O Poder do Criador e da Criação

Fabrizzio B. Dal Piero

Posso necessitar disto. Quero tê-los.

Adolfo Hitler

Nas manobras de 1932, apareceram, pela primeira vez, os carros de combate (figurados de tela de madeira) e algumas unidades "legítimas". Provou-se, então, a ineficácia das armas pequenas e baionetas frente às blindagens dos veículos. As críticas foram muitas, principalmente da parte dos chefes de cavalaria, mas o êxito foi amplo.

Antes de continuarmos, vamos voltar um pouco, mais precisamente a janeiro de 1922, quando um chamado telefônico acordou Heinz Guderiam. O seu interlocutor, o tenente-coronel Joachin Von Stülpnagel, informou-o da sua transferência para a Inspeção das Tropas de Circulação Seção de Automóveis. Guderiam assumiria o comando, primeiramente, da Unidade de Automóveis N 1 em Munique.

Guderiam nasceu em 17 de junho de 1888. O seu pai, o primeiro-tenente Frederico Guderian, do Batalhão de Caçadores da Pomerânia nº 2, foi surpreendido pela ansiada notícia: o nascimento do seu primeiro filho. O jovem tenente Guderian não imaginava que aquele pequenino rebento seria o homem que, muitos anos depois, revolucionaria a concepção clássica da guerra.

Seguindo a tradição paterna, o jovem Heinz abraçou a carreira das armas. No dia 1º de abril de 1901, aos doze anos, vestiu o uniforme da Escola de Cadetes de Karlsruhe, da qual saiu, em fevereiro de 1907, para servir, como aspirante a oficial, no Batalhão de Caçadores Hannoveriano n º 10, de guarnição em Bitsch, Lorena, cujo chefe, até maio de 1908, foi o seu pai. A Guerra Mundial o surpreendeu ostentando os galões de tenente. Em outubro de 1914, foi promovido a primeiro-tenente e, em dezembro de 1915, a capitão. O fim da guerra chegou para Guderian, após haver prestado serviço no Estado-Maior do 5º Corpo de Exército, no E.-M. da 4 º Divisão de Infantaria, no Comando Geral do Corpo de Exército da Guarda, na CG do X Corpo de Exército da reserva, no E.-M. do Corpo de Exército "C", e, por último, no E.-M. do 38 º Corpo do Exército de reserva.

Todavia, o período entre as duas grandes guerras mundiais não deu descanso a Guderian e as suas atividades o levaram a comandar diversas unidades fronteiriças e a intervir para sufocar agitações nas comarcas do Ruhr, em Dessau e Bitterfeld.

No mês de abril de 1922, em Berlim, Guderiam foi informado da decisão de confiar-lhe a organização das tropas motorizadas, mas, posteriormente, essa medida foi revogada; o seu novo destino foi, ao contrário, estudar projetos de carros de combate, construções, estradas e circulação. Guderiam alegou falta de capacitação técnica, mas foi inútil; deveria adquirir a formação necessária ou improvisá-la.

Começou, então, um silencioso trabalho de pesquisa, busca de documentos, experiências alheias ou próprias, dados sobre tanques a automóveis blindados. Por último, no verão de 1929, Guderiam apresentou um exercício que tinha como base a atuação de uma divisão blindada. O exercício foi um êxito.

No outono de 1929 foi oferecido a Guderiam o comando do 3º Grupamento de Automóveis. De imediato, ele procedeu à sua reorganização, equipando-o da seguinte maneira: a 1a Companhia foi dotada de carros blindados de reconhecimento, a 4a com motocicletas, a 2a com carros de combate (figurados, de madeira e feno), a 3a , por último, com elementos de defesa antitanque (figurados de madeira).

Com essas tropas, Guderiam realizou intensos exercícios, que o cenvenceram mais ainda do valor da nova arma. Mas nenhuma compreensão acolheu aqueles trabalhos. – "Creia-me. Nunca veremos rodar os tanques alemães. A sua utilização não é mais que um projeto irrealizável".

Um entrechocar de botas e duas leves inclinações precederam o aperto de mãos que selou a despedida do General Joachin Stülpnagel, chefe da 3 º Divisão de Infantaria, e do chefe do 3a Grupamento de Automóveis.

Corria a primavera do ano de 1931 e ainda faltava muito caminho a percorrer para a novíssima arma blindada. Na realidade, repetindo as palavras do General Stülpnagel, podia considerar-se que aquilo não era mais do que um projeto irrealizável. "Um projeto irrealizável: Não estou tão certo disso". Provavelmente, essa foi a conclusão que aquela conversa provocou no espírito do jovem interlocutor de Stülpnagel. "Não estou tão certo disso". Na realidade, intimamente estava convencido do contrário. De fato, estava cegamente convicto do valor das unidades blindadas, pelas quais lutava sem descanso aquele jovem Comandante, Heinz Guderian.

Ante a evidência de experiências realizadas no estrangeiro, e talvez, de má vontade, foi decidido construir dois tipos de carros de combate semipesados e três leves: construíram-se duas unidades de cada tipo, totalizando dez carros. Os semipesados estavam armados com canhões de 7,5cm e os leves com artilharia de 3,5cm. A velocidade máxima dos dois tipos era cerca de 20 quilômetros por hora. Para a construção, empregara-se ferro fundido. Eram impermeáveis ao gás, a torre girava sobre seu eixo e possuíam adequada capacidade de manobra. A visão era muito limitada e não possuíam rádio.

Confrontaram-se opiniões e fatos concretos. Como o próprio Guderian declarou uma vez, "em terra de cegos, quem tem um olho é rei". Frente à ignorância quase total dos chefes e oficiais alemães sobre o problema, Guderian converteu-se na autoridade máxima em matéria de tanques, em toda a Alemanha. As suas aspirações, porém, iam mais longe do que as dos seus chefes imediatos. Ele queria fazer dos tanques uma arma independente, uma poderosa arma independente da infantaria e não a sua auxiliar. O tempo demonstraria o acerto das suas idéias.

Talvez tenha sido com Percy Hobart, militar de carreira, fora da Inglaterra, um dos pioneiros da arma blindada. Como ele vinha repetindo que os carros desempenhariam papel primordial na guerra a explodir, seus superiores, agastados, reformaram-no prematuramente depois que a guerra eclodiu. Em 1940, alistou-se na Home Guard, onde obteve a graduação de cabo e o comando de alguns agricultores, na maioria armados de ancinhos. Arrancado dessas atividades por Winston Churchill, atingira o posto de general e consagrara-se ao aperfeiçoamento de uma série blindada especialmente concebida para o ataque à Muralha.

Quando os aliados estavam-se preparando para o grande ataque ao litoral da Normandia, descobriram que havia placas de argila nas praias normandas. A partir desse momento, o problema em ordem do dia passou a ser: os carros de assalto atolariam nessa argila?

Quando geólogos descobriram que a região de Brancaster, em Norfolk, possuía solos cuja argila tinha a mesma consistência da de Luc-sur-Mer, lançaram carros sobre as placas e eles atolaram. Nesse momento souberam que o único jeito era convocar Hobart.

Percy Hobart desenvolveu contra os campos minados de Rommel o carro Crabe, que dispunha, na frente, de um tambor móvel. Girando, o tambor revolvia o solo com pesadas correntes que faziam as minas explodirem sem danos. Foi também dele a idéia do carro Crocodile, equipado com um lança-chamas. Para transpor as valas anticarros, imaginara o Fascine carregar toros para entulhar o obstáculo.

Deve-se ainda a ele o carro que lançava sobre as crateras das bombas ou sobre os cursos de água uma passarela de nove metros, capaz de suportar tanques pesados, assim como o Rampe que, desenhado em plano inclinado, serviria para transpor obstáculos e escombros. Hobert foi também o inventor dos carros anfíbios, chamados D.D., e de vários outros carros especializados. De fato, parecia que o General Percy Hobart seria capaz de fazer qualquer coisa com os imaginados carros de Guderiam, exceto fazer um carro como os de Guderiam.

Para as placas de argila, Hobert inventou o carro Bobine. Esse veículo estendia diante dele uma rede feita de espessas malhas de aço que eliminava todo o risco de atolar, não só para ele, como para os demais blindados clássicos.

Tanto o General Percy Hobart como Heinz Guderiam demonstraram o quanto é importante a relação guerra e geografia e que o entendimento dessa relação torna-se a peculiaridade mais notável da atitude militar:

"Esta relação é permanente. Os atos de guerra ocorrem em locais específicos, isto faz com que o terreno seja da maior importância, uma vez que ele condiciona todos os outros fatores, e algumas vezes os altera completamente. Somos forçados a levar em conta as menores características do terreno, bem coma as características mais evidentes de grandes áreas geográficas".

E acrescenta:

"Embora ambos os lados tenham, geralmente, de enfrentar as mesmas dificuldades de terreno, aquele com habilidade e talento superiores pode transformar estas dificuldades em uma vantagem para si. Uma igualdade de dificuldades, além do mais, existe apenas em teoria, pois, de modo geral, um dos oponentes, geralmente aquele que se encontra na defensiva, está mais familiarizado com o terreno do que o outro".

O reconhecimento de que o terreno condiciona todos os outros fatores e algumas vezes os altera completamente, tem sido de grande importância por toda a História Militar. Os métodos que proporcionaram a Napoleão o seu grande sucesso na Europa Central falharam totalmente na Rússia, em 1812. Somente depois que a Guerra dos Bôeres já estava de fato em andamento foi que a Grã-Bretanha percebeu todas as dificuldades apresentadas pelo Teatro de Operações sul-africano.

Embora as características secundárias do terreno tenham sido sempre da maior importância no campo tático, é difícil para nós, atualmente, equipados com tecnologias de última geração que no mínimo nos fornecem boas cartas topográficas, compreender as surpresas desagradáveis que os comandantes, antigamente, muitas vezes tinham que enfrentar. O reconhecimento pessoal feito pelo general e pelos seus ajudantes-de-ordens tinha de servir como a base para qualquer decisão, pois apenas ocasionalmente se encontrava disponível um leve esboço de uma parte do terreno.

Todavia, o desenvolvimento do poder da imaginação e de suas várias ramificações é uma parte essencial do treinamento de Estado-Maior e um requisito indispensável para os chefes de Grandes Unidades distribuídas por uma área considerável. A capacidade de formar rapidamente quadros mentais precisos de uma situação é especialmente importante hoje em dia, quando o escalão superior não pode esperar ver suas tropas com seus próprios olhos. Wellington demonstrou não possuir tal capacidade em Ligny, a 16 de junho de 1815, ao assegurar a Blucher que enviaria ajuda quando, na verdade, os exércitos encontravam-se em tal posição que era impossível qualquer ajuda da sua parte.

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