Minha família anda longe, com trajos de circunstância: uns converteram-se em flores, outros em pedra, água, líquen; alguns, de tanta distância, nem têm vestígios que indiquem uma certa orientação. Minha família anda longe, - na Terra, na Lua, em Marte - uns dançando pelos ares, outros perdidos no chão. Tão longe, a minha família! Tão dividida em pedaços! Um pedaço em cada parte... Pelas esquinas do tempo, brincam meus irmãos antigos: uns anjos, outros palhaços... Seus vultos de labareda rompem-se como retratos feitos em papel de seda. Vejo lábios, vejo braços, - por um momento persigo-os; de repente, os mais exatos perdem sua exatidão. Se falo, nada responde. Depois, tudo vira vento, e nem o meu pensamento pode compreender por onde passaram nem onde estão. Minha família anda longe. Mas eu sei reconhecê-la: um cílio dentro do oceano, um pulso sobre uma estrela, uma ruga num caminho caída como pulseira, um joelho em cima da espuma, um movimento sozinho aparecido na poeira... Mas tudo vai sem nenhuma noção de destino humano, de humana recordação. Minha família anda longe. Reflete-se em minha vida, mas não acontece nada: por mais que eu esteja lembrada, ela se faz de esquecida: não há comunicação! Uns são nuvem, outros, lesma... Vejo as asas, sinto os passos de meus anjos e palhaços, numa ambígua trajetória de que sou o espelho e a história. Murmuro para mim mesma: "É tudo imaginação!" Mas eu sei que tudo é memória... |
Memória |
Cecília Meireles |
![]() |
![]() |
a José Osório |