Boletim da diretoria de criação número 68 junho 1998

 O CÃO ENXERGA A CORES ?

O número de células nervosas destinadas à visão são em número muito maior do que as destinadas a qualquer outro órgão sensitivo, mostrando a grande importância da visão para o homem. No cão essa importância é um pouco menor devido ao grande desenvolvimento da sua audição, embora ainda seja vital para a sobrevida do animal.O olho, o órgão da visão, está localizado em um soquete no crânio chamada órbita, onde está protegido dos traumatismos. Essa proteção é completada pelas pestanas, pálpebras, músculos e glândulas lacrimais. Os olhos são órgãos globulares preenchidos por substâncias gelatinosas.De fora para dentro o globo ocular é formado por 3 camadas: 1- A esclerótica, formada por tecido conjuntivo denso esbranquiçado tem, entre outras, a função de manter a forma do globo. É o branco dos olhos. Na sua parte anterior, a opaca esclerótica é substituída pela transparente e ligeiramente protuberante córnea; 2- A úvea, a camada vascular, formada pela coróide, pelo corpo ciliar (capaz de alterar a forma e comprimento do cristalino favorecendo a acomodação visual) e a íris (responsável pela cor dos olhos, conforme a quantidade e a disposição dos seus pigmentos). A íris, um diafragma de músculos circulares e radiais, delimita uma abertura chamada pupila que reflete em sua cor a escuridão de dentro do olho. A abertura da pupila é regulada automaticamente pelos músculos circulares e radiais da íris que são controlados pelo sistema nervoso autônomo.Sob luz intensa, a pupila contrai-se evitando que grande quantidade luminosa entre no olho, o contrário acontecendo sob luz fraca. Na composição do corpo ciliar existem músculos lisos, controlados involuntariamente e cuja função é alterar a forma do cristalino; 3- A retina, que reveste quase todo o globo ocular, é a parte sensível, capaz de transformar a luz em impulsos nervosos. A região da retina destinada a perceber detalhes é mais rica em cones e é denominada região central. Possui 150 000 cones/mm2, enquanto no resto da retina existem somente 4 a 5000 cones/mm2.No homem representa uma região de 1 cm de diâmetro e, por possuir grande quantidade de um pigmento amarelo, é chamada mácula lútea (região macular). No centro da região macular existe uma depressão, a fóvea, na qual somente existem cones . A fóvea é a região que permite, sendo virado o globo ocular, uma pessoa trazer a imagem de maior interesse psicológico para o seu campo visual, além de ser o local no qual as cores são mais claramente visualizadas. Logo atrás da pupila existe uma lente biconvexa e moldável, o cristalino, suspensa por um anel de ligamentos unidos aos músculos ciliares. Quando as fibras musculares circulares contraem-se a tensão nos ligamentos é reduzida e o cristalino toma uma forma mais bojuda, favorecendo a visão de objetos mais próximos. Quando as fibras radiais dos músculos ciliares contraem-se o cristalino toma uma forma alongada aumentando a distância focal e facilitando a visão de objetos mais distantes. O cristalino separa a chamada câmara anterior do olho, preenchida por um fluído aquoso chamado humor aquoso, da câmara posterior, preenchida por uma geléia transparente,o humor vítreo. Todos os corpos emitem e absorvem ondas eletromagnéticas, sendo o olho capaz de captar ondas dentro de um espectro entre 400 e 700 nm. É o chamado espectro visível. Toda a energia do processo vem dos raios solares ou da iluminação artificial. Os raios solares são fonte de energia – sendo a fotossíntese a mais evoluída – e fonte de informação, a fotorrecepção. Mesmo a primitiva ameba é sensível à luz, contraindo-se sob uma iluminação desconfortável para ela. Do mesmo modo, as minhocas, que não possuem olhos, procuram rapidamente o abrigo dos seus buracos na terra para protegerem-se contra uma intensidade luminosa desagradável. O homem, com o seu grande desenvolvimento neurológico, não é somente sensível a determinados espectros de irradiações. É capaz de usar a luz que entra em seus olhos para saber o que está acontecendo ao seu redor, estimando tamanhos relativos dos objetos, tendo visão de profundidade ambiental, vendo em três dimensões e, após a integração e análise dos impulsos, realizando condutas adequadas ou não em relação ao meio.

Em miúdos, a função básica da córnea, dos humores, da íris, da pupila, dos corpos ciliares, dos músculos e ligamentos e do cristalino é refratar, isto é, mudar a direção a luz emitida pelo ambiente para que os seus raios sejam direcionados adequadamente até a retina.

Na retina há dois tipos de células de funcionamento extraordinário: os cones e os bastonetes, as chamadas células receptoras.O cone é uma das mais fascinantes células do organismo animal. Surpreendem a sua anatomia , o seu complexo funcionamento que assegura seu próprio metabolismo (o metabolismo das células fotorreceptoras é o mais ativo do organismo), sua autorenovação e, o mais intrigante, a transformação da energia luminosa em energia elétrica, além de um intricado código de informações. Enfim, é ele que permite a sensação de cores. O bastonete é menos interessante e permite a visão em diversos tons de cinza. O olho humano possui, em média, 125 milhões de bastonetes e 6.5 milhões de cones, distribuídos pela retina. Somente não são encontrados no chamado ponto cego ou papila que nada mais é que o local da entrada no nervo óptico no globo ocular. No fenômeno da visão as células retinianas usam, numa primeira etapa, os mecanismo de comunicação próprios a todas as células nervosas: a comunicação com o seu meio exterior através dos hormônios e a comunicação entre elas através das sinápses e seus neurotransmissores.

Todos esse dois sistemas usam um grande número de mensageiros praticamente idênticos: os primeiros mensageiros são as proteínas das membranas, sem as quais, seria impossível as células receberem ou transmitirem mensagens; os segundos mensageiros são as pequenas moléculas e ions que, através de várias vias (via AMP-adenosina monofosfato- , via inositídeos – diacylglicerol- e trifosfato de inositol que libera um terceiro mensageiro, o cálcio) que permitem as informações serem elaboradas e transitarem pelas células até chegarem a outras células.

O mecanismo de transformação de luminosidade em eletricidade é determinado por pigmentos fotorreceptores como a rodopsina, melhor estudada nos bastonetes.

Chegando à retina a luz provoca alterações químicas, elétricas e estruturais. Os transdutores envolvidos nesse intrincado processo são substâncias fotossensíveis chamadas fotopigmentos. Descobertos por H.Müller, em 1851, foram exaustivamente estudados por Boll, S.Hecht, Herbet Dartnall e pelo extraordinário cientista George Wald, prêmio Nobel em 1968. Os pigmentos são conjugados proteicos compostos por um componente básico (opsin) e um grupo prostético cromóforo de carotenóides que determina a atividade fotoquímica associada à visão. O grupo cromóforo encontrado nos bastonetes foram relacionados por Wald à vitaminas A1(retinol) e A2(3-dehydro-retinol), mais precisamente como os aldeídos chamados por ele de retineno 1 e retineno2. O pigmento relacionado ao retineno 1 foi chamado rodopsina e o relacionado ao retineno 2 porfiropsina. Nos mamíferos os pigmentos são encontrados na retina e absorvem espectro de luz variando de 400 a 700 nm no homem, sendo que varia, em média, entre 440 a 520 nm nos invertebrados e 430 a 700 nm, em média, nos vertebrados. Trocando em miúdos, os pigmentos são combinações do aldeído da vitamina A e diversas proteínas. A vitamina A apresenta-se em três formas: retinol (álcool da vit. A), principal forma de armazenamento e que pode ser sintetizado a partir do betacaroteno; retinaldeido, ligado à pigmentação da retina e ácido retinóico, metabolito ativo da vit. A associado ao crescimento, diferenciação e transformação das células.

Os pigmentos encontrados nos cones apesar dos muitos estudos continuam desafiando os pesquisadores. A fóvea, que intermedia a visão colorida, não possui rodopsina. A visão tricromática (como numa impressora, a mistura das três cores básicas, o vermelho, o azul e o verde, possibilitariam a obtenção de todas as outras) levaram à conclusão da existência de três tipos de cone, cada um com um pigmento para uma cor básica. Foram identificados esses três tipos como responsáveis pela visão do vermelho (650 nm de comprimento de onda), do verde (520 nm) e azul (450 nm) respectivamente. Segundo Young e Helmholtz a visão das três cores possibilita ao homem a visão tricromática.

As fibras do nervo óptico que originam-se na retina chegam ao chamado quiasma óptico. No quiasma, as fibras mais internas de cada nervo óptico cruzam de lado unindo-se ás fibras mais externas opostas. Dessa maneira, o trato óptico direito leva as mensagens originadas em objetos visualizados do lado esquerdo do campo visual e o esquerdo leva as mensagens originadas em objetos visualizados do lado direito do campo visual. Do quiasma os tratos ópticos passam pelo tálamo e entram no cérebro mantendo comunicação com verdadeiras estações retransmissoras, chamadas corpos geniculados laterais, localizadas em cada hemisfério cerebral. Daí, as fibras nervosas, chamadas então radiações ópticas, conduzem os impulsos até as áreas do cortex cerebral, o chamado cortex visual, situadas no lobo occipital. No cortex visual é estabelecida a percepção visual que permite a expressão de uma figura originada na bateria de impulsos recebidos da retina. Esse mecanismo permite que uma imagem formada em duas dimensões na retina – e transferida por códigos neurais, a linguagem do cérebro – seja vista tridimensionalmente. A integração dessa imagem com as experiências adquiridas e com dados da memória dão a cada indivíduo uma visão única e muito própria de cada objeto.

E agora, o cão enxerga a cores ? Abordaremos alguns aspectos desse intrincado problema, sem qualquer pretensão de esgotá-lo e nem de ser definitivos. Novos conhecimentos ainda são necessários para uma resposta definitiva, se é que ela existe.

Todos os animais de hábitos diurnos têm uma boa visão das cores, importante para a sua sobrevivência. Embora o cão doméstico adote vida predominantemente diurna como o homem, ele não é um animal diurno do ponto de vista da evolução. Como nada é definitivo (como no amor, nem sempre e nem jamais) alguns animais não diurnos possuem visão colorida. O cão possui bastonetes e cones, representando os cones somente 20% dos receptores na zona central da retina. Muito menos que na retina humana, ficando a hipótese de ter o cão uma visão colorida inferior a do homem.

Existem três diferentes tipos de cones: o cone S, ou azul, sensível aos comprimentos de ondas curtos; o cone M, ou verde, sensível aos comprimentos de ondas médios e o cone L, ou vermelho, sensível aos comprimentos de ondas longos. O cão somente possui cones S e L. Seria suficiente para a visão colorida?

Uma pequena percentagem de homens, mais ou menos 5%, possuem cones S normais, faltando cones L e M normais. Alguns não possuem um dos cones, o M, o que é mais comum e são chamados deuteranópicos, ou o L, os protanópicos. A falta do cone S é extremamente rara. Mas, embora sejam dicromatas, essas pessoas conseguem enxergar colorido, mas de uma maneira diferente daquela dos tricromatas.

Como os deuteronópicos, o cão pode distinguir claramente entre o azul e o vermelho. Os trabalhos mostram que o mundo do cão é formado de matizes de azul, amarelo e cinza. Ele não nota diferenças entre o verde (ou o amarelo esverdeado), amarelo, laranja e o vermelho. Um objeto vermelho, como uma bola, para ele não se sobressai sobre um gramado verde. A roupa vermelha também não serve para distinguir o seu dono entre os arbustos e os alimentos vermelhos não são mais apetecíveis que os verdes ou amarelos. Já uma bola azul pode ser distinguida rapidamente num gramado verde. Note-se que uma bola vermelha não fica invisível sobre um gramado verde. Ela simplesmente é percebida pelo seu brilho e não pela cor.

Ao mesmo tempo que tem um mundo menos colorido e visto com menor acuidade que o do homem, o cão enxerga muito melhor no escuro embora não atinja o grau de visão noturna do rei da noite, o gato. A preponderância dos bastonetes, cujo pigmento, a rodopsina, favorece a adaptação à escuridão (por isso a falta da vitamina A, importante na composição da rodopsina, leva a um quadro de deficiente visão noturna). Maiores pupilas, córneas e cristalinos são também favorecedores de uma melhor visão noturna.

Uma formação importante não encontrada no olho humano é o tapetum lucidum. A luz que passa pela retina sem ser absorvida choca-se com essa formação e é refletida de volta dando aos receptores uma segunda chance de captá-la. Mesmo assim, alguma luz refletida pelo tapetum lucidum não é captada pelos receptores retinianos e é refletida para fora das pupilas. É o fenômeno que possibilita a luminescência dos olhos dos cães e outros animais (daí o nome dos olhos de gato dado aos refletores noturnos das estradas) quando, no escuro, são iluminados por uma luz de lanterna por exemplo. O tapetum ocupa uma menor área da retina no cão em relação ao gato, e, em alguma raças que possuem olho azul, podem até não existir.

Outra constatação é que o cão consegue enxergar luzes tão fracas que são invísíveis ao olho humano, embora, como já foi dito, não consiga competir com o gato, o rei da noite.

Na sua evolução, o cão não necessitou enxergar pequenos grãos para o seu sustento. Sua alimentação vinha de grandes predadores e presas de tamanhos moderados, todos não possuidores de cores muito vivas ou brilhantes. Para obter as suas presas sempre necessitou da navegação noturna. E sua visão sempre foi ajudada por audição e faro bastante apurados. Portanto,a visão do cão não é igual à do homem, sendo adaptada às suas necessidades: mais pobre em detalhes, pouca capacidade de acomodação às diferentes distâncias, grande habilidade para visão noturna, maior capacidade para distinguir o brilho dos objetos e menor grade de visão colorida.

Alguns dados práticos emanam de toda essa confusão sobre a visão dos cães:

As bolinhas usadas para as brincadeiras devem ser de cor azul, preferentemente, cinza ou amarela.

Também a roupa do figurante será mais diferenciada pelo cão se for azul,