BOLETIM DA DIRETORIA DE CRIAÇÃO NÚMERO 74
Recapitulando. Toda a vez que a extremidade de um osso encontra a extremidade de outro forma-se uma articulação. A articulação permite uma série de movimentos que podem ser entendidos olhando para um desses bonecos articulados da criançada. Há articulações, como as dos ossos do crânio, que praticamente não permitem movimentos. Outras, como a do quadril e a do ombro, caracterizam-se por variedades de movimentos e grande força. A articulação do joelho é do tipo côndilo/troclear. Executa dois movimentos fundamentais, extensão e flexão da perna sobre a coxa. Na posição de semiflexão pode fazer rotações e inclinações ligeiras. Os movimentos de rotação e inclinação muito amplos sugerem lesões ligamentares. A articulação do joelho é uma das mais interessantes e complexas, envolvendo 4 ossos e não dois ou três como é o mais comum: a extremidade inferior do fêmur, a extremidade superior da tíbia, a extremidade superior da fíbula e a patela.A extremidade inferior do fêmur apresenta uma superfície articular em forma de polia, formada por duas protuberâncias laterais convexas, os côndilos interno e externo, este mais largo e saliente, separados por uma gargantaantero-posterior, mais acentuada na parte anterior e superior, a tróclea (fig.ao lado) continuada inferior e posteriormente por uma chanfradura que marca mais claramente as formações condilares. Na sua face anterior, logo acima da tróclea, o fêmur apresenta o sulco supratroclear onde se aloja a patela nos movimentos de extensão da perna sobre a coxa.A extremidade superior da tíbia é um capitel quadrangular formado por duas massas volumosas, as tuberosidades ou côndilos, externo e interno. A face superior do capitel constitui a meseta tibial, responsável pela articulação com o fêmur. Possui duas superfícies articulares ligeiramente côncavas, as cavidades glenóides, separadas no sentido antero-posterior por uma elevação, a espinha da tíbia. As cavidades glenóides são relativamente rasas para acomodarem os côndilos femurais. Duas formações fibrocartilaginosas, os meniscos semilunares, um externo mais fechado como um O e outro interno pouco mais aberta como um C, dão maior profundidade às cavidades glenóides tornando mais estável o encaixe dos côndilos. A figura acima mostra a meseta tibial coberta pelos meniscos. A extremidade superior da fíbula possui forma piramidal, tendo na parte interna uma faceta articular redonda ou oval, plana que olha para cima e para dentro. Essa faceta articula-se com faceta análoga existente na tuberosidade externa da tíbia. A patela é um osso chato com forma lembrando um triângulo, tendo a face anterior convexa situada na face posterior do tendão terminal do quadrícepes. Alguns autores acham que a patela nada mais é que a porção ossificada do tendão do quadrícepes. |
A face posterior é articular, com duas facetas articulares separadas por uma crista, exceto no seu quarto inferior. Na figura acima vemos as faces anterior e posterior da patela. As bordas, externa e interna, são convexas e arredondadas, sendo a interna mais grossa formando uma saliência mais acentuada que facilita os traumatismos. Nas bordas inserem-se as aletas patelares e os fascículos inferiores dos músculos vastos. A patela é muito móvel, sendo mantida no lugar principalmente pelas aletas, complexos fibrosos muito resistentes inseridos nas bordas patelares.
As aletas são formadas por complexo fibroso muito resistente, principalmente na sua parte medial, inserido nas bordas laterais da patela , no ligamento patelar, nas bordas das cavidades glenóides tibiais e nas porções posteriores dos côndilos femurais. Esse complexo fibroso é formado por aponeurose superficial, reforçada por fora pelas fibras do músculo tensor da fascia lata e, por dentro, por fibras do sartório, pela expansão do músculo quadrícepes e por fibras profundas diretas da patela até os côndilos. As aletas impedem o deslocamento para a frente da articulação e os deslocamentos laterais da patela.
Além de atuar na manutenção da estabilidade articular, as aletas disseminam por todos os contornos antero laterais da patela as inserções do quadrícepes, aumentando muito a ação extensora do potente músculo.
As superfícies articulares também são mantidas em contato pela cápsula ligamentar e pelos ligamentos de reforço. A cápsula ligamentar do joelho reveste a articulação como um manguito constituído essencialmente por fibras que vão do fêmur até a tíbia e fibras transversais e oblíquas de diversas procedências. Os ligamentos são em número de seis: a- Ligamento anterior ou ligamento patelar , que vai da extremidade inferior da patela até a tuberosidade anterior da tíbia, nada mais sendo que o prolongamento infrapatelar do tendão do quadrícepes; b- O ligamento posterior, formado por expansões dos músculos e fibras próprias; c- Ligamentos laterais, interno e externo. O externo é um cordão grosso e cilíndrico que vai da tuberosidade do côndilo externo do fêmur até a cabeça da fíbula. O interno, aplanado em forma de cinta, vai da tuberosidade do côndilo interno do fêmur até o côndilo interno da tíbia e d- Ligamentos cruzados que, com os ligamentos laterais, são os verdadeiros ligamentos do joelho. Situam-se profundamente na chanfradura intercondílea. O ligamento cruzado anterior vai da espinha da tíbia e parte rugosa situada à frente da espinha até a face profunda do côndilo externo do fêmur. O ligamento cruzado posterior vai da superfície rugosa situada atrás da espinha tibial até a parte anterior da face profunda do côndilo interno femural. Estes fortes ligamentos cruzam-se da frente para trás e de fora para dentro justificando os seus nomes.
Na sua face interna a cápsula ligamentar é revestida pela membrana sinovial fibro-serosa que delimita um espaço chamado cavidade articular. A sinóvia também reveste as bainhas tendinosas dos músculos. Na cavidade articular encontra-se o líquido sinovial, formado essencialmente por água, sais minerais e mucina, tendo, entre outras, funções de lubrificação e nutrição das estruturas articulares.
Os músculos do joelho são fortíssimos, possibilitando movimentos de flexão e extensão amplos e potentes. Os extensores da perna, abrindo o ângulo tíbio-femural, estão representados pelo quadrícepes crural com os componentes reto anterior, vastos interno e externo e crural. As fibras desses músculos inserem-se em vários pontos da patela e terminam unindo-se para formar o tendão patelar. Também são extensores o tensor da fascia lata e o músculo parameral. Os flexores têm as suas formações terminais no oco poplíteo e são o sartório ou costureiro, o bícepes femural, o semi-tendinoso e o semi-membranoso.
As figuras embaixo mostram a articulação do joelho, fletida e estendida, com os seus componentes ósseos, ligamentares e meniscos.
Feita a revisão dos componentes articulares, podemos citar algumas qualidades da articulação do joelho:
Ao mesmo tempo que aparenta grande instabilidade, determinada por extremidades ósseas articulares que não formam o conjunto clássico convexo/côncavo, chegando nos cães a serem praticamente duas superfícies convexas que necessitam da concavidade formada pelos meniscos cartilaginosos, os seus componentes mantêm as suas correlações funcionais por fortíssimos elementos contensores como os fantásticos grupos de músculos e ligamentos.
A patela, base de fixação muscular, é um interessante exemplo de engenharia, mostrando o grande arrojo dos grandes mestres dos avanços arquiteturais: instabilidade aparente apoiada em sólidos elementos contensores.
Da pretendida pequena a recapitulação esticou, mas não poderia passar por cima de tão importante articulação para todo animal. Principalmente para o pastor alemão.
A luxação da patela é caracterizada pelo seu deslizamento para fora do sulco supratroclear do fêmur. O deslizamento pode ser medial ou lateral.
Luxação medial da patela (LMP). É a mais comum, sendo mais freqüente nas raças menores de cães, embora as raças grandes, inclusive o pastor alemão, possam ser atingidas. A luxação medial representa 75 a 80% do total dos casos, com envolvimento bilateral em 20 a 25%. Na maioria das vezes congênita, podendo ser raramente traumática. As fêmeas são afetadas 1.5 vezes mais que os machos. Alguns trabalhos sugerem herança recessiva. Pela sua maior incidência nas fêmeas também são admitidos fatores ligados ao cromossoma X ou influências hormonais. Embora a luxação possa não estar presente no nascimento, as alterações anatômicas que a causam sim. Pode ser notada já a partir dos cinco ou seis meses de idade, caracterizada por claudicação (manqueira) de evolução crônica, alguns animais apresentando uma marcha saltitante transitória e determinada pela prisão da patela na parte medial da articulação. Muito característica é a posição agachada mantida pelo cão, com os dedos voltados para dentro, provocada pela manutenção do joelho em extensão. Muitos animais com LMP têm membros inferiores em arco(geno varo).Quando bilateral, o animal pode caminhar impulsionando o corpo para a frente com os dois membros ao mesmo tempo como um coelho. Várias causas são apontadas para o deslizamento da patela: a- Deslocamento medial do ligamento patelar e/ou do tendão do quadrícepes.Quando os músculos da coxa contraem, as potentes forças são transmitidas para a patela e ligamento patelar com a conseqüente extensão do joelho. A inserção medial do tendão patelar faz com que essa força luxe a patela medialmente ; b- Torção femural externa; c- Frouxidão ligamentar ou muscular; d- Sulco supratroclear raso; e- Rotação interna e desvio medial do capitel tibial,etc. O mais aceito é a associação de várias dessas possíveis causas e com determinismo genético.
A OFA (Orthopedic Foundation for Animals) identifica três classes de animais com LMP: 1- Neonatos ou filhotes maiores que apresentam sinais clínicos da doença logo que começam a andar. São os que apresentam graus 3 ou ou 4 da classificação da OFA; 2- Animais jovens ou maduros com graus 2 ou 3 da doença.Apresentam marcha anormal intermitente durante toda a sua vida e 3- Animais idosos, com graus 1 ou 2, que exibem sinais súbitos de claudicação aos menores traumas ou às alterações degenerativas articulares.
Luxação lateral da patela (LLP). É mais rara e acomete principalmente os cães de raças maiores. Nos cães maiores pode surgir logo aos 5 ou 6 meses de idade, enquanto nos menores, na maioria das vezes, surge dos 5 até os 8 anos de idade. Pode ser congênita ou traumática. Os membros inferiores podem ser em X (geno valgo). As alterações que causariam a LLP são, na maioria das vezes, opostas às que causariam a LMP: a- Coxa valga; b- Deslocamento lateral do tendão do quadrícepes; c- Torção femural interna; d- Rotação lateral com desvio lateral do capitel tibial; e- Frouxidão ligamentar ou muscular. O quadro clínico é semelhante ao da LMP, mas, ao manter-se agachado, o animal tem os dedos virados para fora.
Diferentemente da displasia coxo-femural ou o do cotovelo, nem sempre nas luxações do joelho a radiografia é mandatória no diagnóstico. A palpação articular feita por mãos hábeis tem grande valor diagnóstico, principalmente nos casos em que a patela não é mantida continuamente fora do sulco supratroclear. Nesses casos o examinador pode, até com certa facilidade, movimentar a patela para fora do seu berço e fazer o diagnóstico.
Nos casos mais graves, a patela localiza-se continuamente fora do sulco supratoclear e pode ser palpada também com facilidade. Nesses casos a radiografia pode mostrar:
Como faz com um grande número de patologias, a OFA também mantém um arquivo para a luxação patelar visando: a- Controlar os animais que serão usados na criação; b- Fornecer um certificado, ao custo de 15 dólares, ao proprietário do animal isento do problema examinado após os 12 meses de idade. Como a LP pode surgir mais tarde, a OFA aconselha reavaliações que não são cobradas; c- Avaliações preliminares em cães que serão usados na criação antes dos 12 meses de idade, custando o certificado 10 dólares e d- A OFA encoraja (praticamente nada nos EEUU é obrigatório) todos os veterinários e criadores a enviarem tanto os resultados normais como os anormais para um arquivo mais confiável. Se o animal for considerado portador da doença a OFA não cobra qualquer taxa.
Os animais portadores da doença são classificados pela OFA em quatro categorias:
( A classificação está com os seus dados simplificados)
Portanto, temos aí uma revisão diminuta da articulação do joelho e da enfermidade que chama a atenção dos estudiosos no mundo todo. Com a displasia coxo-femural e a displasia do cotovelo, já mostradas em nossos boletins, a luxação da patela forma um trio de respeito que todo criador consciente deve, pelo menos, saber que existe.
Todos os canis do SPCPA-Núcleo de Cruzeiro foram registrados, através da Confederação Brasileira de Cinofilia, na Federation Cynologique Internationale (FCI).
Portanto, todos têm agora reconhecimento mundial.
Agradecemos a ajuda da Anita Soares, sempre muito simpática e solícita
Dr. José Carlos Pereira, Diretor de Criação