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Dezembro de 2001

 
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Evolução interrompida

por Felipe A. P. L. Costa [1]

Um observador da “vida selvagem” não deve encontrar dificuldades para reunir exemplos de plantas e animais que parecem estar muito bem ajustados aos lugares onde vivem: árvores que atraem polinizadores específicos para suas flores; lagartas que constroem abrigos nas folhas da planta-hospedeira; peixes que nadam em águas profundas sem morrer esmagados; morcegos que navegam no escuro sem trombar nos obstáculos etc.[2]. Biólogos evolucionistas procuram mostrar que esses e muitos outros exemplos não são apenas ilusões ou simples coincidências, mas resultados de um processo ativo de ajustamento: a evolução por seleção natural. “Evoluir” significa mudar e “evolução biológica” pode ser entendida como toda e qualquer mudança hereditária que ocorre em populações naturais, geração após geração.

É a ecologia que torna a evolução inevitável, pois mesmo se os componentes abióticos do ambiente (variáveis climáticas, por exemplo) fossem “congelados”, os componentes bióticos (plantas, animais, fungos e microorganismos) continuariam a mudar [3]. E mudanças evolutivas em uma determinada população acabam provocando alterações nas pressões seletivas sobre as demais espécies com as quais ela interage. Se um novo tipo de defesa surge em uma população de presas, por exemplo, seus predadores logo passam a ser pressionados no sentido de evoluir algum tipo de contra-ataque -- sob pena de passar fome e correndo o risco de desaparecer. Nessas “corridas armamentistas”, não existem soluções propriamente definitivas, pois evoluir novos tipos de defesa ou de ataque produz repercussões que vão e voltam...

Extinção é um fenômeno natural, mas...

Populações naturais com pouco ou nenhum potencial para evoluir (isto é, com pouca ou nenhuma variabilidade genética) têm chances reduzidas de persistir a longo prazo em um mundo heterogêneo, no qual as condições de vida e a disponibilidade dos recursos estão sempre mudando -- tanto no espaço (“o que tem aqui, falta ali”) como no tempo (“o que ontem era comum, hoje é raro”). A capacidade de evoluir é, portanto, indispensável para a persistência a longo prazo em ambientes heterogêneos. Persistência de populações a longo prazo não significa, no entanto, persistência por tempo indefinido, pois cedo ou tarde todas elas serão extintas! Extinção é um fenômeno natural, tão natural quanto o fenômeno oposto, a especiação -- processo evolutivo pelo qual duas ou mais espécies surgem a partir de um mesmo ancestral. Assim, ao longo da história da vida em nosso planeta -- uma impressionante jornada que começou há mais de 3.400.000.000 anos --, inúmeras espécies surgiram, deram origem a novas linhagens e então desapareceram, naturalmente.

Ora, mas se extinções sempre ocorreram, por que se faz tanto barulho atualmente contra a perda de biodiversidade? A resposta é: simplesmente porque a taxa de extinção -- número de espécies perdidas por unidade de tempo -- aumentou dramaticamente nas últimas décadas. Por exemplo, enquanto os paleontólogos calibram as taxas de extinção das espécies fósseis que eles estudam em uma escala, digamos, anual, os conservacionistas falam das perdas atuais de espécies empregando uma escala graduada em dias ou mesmo em horas! Evidências de episódios de extinção em massa provocados por populações humanas têm sido encontradas em praticamente todas as regiões da Terra (inclusive nas Américas), mas, ao que tudo indica, nunca, antes, tantas espécies foram perdidas em um intervalo tão curto de tempo como agora [4]. Por isso, quando biólogos advertem para os riscos de extinção de populações locais ou para a ameaça de extinção global de espécies, eles não estão exatamente reivindicando a suspensão por decreto de um fenômeno natural, mas chamando a atenção para atividades humanas insensatas, como caça e pesca excessivas, poluição, introdução de espécies exóticas e destruição de hábitats, que ampliam ainda mais esses riscos.

Destruição e fragmentação de hábitats

Nos últimos anos, a destruição física de hábitats naturais provocada pela nossa espécie -- florestas desmatadas, brejos aterrados, rios represados etc. -- assumiu o primeiro lugar na lista das causas de extinção em escala planetária [5]. Hábitats estão sendo destruídos em todo o mundo, mas a situação é mais dramática nas latitudes tropicais, onde algumas das populações humanas economicamente mais pobres e exploradas convivem com alguns dos sítios biologicamente mais ricos do planeta. Em Minas Gerais -- um dos estados brasileiros mais ricos em biodiversidade e, ao mesmo tempo, um dos mais atrasados em termos de proteção ambiental [6] --, muita coisa já foi destruída a troco de “vento e poeira”: a cobrança de impostos sobre terras “improdutivas” (recobertas com vegetação nativa), por exemplo, fez com que durante muitos anos os agricultores mineiros simulassem “atividades produtivas” simplesmente queimando trechos florestados de suas propriedades, mesmo quando não precisavam fazê-lo [7]. Talvez eles até viessem a desmatar a maior parte de suas propriedades, de um jeito ou de outro, mas a ajuda do governo estadual acelerou e ampliou muito o alcance da destruição. O desmatamento e o envenenamento do ar, da água e do solo provocados por mineradoras, siderúrgicas, carvoarias e outras indústrias “sujas” que ainda operam em Minas Gerais, algumas delas tentando agora passar uma imagem de empresa “limpa e ecologicamente responsável”, também mereceriam um capítulo à parte em um livro dedicado aos grandes crimes ambientais praticados no Brasil.

Mantido o atual ritmo de destruição, em breve a paisagem tropical será formada por umas poucas “ilhas” de vegetação nativa mergulhadas em uma matriz de áreas empobrecidas ou degradadas -- pequenos remanescentes florestais cercados por extensas áreas de pastagens, por exemplo. De modo semelhante ao que acontece com as ilhas oceânicas, o tamanho e o grau de isolamento desses fragmentos afetam em cheio a biodiversidade e o tempo de persistência das espécies que sobrevivem dentro deles. O pior dos mundos para uma ilha de vegetação é ela ser pequena e estar longe de outras áreas semelhantes, pois a perda de espécies é mais rápida e fácil em fragmentos pequenos e isolados, ao mesmo tempo em que a recolonização torna-se lenta e difícil.

Em última análise, a fragmentação provoca um aumento generalizado nas chances de extinção entre as espécies remanescentes, elevando o número de “reféns” (espécies que passam a depender de nossa ajuda para continuar existindo) e o número de “mortos-vivos” (árvores adultas, vivas e fisiologicamente sadias, mas que não conseguem mais se reproduzir com sucesso) [8]. E tudo isso acontece porque a fragmentação reduz o tamanho das populações, deixando muitas delas abaixo do tamanho mínimo crítico -- a chamada “população mínima viável”. Não existe um número mágico, que possa ser usado indiscriminadamente com qualquer espécie, sob qualquer circunstância, mas a idéia fundamental embutida nesse conceito vale para todas as populações (vegetais e animais): há um número mínimo de indivíduos abaixo do qual a persistência não é mais possível, pelo menos não sem nossa intervenção deliberada.

Na prática, como não é possível monitorar as flutuações numéricas de todas as populações que convivem em um mesmo hábitat (de 50 mil a 100 mil populações de espécies diferentes podem viver em alguns poucos hectares de floresta tropical), os biólogos procuram acompanhar o destino de uma ou outra “espécie-chave” -- árvores cujos frutos alimentam muitoss consumidores diferentes, por exemplo, ou grandes animais predadores que estão no topo da cadeia alimentar. De certo modo, essas espécies-chaves funcionam como uma pista ou um indicador do que está ocorrendo dentro de sistemas ecológicos bem mais amplos.

Valoração de bens e serviços ecológicos

Mas, afinal, porque deveríamos nos preocupar tanto com a persistência a longo prazo de populações naturais? A resposta antropocêntrica mais óbvia para esta pergunta é: porque são elas que formam os sistemas ecológicos cujos “bens e serviços” sustentam (gratuitamente, por enquanto) a vida em nosso planeta -- incluindo, é claro, a civilização humana [9]. A expressão “serviço ecológico” é um rótulo que tem sido aplicado para uma gama bastante ampla e variada de coisas, algumas óbvias e familiares, outras nem tanto. Os exemplos vão desde a polinização de plantas cultivadas e o controle de “pragas” agrícolas e vetores de doenças até a regulação da temperatura e da umidade relativa do ar, passando pela ciclagem de nutrientes (água, nitrogênio, carbono etc.) e a contenção de dunas e encostas.

Anos atrás, quando um valor monetário foi atribuído a cada um dos bens e serviços ecológicos conhecidos, descobriu-se que a soma de todos eles superava com folga a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo conjunto da economia mundial [10]. Por si só, esse resultado já mostra a relevância que os empreendimentos que protegem a vida selvagem (criação e implantação efetiva de novas unidades de conservação, por exemplo) deveriam ter na agenda de todo governante sensato; em termos mais pragmáticos, ele nos dá uma idéia do quanto vale cuidar preventivamente dos sistemas de manutenção da vida em nosso planeta -- ou do quanto irá nos custar sua indispensável restauração no futuro. Em resumo, interromper a evolução pode simplesmente nos custar muito caro...

Notas

[1] Biólogo. Correspondência: meiterer@hotmail.com ou Caixa Postal 794, Juiz de Fora, MG. Uma versão ligeiramente modificada desse artigo apareceu primeiramente em http://www.uol.com.br/ambienteglobal/site/artigos/arquivo/1244_at.htm [voltar]

[2] Para mais alguns exemplos, ver Williams, G.C. 1998. O brilho do peixe-pônei. RJ, Rocco. [voltar]

[3] Sobre o estudo da evolução em “carne e osso”, ver Weiner, J. 1995. O bico do tentilhão. RJ, Rocco; sobre as bases ecológicas da mudança evolutiva, ver Ehrlich, P.R. 1993. O mecanismo da natureza: O mundo vivo à nossa volta e como funciona. RJ, Campus. [voltar]

[4] Dorst, J. 1973. Antes que a natureza morra. SP, Blücher. Ponting, C. 1995. Uma história verde do mundo. RJ, Civilização Brasileira. Ward, P. 1997. O fim da evolução: Extinções em massa e a preservação da biodiversidade. RJ, Campus. [voltar]

[5] Wilson, E.O. (org.). 1997. Biodiversidade. RJ, Nova Fronteira. [voltar]

[6] Costa, F.A.P.L. 1998. Um inventário 'verde' para o Brasil. Ciência Hoje 143: 68-71. [voltar]

[7] Dean, W. 1996. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. SP, Companhia das Letras. [voltar]

[8] Costa, F.A.P.L. 2001. 'Mortos-vivos' na paisagem tropical. Ciência Hoje 172: 58-59; de onde foram extraídos alguns trechos para este artigo. [voltar]

[9] Para uma abordagem não-utilitarista da conservação, ver Ehrenfeld, D. 1992. A arrogância do humanismo. RJ, Campus. [voltar]

[10] Constanza, R. & outros 12 autores. 1997. The value of the world's ecosystem services and natural capital. Nature 387: 1-13. [voltar]

 

Publicado em: 18/12/01
  Publicação autorizada pelo autor.
 

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