hiei pela mão, Yukina o conduziu para dentro da floresta. Foram calados, apenas de mãos dadas, até alcançarem uma pequena clareira onde passava um riacho que abastecia o templo. Yukina sentou-se na margem e Hiei ao lado dela. Cada um fixou seu olhar num ponto da clareira e ficaram assim por um tempo indeterminado. Um pássaro veio ao encontro de Yukina, posou em sua pequenina mão e começou a cantar. Ela passou um dedo carinhosamente em suas penas e vendo a expressão curiosa de Hiei aproximou o pássaro dele. Hiei não fez nenhum movimento, mas o bichinho voou assustado antes mesmo de chegar perto dele.

- Não adianta tentar mudar o destino. Eu sou uma criança maldita, ninguém quer chegar perto de alguém assim.

- Não fale bobagens! Eu adoro estar em sua companhia!

- É natural. Você é minha irmã. Mas não deve se sentir obrigada a isso.- Hiei fez que ia levantar mas sentiu uma mão firme em seu joelho

- Hiei...pare com isso. O que fizeram com você para que ficasse desse jeito? Se martirizasse tanto? Sabe tanto quanto eu, que por trás dessa máscara de descaso, existe uma pessoa maravilhosa que se preocupa com todos. E, a menos que não tenha percebido, é sempre retribuído com a mesma intensidade.

- Estou perdido.- ele abaixou a cabeça- Não sei onde estou.- sentiu os braços de sua irmã em suas costas- Não sei o que estou sentindo. Ele disse...eu não aceito! Meio coração não aceita. Meu coração é duro, é um coração forte de assassino, que eu não entendo mais...Que não é mais meu, que o roubaram de mim...

- Hiei, você está amando! Está amando!- Yukina sorriu levantando o rosto do irmão vendo o esforço que ele fazia para conter o choro

- Eu não sei o que é isso! Não aprendi a amar!

- Não aprendeu a amar? Talvez, porque...já ama!- Hiei continuava descrente- Por exemplo: eu te amo mais do que tudo no mundo. Te amava antes mesmo de te conhecer, mas não me pergunte como ou quando eu comecei a te amar, porque eu não sei!- Yukina sorria adorando ver a concentração de seu irmão sobre si- Só nos damos conta disso, admitimos que amamos, quando já não tem mais volta. Quando o ser amado já não sai de nossos pensamentos. Quando já estamos tão ligados a ele que simplesmente não se é mais livre ao mesmo tempo que a liberdade nunca esteve tão presente. O mundo lhe pertence, e a única coisa que faz é entregá-lo aquele que ama.

- Você está enganada. Se sentisse o que estou sentindo agora, estaria sofrendo com a dor. Não pode ser amor. Que tipo de amor é esse que machuca, que faz sofrer?

- É só o amor, Hiei. Não se engane de novo, você vai se machucar ainda mais se não admitir.

- Não pode ser amor...Me diga, então: Amor é esse fogo que me arde e fere sem que eu veja chama alguma, sem que eu veja sangue algum?Amor é essa dor repentina, que me satisfaz, mas ao mesmo tempo por não senti-la, me faz querer mais? E...eu não sei...não a quero mais do que a quero!

Yukina apenas respondia com um aceno positivo com a cabeça, falando em seguida:

- Sim! Sim! Você não se contenta em estar contente. Você se preocupa em prender-se, em perder-se nele por vontade. Mas ganha ao servi-lo, sendo leal, mesmo este te mate.

- Isso é completamente ilógico! O amor é tudo sendo nada?

Desta vez yukina apenas sorriu. Ele já sabia a resposta.



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Kurama espreguiçou-se gostoso na cama. Tinha sonhado com Hiei de novo. Mas dessa vez foi um sonho diferente, onde Hiei não lhe dava as costas no final. O sol amornava sua pele e ele sentiu uma sensação de prazer antiga. A janela estava aberta, claro. Nunca a fecharia. Levantou-se e correu com os olhos pela velha cerejeira. Nada. Mas não estava preocupado, era natural que ele ainda estivesse confuso. Não iria apressar mais do que já tinha apressado. Mirou o seu jardim. Como estavam lindas as suas flores! Inclinou-se para tocar uma rosa que também se esticava para alcançar seu dono. O caule cresceu, subiu até encontrar seus dedos que a receberam com leves toques. Lá embaixo, uma roseira enorme crescia junto com a vontade de seu "pai". A rosa enroscou-se em seu braço, passou por trás de seu pescoço fazendo carinho para depois aparecer do outro lado meio que escondida entre seu cabelo prateado. Nunca se sentiu tão bem de manhã como...Prateado?

Instintivamente, Kurama levou a mão livre até o topo de sua cabeça. Sim...estavam lá. Peludas e macias. Não precisou levar a mão para trás, pois uma brisa suave se formava lá. Sua cauda abanava feliz com se tivesse vida própria. Por isso estava se sentindo tão bem...

Deixou a janela e foi no banheiro tomar banho. Parou no espelho estranhando a imagem refletida. Era natural que sua forma de youko fosse sexy, com um olhar intimidador, seguro de si, sempre com aquele sorriso cínico. A imagem que mirava não era nada disso. Seus olhos brilhavam de uma alegria sincera, diferente daquela quando um inimigo morria em suas mãos. Não estava sexy, apenas atraente ao seu gosto. O youko sorriu diante da nova aparência e o sorriso lhe pareceu quase infantil. Podia passar por um youko qualquer se quisesse. Quer dizer, se não fosse por seu cabelo de prata que emoldurava seu rosto e escondia a base de suas orelhas de raposa. Esse cabelo que era só seu. Essa cor que era só sua. Não...o fato de estar assim tinha uma razão. Uma razão de olhos vermelho-fogo, temperamento forte e docemente inocente! Se o youko estava assim era culpa dele. Hiei. Esses olhos são seus. Esse sorriso é seu. Esse cabelo cor de prata é seu.

- Você está me estragando, nanico.

E rindo de si mesmo, o youko entrou no chuveiro. E dessa vez não foi preciso água fria para a raposa dar lugar a um Shuiichi igualmente feliz. Ele nem notou, mas pela primeira vez as garotas (e alguns garotos) da faculdade tiveram o privilégio de ver um sorriso verdadeiro seu.
 
 
 

Continua...