A surpresa como resultado final

Fabrizzio B. Dal Piero

"Podes aproveitar momentos para surpreender o inimigo.

Du Mu

A Doctrine for Joint Special Operations estabelece que a surpresa é a capacidade de "atacar o inimigo em um momento ou local, ou de uma maneira, que o apanhe despreparado". É utopia nossa pensarmos que o inimigo, seja ele qual for, está despreparado. Este artigo discute o engano de se pensar que uma vitória conseguida com a ajuda da surpresa indica o despreparo do inimigo.

Em várias operações analisadas, o inimigo sempre estava muito bem preparado para neutralizar e eliminar uma ação ofensiva. Por exemplo, na fortaleza belga de Eben Emal, existiam canhões antiaéreos posicionados na parte superior do forte para impedir um assalto aéreo; havia 250 italianos mantendo guarda sobre Benito Mussolini; o aeroporto de Entebbe estava cercado por 100 soldados ugandenses, com dois batalhões estacionados nas proximidades; a instalação portuária de Saint-Nazaire estava cercada por baterias costeiras e holofotes que visavam a impedir que navios britânicos navegassem pelo Rio Loire; e o encouraçado Tirpitz e as belonaves HMS Queen Elizabeth e HMS Valiant estavam rodeadas por redes anti-submarino e antitorpedo. Em cada um desses casos, o inimigo estava preparado para impedir um assalto contra sua posição e, no entanto, a surpresa foi obtida em todos eles. Isso nos mostra que obter a surpresa não está diretamente ligado ao despreparo do inimigo.

Para saber o verdadeiro significado da surpresa, devemos compreender categoricamente algumas palavras importantes:

Dissimulação - Disfarce; fingimento; camuflagem.

Ilusão - Engano dos sentidos ou da inteligência; errada interpretação de um fato; tapeação.

Surpresa - Ato ou efeito de surpreender; aquilo que surpreende.

Surpreender - Apanhar de improviso; saltear; induzir em erro; conseguir ardilosamente.

Podemos notar literalmente que o responsável pelos efeitos da ilusão é a dissimulação. Isso mostra que não existe ilusão sem antes ter havido a dissimulação, o que torna uma produto da outra; não sendo possível a utilização da dissimulação para outros fins a não ser para se obter a ilusão e, por conseqüência, a surpresa. Assim a regra seria:

Surpresa = Dissimulação x Ilusão

O resultado obtido com os fatores não significa que a superioridade relativa foi alcançada. A surpresa não assegura a vitória da força atacante. A produção da surpresa é importante mas não deve ser considerada isoladamente. A fórmula acima apenas mostra como se consegue o resultado final, a surpresa. O seu emprego com as demais variantes para obtenção da superioridade relativa é caso à parte de estudo.

O desdém da seleção natural pelo princípio da verdade na publicidade é muito evidente. Alguns vaga-lumes fêmeas do gênero Photuris imitam o piscar próprio das fêmeas do gênero Photinus no cio e, em seguida, tendo atraído um macho Photinus, devoram-no. Algumas orquídeas se assemelham bastante a vespas fêmeas, para melhor atrair as vespas machos que então dispersam involuntariamente seu pólen. Algumas cobras inofensivas desenvolveram a coloração de cobras venenosas, ganhando imerecido respeito. Algumas crisálidas de borboletas têm extraordinária semelhança com a cabeça de uma cobra – escamas falsas, olhos falsos – e, se importunadas, começam a chocalhar ameaçadoramente. Em suma: os organismos podem se apresentar assemelhando-se à forma que seja do seu interesse.

Quando bem-sucedida, a dissimulação impele o inimigo a desviar a sua atenção da força atacante, ou retarda a sua resposta o tempo suficiente para se obter a surpresa no momento vital. Mas, quando não produz a resposta adequada, essa ação acarreta conseqüências desastrosas.

A contribuição do darwinismo moderno à observação de Goffman é, entre outras coisas, uma teoria sobre a função da confusão: iludimo-nos de modo a iludir melhor os outros. Tal hipótese foi lançada em meados da década de 1970 por Richard Alexander e Robert Trivers. Em seu prefácio à obra de Richard Dawkins, O gene egoísta, Trivers comentou o destaque dado por Darwkins ao papel da ilusão na vida animal e acrescentou, em uma passagem muito citada, que, se de fato "a ilusão é fundamental à comunicação animal, então deve haver uma forte seleção para identificar a ilusão, o que por sua vez, deve selecionar um dado grau de auto-ilusão, tornando sinais sutis do conhecimento - a ilusão que está sendo criada". Assim, arriscou Trevers, "a visão convencional de que a seleção favorece os sistemas nervosos que produzem imagens cada vez mais exatas do mundo deve ser uma visão muito ingênua da evolução mental".

Os humanos aparentemente não constituem exceção e sabem usar muito bem o artifício da ilusão e auto-ilusão. Lembremos o ataque dos israelenses ao aeroporto de Entebbe. Os israelenses utilizaram um Mercedes, semelhante ao que usavam os dignitários ugandenses, para retardar, momentaneamente, a ação dos guardas. Quando pousou em Gran Passo para resgatar Mussolini, Skorzeny trouxe consigo um general italiano de elevado posto, acreditando que a mera presença do general italiano provavelmente criaria uma certa confusão, o que os impediria de resistir de imediato ou de assassinar o Duce.

Isso não deve significar que o estudo da auto-ilusão contribua para obscurecer a ciência. A "consciência" é uma região com fronteiras mal definidas e porosas. A verdade, ou determinados aspectos dela, pode entrar e sair da consciência, ou pairar em sua periferia, presente apesar de indistinta. Mesmo presumindo que pudéssemos confirmar que alguém esteja totalmente consciente de uma informação relevante sobre uma situação, se isso constitui auto-ilusão, não vem ao caso. Será que a informação se acha em alguma parte da mente, bloqueada por censor desenhado para exercer tal função? Ou será que a pessoa, de início, simplesmente se esqueceu de registrar a informação? Em caso afirmativo, será que essa percepção seletiva em si resulta de um desenho evolutivo específico para produzir a auto-ilusão? Ou será um reflexo mais geral do fato de que a mente só pode guardar um determinado número de informações e a mente consciente um número ainda menor de informações? Tais dificuldades de análise constituem o problema de se produzir uma descrição clara da mente inconsciente.

A obtenção da surpresa significa aproveitar essa vulnerabilidade da mente humana e não na formação de combate do inimigo. Seja em mecanismo predefinido ou mesmo na própria evolução na consciência humana é onde se deve buscar a surpresa, sempre acreditando naquilo que queremos usar como ilusão, antes mesmo de tentarmos transmitir isso ao inimigo. A imagem exata da realidade ou cenário que pintamos para outros deve ser primeiro para nós, tornando-se isso prioridade no emprego da ilusão.

Quando Skorzeny e seus homens se lançaram em direção do hotel, Mussolini acompanhava todo a movimentação de uma janela de onde pôde testemunhar toda a operação. Assim, Mussolini logo distinguiu no grupo de alemães que avançava a silhueta de um oficial italiano, era o General Soletti, alto chefe dos carabineiros. Quando os soldados se dispuseram a abrir fogo contra Skorzeny e seus homens, Mussolini gritou energicamente: "O que estão fazendo? É um general italiano! Não disparem! Está tudo em ordem!"

Foi nesse ponto que a surpresa foi conquistada em Gran Sasso. Skorzeny acreditou na desorganização e paralisação da consciência dos soldados da Polícia Militar. Sabia que teria alguns segundos até que descobrissem o que se passava; essa surpresa, associada com a rapidez, sincronização e aproveitamento do terreno geográfico possibilitou o resgate do Duce em apenas três minutos. A conquista nesse caso da superioridade relativa só ocorreu com a volta segura de Mussolini e não apenas com o resgate.

Portanto, a ilusão não deve ser tratada apenas em um micro campo estratégico, mas também em um campo estratégico macro. Analisemos por menor a justificativa que Adolf Hitler deu à Alemanha e ao mundo sobre o ataque contra a Polônia, efetuado na noite do dia 31 de agosto. O episódio ficou conhecido como a "Agressão Polonesa" e foi como o mundo viu o início da guerra.

As primeiras sombras da noite começavam a cair sobre um povoado alemão, próximo à fronteira com a Polônia. Era Gliwitz, pequena cidade limítrofe. Um pouco afastada da população, levantava as suas instalações uma estação transmissora de rádio. O relógio marcou vinte horas. Um estranho silêncio tudo envolveu. Um silêncio carregado de tensão...

Juntamente com as batidas que assinalaram a hora, rápido roçar de botas indicou a presença de um grupo de homens. Eram oito ou dez soldados. À frente um oficial. Os uniformes, poloneses. Irromperam bruscamente na sala a se deslocarem em silêncio. O oficial levantou o braço.

Os soldados preparam as armas automáticas. Com um gesto brusco, o braço desceu. Numa ensurdecedora descarga, estremeceram as paredes do pequeno edifício. A seguir, com a mesma rapidez com que chegaram, os soldados atacantes se retiraram.

Mais adiante, porém, movimentaram-se com menos pressa, de tal modo que os habitantes que acorreram às janelas das suas casas puderam observar claramente os seus uniformes poloneses e escutaram as suas vozes gritando as ordens em idioma polonês.

Estranha demora aquela. Todo o povoado foi testemunha, dessa maneira, do criminoso ataque que soldados poloneses efetuaram contra aquele pacífico posto alemão.

Mas, nem tudo havia terminado ainda. No interior da estação transmissora, manipulando rapidamente os aparelhos, um soldado polonês leu ante o microfone uma breve declaração em que dizia haver chegado o momento da guerra entre a Polônia e a Alemanha. Depois, o silêncio.

Sobre o chão da sala, um cadáver era a muda testemunha daquele ataque polonês. Simultaneamente, em diversos lugares da fronteira germano-polonesa, efetuaram-se ataques semelhantes.

O grupo de soldados poloneses retirou-se para o território da Polônia e, após percorrer um breve caminho, voltou sobre seus passos, reingressando em território alemão, O oficial "polonês" que os comandava era Alfred Nauioks, oficial alemão das SS. Os soldados "poloneses" que o seguiram na ação eram homens pertencentes à sua própria seção da SS. O "soldado" morto no ataque era um prisioneiro dos nazistas, vestido com uniforme polonês e adormecido com drogas.

O plano fora confiado ao SS Naujouks, no dia 10 de agosto de 1939. A ordem de pô-lo em prática fora dada na manhã de 31 de agosto. O ataque deveria produzir-se nessa mesma noite, às 20 horas. No dia seguinte, 1º de setembro, o Fuehrer declarava no Reichstag: "Pela primeira vez, esta noite, tropas regulares polonesas abriram fogo contra o território do Reich. A partir das 5h 45min, respondemos ao fogo e de agora em diante, às bombas replicaremos com bombas".

A sinistra trapaça urdida pelo Alto-Comando Alemão convertia o agredido em agressor. Nesse caso, a surpresa veio em forma de justificativa. A ilusão transmitida à Alemanha de ter sido atacada pela Polônia foi conseguida pelo fato de os SS (Tropas de Proteção) terem empregado a surpresa em um nível macro, com um objetivo de ação maior que o utilizado em Gran Sasso.

A dissimulação e a ilusão podem até ser um instrumento útil na obtenção da surpresa, mas não devemos acreditar sempre em seu efeito. Em Saint-Nazaire, a Royal Air Force recebeu a missão de bombardear a cidade portuária, a fim de desviar a atenção dos alemães da pequena armada que navegava no Loire. A incursão aérea nada mais fez do que elevar o nível de alerta dos alemães.

Normalmente é melhor retardar a reação do inimigo do que desviar a sua atenção. O ataque já é uma surpresa decorrente das ações empregadas. No caso do plano da SS, o objetivo era o de conseguir, por meio da ação empregada, um fator que desse razão a Alemanha de atacar - ou melhor de - se defender da Polônia.

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