GRACILIANO RAMOS

Uma quase cronologia

Leonardo Dantas Silva

Numa casa de telha vã, com uma porta e quatro janelas de frente, situada na Praça Getúlio Vargas, bem junto ao prédio da Prefeitura Municipal de Quebrangulo (AL), sem qualquer placa indicativa, nasceu em 27 de outubro de 1892 um menino, filho do casal Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro, que, na pia batismal, tomou o nome de Graciliano,Graciliano Ramos era o primogênito de uma família modesta de dezesseis filhos. Aos dois anos de idade, a sua família transferiu-se de Quebrangulo, no Agreste das Alagoas, para a cidade de Buíque, em Pernambuco, onde o menino iniciou as primeiras letras. Dez anos depois a família volta às Alagoas, estabelecendo-se na interessante cidade de Viçosa onde o menino funda um jornalzinho destinado às crianças: Dilúculo. Em 1905, os seus pais o enviam a Maceió, capital do Estado de Alagoas, a fim de matricular-se no internato do Prof. Agnelo, onde publica os seus primeiros sonetos.

Seu encontro com Palmeira dos Índios, cidade do Sertão alagoano, se dá em 1910, quando a sua família vem fixar-se no comercio local. Cinco anos depois viaja ao Rio de Janeiro, a fim de tentar a sorte no jornalismo, como revisor de três jornais: Correio da Manhã, A Tarde e O Século. Naquele mesmo ano de 1915, volta a Palmeira dos Índios, onde casa com D. Maria Augusta Ramos e inicia-se no comércio de tecidos. Autor de contos, alguns publicados no jornal Paraíba do Sul, na cidade fluminense do mesmo nome, Graciliano vem enviuvar em 1920, ficando com quatro filhos menores. Nos momentos de folga da sua casa comercial e nas noites bucólicas do sertão alagoano, dá início cinco anos mais tarde ao romance Caetés, que só vem a ser publicado em 1933.

Era presidente da Junta Escolar de Palmeira dos Índios, quando se vê fascinado pela política, sendo eleito prefeito daquela cidade em 1927. No ano seguinte, já empossado prefeito, casa-se em Maceió com D. Heloísa Medeiros.

Ao escrever o seu primeiro relatório ao governador Álvaro Paes, “um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928”, publicado pela Imprensa Oficial de Alagoas em 1929, a verve do escritor se revela ao abordar assuntos rotineiros de uma administração municipal.

No ano seguinte, 1930, volta o então prefeito Graciliano Ramos com um novo relatório ao governador que, ainda em nossos dias, não se pode ler sem um sorriso nos lábios, tal a forma sui generis em que é apresentado.

Estava lançado o escritor.

No mesmo ano em que é publicado o seu segundo relatório (1930), renuncia à Prefeitura de Palmeira dos Índios e assume a Direção da Imprensa Oficial do Estado de Alagoas, transferindo-se para Maceió onde passa a colaborar com vários jornais, por vezes assinando sob pseudônimo: Lúcio Guedes. No ano seguinte demite-se da Imprensa Oficial e volta a Palmeira dos Índios, onde funda urna escola no interior da sacristia da igreja Matriz e inicia OS primeiros capítulos do romance São Bernardo.

Em 1933 volta a residir em Maceió, desta vez como Diretor de Instrução Pública de Alagoas. No mesmo ano vê o lançamento do seu primeiro romance, (Caetés, e inicia os primeiros capítulos de Angústia, romance que o viria consagrar nos anos trinta.

A sua carreira sofre interrupção em 1936, quando é preso em Maceió, acusado de pertencer ao proscrito Partido Comunista. Sem processo é enviado ao Recife, onde, dias depois, é embarcado com outros 115 presos para o Rio de Janeiro. Viviam-se os tempos da ditadura de Getúlio Vargas, onde o todo poderoso coronel Felinto Muller recolhia às prisões centenas de presos sem qualquer processo. No mesmo ano é lançado o romance Angustia, obra logo consagrada com o “Prêmio Lima Barreto” pela Re i’is/a Acadêmica.

Solto em 1937, por interferência de amigos entre os quais o paraibano José Lins do Rego, Graciliano Ramos passa a residir no Rio de Janeiro. No mesmo ano obtém o prêmio de literatura infantil do Ministério da Educação, com o livro A Terra dos Meninos Pelados, e a Revista Acadêmica lhe dedica um número especial (nº 26), com treze artigos sobre a sua obra e retratos seus desenhados por Portinari e Adami.

Um dos mais conhecidos romances de Graciliano Ramos vem surgir em 1938, Vidas Secas. Através dos personagens Fabiano, Sinhá Vitória e da cadela “Baleia”, retirantes da seca nos sertões alagoanos, Graciliano mostra todo o drama social de um povo até hoje relegado a sua própria sorte diante das cíclicas estiagens que assolam a região. O clássico da literatura regional fbi levado ao cinema em 1 963, numa produção de Nélson Pereira dos Santos, obtendo os prêmios Catholique International du Cinema e Cidade de Valladolid (Espanha).

Em 1940 traduz o livro Memórias de um Negro, do escritor norte-americano Booker Washington, tarefa repetida seis anos mais tarde, quando da tradução da obra de Albert Camus, A Peste.

Ao comemorar cinqüenta anos, o mestre Graça, como ficou conhecido entre os amigos, recebe o “Prêmio Felipe de Oliveira” pelo conjunto de suas obras. No ano seguinte uma coletânea, com o titulo Homenagem a Graciliano Ramos , vem reunir artigos, discursos e opiniões sobre a comemoração do seu cinqüentenário.

Em 1944, compendiando estórias coletadas do folclore alagoano, Graciliano entrega ao seu público o livro Histórias rias de Alexandre, reunindo as fanfarronices de um típico mentiroso, nos depois aproveitadas pelo humorista Chico Anísio no personagem “Pantaleão”. - Esta obra foi reeditada postumamente, em 1960, com o titulo Alexandre e outros heróis.

Em 1945 ingressa no Partido Comunista e publica os livros Infância (memórias) e Dois dedos (contos), que aparecem em edição M.M. de luxo. No mesmo ano é lançada a rádio-novela São Bernardo, transmitida pela Rádio Globo (Rio) e anos depois reprisada pela Rádio Jornal do Commercio (Recife).

Em 1947 publica Insônia, obra na qual quebra a tradição do conto narrativo até então preponderante na literatura regional. “Faz aí uma literatura introspectiva, para melhor situar a vida interior dos seus personagens”.

Eleito presidente da Associação Brasileira de

Escritores, em 1951, empreende viagem, no ano seguinte,

à União Soviética, Theco-Eslováquia, França e Portugal. As impressões dos dois primeiros países figuram no livro Viagem, publicado postumamente em 1954.

Em 1952, Graciliano Ramos adoece gravemente tentando seu êxito uma cirurgia em Buenos Aires. Retorna ao Rio do Janeiro, onde assiste às comemorações do seu 60º aniversario, e no ano seguinte é internado numa casa de saúde em Botafogo, onde vem a falecer no dia 20 de março. Seu sepultamento acontece às 10 h do dia 21, no Cemitério de São João Batista (Rio de Janeiro), saindo o féretro da Câmara Municipal (Palácio Pedro Ernesto).

Graciliano Ramos não viu a publicação de uma das suas mais comentadas obras, Memórias do Cárcere, publicada meses após o seu falecimento. Este comovente depoimento pessoal acerca da situação dos presos políticos durante o Estado Novo foi levado às telas, com grande sucesso de bilheteria, por Nélson Pereira dos Santos.

Após sua morte são publicados, além de Viagem (1954), a coletânea Contos e Novelas (1957) e a Livraria Martins Editora, de São Paulo, firma contrato para edição de suas obras completas (1960). A coleção em onze volumes aparece em 1961, numa edição patrocinada pelo Ministério da Educação e Cultura, sob a chancela do ministro CIóvis Salgado. Em 1962 o romance Vidas Secas é agraciado com o “Prémio da Fundação William Faulkner”, Virgínia (EUA), e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro inaugura a Exposição Graciliano Ramos”.

A obra de Graciliano Ramos continuou a ser objeto de novos lançamentos como as obras póstumas Linhas tortas (1960), Viventes das Alagoas (1961) e Alexandre e Outros heróis (1960), sendo registradas várias reedições pela Livraria Martins Editora, algumas em co-edição com a Editora Record do Rio de Janeiro - São Bernardo e Alexandre e ouros heróis, por exemplo, já atingiram a 34º e 14º edições, respectivamente.

A obra de Graciliano Ramos encontra-se traduzida para o francês, inglês, italiano, russo, tcheco, polonês, alemão, espanhol, húngaro, búlgaro, romeno, finlandês e holandês.

Para Tristão de Athayde, “não houve em Graciliano nenhuma preocupação de originalidade, de inovação, de reação contra o passado literário, de integração numa escola, de participação em um movimento geracional Foi um solitário. Quando se tornou politicamente um partisan, e até com espírito que hoje se chamaria guerrilheiro, fê-lo por um movimento de caráter moral, de lógica pessoal, de conclusão natural de sua integridade pessoal. Homem íntegro e integral em sua vida doméstica, social e intelectual, homem com arestas apesar de sua participação efetiva nos movimentos históricos e políticos de sua época, Graciliano Ramos ficará na história de nossas letras como a imagem do escritor em sua mais pura expressão. Isto é, de homem e de obra incorporados numa mensagem e num exemplo em que a beleza estética da obra e a pureza moral do homem constituem um monumento perene em nossa cultura de todos os tempos”.

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FONTE:

Artigo impresso em publicação comemorativa do Centenário de nascimento do escritor Graciliano Ramos (1892 - 1953), teve supervisão editorial de Leonardo Dantas Silva e o patrocínio do Prefeito da Cidade do Recife, Prof. Gilberto Marques Paulo, sendo produzida pela Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco entre setembro e outubro de 1992.