Uma figura polêmica é o mínimo que poderemos falar dessa religiosa nascida em Caen, França, no dia 20 de fevereiro de 1834. Seu nome de batismo era Maria Adélia Rosália Davy de Virville. Descendia da nobre e famosa família dos Davy. Seu pai se chamava Pedro Luís Américo Davy foi conde e, depois, marquês de Virville. Na prática, foi apenas um advogado junto à Corte real. Sua mãe, Adelaide Zoé Corbel, era filha de um advogado também junto à Corte real. Madre Gonzaga foi a quarta filha do casal.
Estudou no convento da Visitação de Caen, onde também estudaram Paulina, Maria e Leônia Martin. Ingressou no Carmelo de Lisieux, aos 29 de novembro de 1860, onde encontrou uma comunidade jovem. Sua mestra de noviças foi Irmã Maria Teresa de São José, uma das fundadoras do Carmelo de Lisieux. Sua profissão religiosa ocorreu no dia 27 de junho de 1862. Nesse mesmo ano, Irmã Maria de Gonzaga se ofereceu como voluntária para ir para o Carmelo de Saigon, fundado pelo Carmelo de Lisieux, mas sua ida não foi aprovada pelo Superior do Carmelo.
Pe. Pedro Teixeira Cavalcante, em sua obra "Dicionário de Santa Teresinha", afirma que Madre Gonzaga era uma mulher de personalidade forte, mas que no fundo era uma sentimentalista. No Carmelo, foi uma ótima bordadeira, ajudando a manutenção da comunidade com os seus trabalhos. Foi a favor da entrada de Teresa no Carmelo, apesar de sua pouca idade, mas foi muito severa, sobretudo nos inícios, com a santa. Santa Teresinha sempre lhe tributou grande respeito e afeto e a Madre quer por escrito, quer por atitudes pessoais, sempre viu em Teresa um ideal de religiosa. Para o Pe. Cavalcante, "entre severidade e gestos de amizade, houve, no fundo, muito amor e respeito recíprocos.
A vida de Santa Teresinha no Carmelo está repleta de referências a Madre Gonzaga. No processo de canonização de Santa Teresinha foram salientados, sobretudo, os aspectos negativos da Madre Gonzaga. Santa Teresinha, porém, no conjunto, com relação a Madre Gonzaga, demonstra certa admiração, bastante confiança, certo cuidado para não cair em excesso de afeição pessoal e até certa ternura e compaixão.
Foram encontrados, entre os papéis de Santa Teresinha, após sua morte, vários bilhetes da Madre Gonzaga para nossa Santa. Leiamos alguns.
"Não quero que a filha de minha ternura se deixe levar por uma tão grande tristeza. Nada sei com relação à vestição... Antes de sofrer com isso, é preciso esperar" (CC.93).
"Que meu benjamim, rneu pequeno grão de areia diga tudo à sua madre, ela o compreende... Que alegria, uma humilhação! Isso vale por todos os tesouros do Panamá! Repitamos quando nos acontece fazer uma besteira: feliz falta que me merece esta humilhação! Quanto às nossas misérias só temos uma coisa a fazer: fazer delas um pacotezinho e colocá-lo no Coração de Jesus, para que ele as transforme em méritos para a Pátria" (CC.94).
Madre Gonzaga, oito meses antes de sua morte, foi atingida por um tumor maligno na língua, que lhe causou tremendos sofrimentos, suportados, porém, com muita fé, confiança e resignação. Guardou sempre seu cargo de depositária, mas teve de se afastar da recitação coral, o que muito Ihe custou. "Quando poderei retornar ao coro? oh, como é doloroso não rezar o ofício divino, não cantar mais os louvores do Bom Deus", dizia ela chorando.
Apesar de muitos sofrimentos ocasionados pelo seu câncer, madre Gonzaga continuou seguindo a vida normal da comunidade até o dia 8 de dezembro, quando, à tarde, teve urna crise de falta de ar muito grave. No dia seguinte, ela se acamou na enfermaria e no dia 10, sábado, recebeu os últimos sacramentos. Nos momentos mais dolorosos, davam-lhe remédios calmantes, rnas ela tomava-os temendo estar demonstrando fraqueza diante do sofrimento, pois, como ela dizia: "O sofrimento é uma coisa muito grande! É por ele que provamos ao Bom Deus nosso arnor e nossa gratidão".
Nesses momentos difíceis, ela edificou a todas as religiosas pelo exemplo e por palavras. Ela repetia sempre: "Tende piedade de mim, ó meu Deus! Tenho muitas misérias na minha pobre vida, eu vos ofendi rnuito. Não me abandoneis!".
No dia 17 de dezembro de 1904, as 5 h 30m, após uma agonia pacífica, ela partiu para a eternidade.
A respeito da figura de Madre Gonzaga, o autor francês Maxence van der Meersch não partilha da mesma visão caridosa e equilibrada do Pe. Cavalcante. Segundo van der Meersch, Madre Gonzaga não nasceu para dirigir um Carmelo. Natureza vigorosa, lançou aquele pequeno mundo pelos caminhos das mais rudes mortificações corporais. Orientadas pela priora, as monjas chegavam ao cúmulo de se flagelar com urtigas! Para o mesmo autor, Madre Gonzaga era certamente orgulhosa e ávida de poder: "As eleições para ela são assunto capital... na eleição de 1896 ela mostrará um sofrimento de amor próprio bem pouco cristão, porque não havia sido reeleita até o sétimo escrutínio. Podemos entrever toda uma política, manobras e combinações tristemente humanas. Zelosa de seu título, o é também no que toca ao progresso das religiosas. Autoriza ou nega de forma caprichosa as tomadas de hábito ou as profissões."
Segundo Meersch, " Madre Gonzaga não desfruta de um completo domínio de seu sistema nervoso. Inclusive seus defensores mais ardorosos são obrigados a reconhecer que "esta Madre tinha irregularidades de humor ou de equilíbrio". Fato é que quis suicidar-se, vinte anos antes, jogando-se de uma janela, e que foi bem difícil abafar este fato". Mas o mesmo autor defende-a da pecha de ser uma pessoa egoísta: "A pobre mulher não merece certamente esta injúria. Simplesmente é vítima de uma natureza terrível, demasiado agressiva e autoritária... Cega com relação a si mesma! A pior desgraça que pode acontecer na vida de uma pessoa!". Baseando-se na obra de um certo Pe. Petitot, van der Meersch a acusa de ter agravado os sofrimentos de Santa Teresinha, de ter agido de forma omissa e negligente com relação à sua fatal enfermidade.
O jesuíta Pe. Héber Salvador de Lima, estudioso de Santa Teresinha, em seu livro "Teresinha, a Menina que escolheu tudo", desmascara o autor francês acima citado, cuja obra "La petite Sainte Thérèse" foi publicada em 1947, com estrondoso sucesso. Pe. Héber não tem dúvida de que van der Meersch tenha feito uma leitura superficial de "História de uma Alma": "Só a "História de uma Alma" não bastava porque, em suas páginas, ainda que a Santa fale, algumas vezes, da severidade com que a tratava sua superiora, contudo nunca se refere a ela senão em termos do mais profundo respeito e carinho filial. Onde foi, então, o autor buscar o material de suas acusações? Num opúsculo velhíssimo, refutado muitas vezes, de um tal Pe. Ubaldo. Foi aí que o romancista encontrou a prioresa do Carmelo retratada como a tradicional madrasta dos contos de fadas. Van der Meersch exultou e não se deu ao trabalho de averiguar o valor científico da obra que lhe caiu em mãos. Se fizesse isso, os entendidos lhe haveriam dito que este mesmo Padre Ubaldo tinha retratado formalmente seu artigo em seu leito de morte!".
Nossa querida Santa, em sua bondade e capacidade de compreender as misérias humanas, jamais condenou a severidade ou mesmo os erros de Madre Maria de Gonzaga. É isso que nos importa. Não podemos julgá-la nem condená-la.