Dos Amigos

(ao grande amigo Gusthavo)

Se um dia escrevesse um manual sobre como curtir a vida e ajeitasse os assuntos por ordem de importância, o título "dos Amigos" estamparia o início do índice. 

Mas esse amigo é aquele que é amigo mesmo, feito com material de primeira linha. Colegas, parentes, vizinhos, companheiros de boteco, e afins podem ser fortes candidatos ao posto de "amigo", mas a seleção é rigorosa. 

A todo o momento aparece algum tipo de definição new fashion do termo amizade. Até gosto, a criatividade é um dom divino, exceto quando apresentada em forma de poema ou poesia. 

Aproveitando essa maré, mas não querendo servir de auto-ajuda para ninguém, minha definição é "amigo é aquela pessoa (a orientação sexual é indiferente) que te faz dar risadas e esquecer sua dor de cabeça no pior dia da semana". 

Boba? Talvez... mas bem prática. Quantos já não acordaram com a expressão que usamos aqui na Bahia de "com o ovo virado" e depois de uma provocação de um amigo nem lembrava o que o atormentara. 

Outro exemplo: você chega a uma festa, ninguém olha para você, a cerveja está quente, o uísque tem cara de batizado, você mal conhece os demais convidados, o garçom é gay e não para de te olhar, você é o único com sapato de duas cores e a mulher mais feia que você já se envolveu vira copos e copos de pró seco e não para de te observar. Você pensa "Como vim parar aqui? Sabia que deveria ter feito uma boa ação hoje". Mas surge teu amigo, sim, aquele incorrigível e sempre com uma piada nova que foi encaminhada pela internet, e a conversa furada flui, você vai bebendo, vai rindo e quando menos percebe, a dupla dinâmica é quem mais está curtindo o evento social. 

Falam que contamos nos dedos os amigos. Mas tem algumas pessoas que são tão legais que a mente entra em parafuso com a seguinte questão "Como classificá-la? Amigo, conhecido, intermediário, dando em cima da minha irmã e futuro cunhado?". 

Passo a maquinar um conjunto de assuntos que poderia tratar com aquele cidadão. Se algum desses assuntos não passa no crivo, fico com um pé atrás, ou se solto alguma tosqueira, e pessoa dá um sorriso sem graça e bate no meu ombro, bem, segunda divisão da amizade. 

Com amigo você se sente livre, é você mesmo, fala besteira, conta seus problemas, solta alguma piada sem graça, confessa que curte estilos musicais bizarros, relata as besteiras por conta do álcool, pode nem conhecer direito a família do cara, mas sabe que seja lá a hora que alguma coisa sair dos conformes, terá alguém para te ouvir, talvez até curtir com sua cara e que não reclamará por você ter ligado às 3 da manhã para dizer que o cara é seu amigão do peito! 

O lado ruim dos amigos é que alguns insistem em partir para novos horizontes, talvez porque ainda lhes restem dedos para novas amizades, ou no fundo, para aprendermos que a amizade não tem barreiras geográficas. Seja lá pelo que for, você começa a ter idéias tenebrosas sobre como será sua vida sem aquele amigo para te ouvir, para fazer a resenha do seu time do coração, para curtir quando mais uma vez você der um show por ter bebido demais ou tiver tomado um toco da mulher mais feia da rua... bem.. você vai sentir saudades de um cara que pode confiar de olhos fechados... e isso dói muito... muito mesmo. 

Amizade é boa, é um rolo compressor no coração quando a perdemos, como se faltasse um pedaço da sua animação de espírito... mas eu arrisco, amigos não podem ser substituídos, cada um preenche a amizade de uma maneira única. 

Penso que quando Deus criou o mundo Ele pegou o ingrediente da amizade na mesma prateleira que o do amor. Ele queria que por mais que tentássemos, jamais conseguíssemos entender esse vínculo com a mente, mas apenas com o coração e confiança. 

Algumas lições são no tempo certo, e uma delas é que a amizade é um gênero, apenas um, e os tipos de amigos são espécies (poucas espécies, eu sei). O sentimento que tenho por um amigo de infância é diferente, mas é tão sincero e profundo quanto o de um grande amigo de cinco anos atrás. 

Sabem, tinha uma coisa que me assustava, diziam que temos apenas dois ou três grandes amigos em nossas vidas e reconheço que não sou dos mais sociáveis, assim tinha medo de que como já tenho até mais de três grandes amigos, que pronto! que agora é reproduzir, esperar a barriga crescer e falar mal da velhice. 

Mas as amizades se renovam, a possibilidade de reencontrar um velho amigo, ou até mesmo um novo é como se fosse um livro a ser descoberto. Olhando rapidamente pode ser apenas mais uma capa, mas o conteúdo pode ser único, o grande desafio é perceber isso na hora certa. 

Hélio Leal