TESTEMUNHOS

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Quando o amor é mais forte...

Grávida aos quinze anos de idade, após um estupro, ela recusou o aborto e acolheu a criança. Muitos anos mais tarde, Gitane Maltais é a Vice-Presidente da associação Secours et Vie no Québec (Canadá). Será que valeu a pena o seu "sacrifício"? Passado todo esse tempo, como é que
Gitane Maltais avalia sua decisão anterior?

Entrevistada por Jean Toulat, para "Chrétiens Magazine", deu-nos sua história: "Eu tinha 15 anos. Um amigo da família, pai de muitos filhos, ofereceu-me carona em seu carro. Levou-me para um bosque. Ali, foi o horror. Pensei que ele me mataria de medo de ser denunciado... Nua, coberta de equimoses, pois eu me debatera, consegui escapar. Na estrada, um automobilista me recolheu, envolveu-me em uma manta e levou-me ao hospital". 

Gitane ficaria sete anos sem falar no assunto a ninguém. Mas logo a seguir, os exames mostrariam que ela estava grávida... Foi lhe proposto o aborto. "Eu estava tentada a aceitar, pois estava centrada em mim mesma e em meu sofrimento. Mas comecei a amar a criança. Então, eu disse não. A partir desse momento, fui assumindo pouco a pouco a minha gravidez e esqueci o estupro. O meio radical da cura é a vinda do filho. Sim, o filho me curou". 

Talvez seja a hora de parar e refletir. Não é verdade que as mulheres violadas que se "livraram do filho"e o abortaram, seguirão pela vida feridas, marcadas e ressentidas? Não tendo o filho para amar, deixam que vá embora exatamente o remédio que tinham à mão? Gitane Maltais deu à luz o seu bebê em uma comunidade religiosa. "Milha família considerava-se desonrada por um ato infame e não quis ajudar-me. Um dia, o médico psiquiatra que me acompanhava, voltou-se para mim e perguntou: "Eu não tenho filhos. Queres me doar teu filhinho?". Fitei aquele homem mais velho que eu, a quem eu amava como um pai. Ele tinha cuidado de mim com tanta compaixão que eu disse sim. Sou feliz com isso. Porque meu filho fez a alegria de um casal e teve, por sua vez, um verdadeiro lar. Ali, sem dúvida, ele teve muito mais do que lhe poderia ter dado se o guardasse para mim. Mais tarde, eu me casei e tive dois belos rapazes, que fazem a minha alegria". 

Quando a bíblia afirma que o amor é mais forte do que a morte (Ct 8, 6 ), está apenas revelando a imensurável capacidade do amor humano, enquanto fonte de uma vida que não deve submeter-se a qualquer tipo de morte, mesmo aquela que é apontada como "solução". 

Mas resta uma outra questão, também ela inseparável da capacidade de amar. É o desafio do perdão. Jean Toulat perguntou a Gitane Maltais: "Você chegou a perdoar o seu agressor?  Ela respondeu: "eu queria estar bem com Deus. Esse homem, que tinha tomado meu corpo, eu não queria de modo algum que ele roubasse a minha alma. Para me libertar, decidi perdoá-lo. Um dia, chamei-o ao telefone. Disse-lhe que o perdoava e que não devia ter medo, pois eu jamais viria a falar desse passado. Eu creio que ele chorou..." 

Não quero polemizar. Nem ofender a justiça dos homens. Apenas quero lembrar o óbvio: a pessoa humana traz dentro de si uma capacidade de amar quase sempre insuspeitada. Esse potencial só se atualiza por ocasião de terríveis crises. muito mais do que no burocrático dia-a-dia. 

E, quanto ao aborto, devolvo a palavra de Gitane Maltais: "Não se esqueça: Um filho pesa menos nos braços de sua mãe do que em sua consciência".

Fonte: VERBO - Ano 4 - nº 70 - Setembro/99 - pág. 4


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