Textos
Felicidade ou Felicidades? Situações simples, coisas pequenas, elementos corriqueiros, eram mais do que necessários para alimentar nosso imaginário, e dessa produção sentir aquela sensação de regozijo e felicidade que guardamos e buscamos no fundo do baú quando queremos lembrar de uma época de alegria, inocência e felicidade. Felicidade... essa palavra é um paradoxo, ao mesmo tempo que parece ser algo tão próximo do nosso cotidiano, da nossa realidade, parece ser um objeto que por mais de busquemos insiste em fugir, e quando conseguimos a façanha, ou pelo menos assim achamos, de segurá-la em nossas mãos, de alguma forma ela escapa pelos dedos. Voltando à época em que minha pessoa causava dores de cabeça a minha pobre mãe com meus métodos nada convencionais de extravasar a interminável energia que alimenta o espírito de uma criança, lembro-me que sentia feliz com aquele mundo. A preocupação era estar com os amigos do prédio, brincar, comer, entupir-se de Coca Cola e fazer torneio de arrotos, enquanto nossas mães ficavam se justificando e rezando para que o chão se abrisse e fóssemos engulidos, assim como nossas erupções ruidosas de gases do estômago pela boca. Lembro como era frustrante ser interrompido pelo porteiro, porque nossas mães ligavam e diziam que o expediente de brincadeira daquele dia chegara ao fim. Pela visão que tinha de mundo, tudo era perfeito, não sentia um vazio, uma busca por problemas a serem resolvidos; acho que é a sindrome do Peter Pan. Mas a natureza precisa que nossa espécie seja reposta, por isso somos convidados a crescer, e por mais que tentemos escapar, como eu, um dia viramos adultos. Nesse período que abraça da nossa infância, puberdade, fase adulta, envelhecimento e aposentadoria, sempre ouvimos falar que tudo de bom que fazemos é objetivando a Felicidade. É estranho como ela esconde-se de nós. Por mais que façamos tudo certo, que tratemos nossos pais com respeito, que sejamos bons alunos, tanto no ensino médio quanto na graduação, que casemos com aquela menina linda que você é apaixonado desde garoto e que sua família gosta muito, por mais que tenhamos um ótimo emprego, que tenhamos lindos e educados filhos, que alcancemos a estabilidade financeira e emocional e que nosso time conquiste o mundial Interclubes, continuamos a caçar a Felicidade. Afinal de contas, onde ela está? Será que está guardada em alguma dimensão paralela para onde vão todas as coisas que perdemos e nunca encontramos? Em contrapartida, o arqui-rival da Felicidade nos procura como um amante desesperado. Aonde vamos, lá está ele, e costuma andar em bando. Seu nome? Ora, você o conhece melhor do que imagina e o amaldiçoa quase que diariamente... seu nome é ...Problema! Somos expostos a tamanhas obrigações e compromissos, que os problemas terminam por colocar em dúvida a existência dessa tal Felicidade. O mais incrível é que temos uma parcela de culpa nisso, detemos os meios para impedir, ou pelo menos reduzir, o alcance que a instituição Problema nos causa. O que é importante ou não é algo tão relativizado que seria uma pretensão criar um roteiro quanto ao que se deve ou não ser buscado e tolerado, assim como os sacrificios em sua obtenção, como se seguíssemos uma teoria de vida maquiavélica. Somos nós que alimentamos uma realidade que nos faz acreditar que sempre estamos em débito com alguma coisa. Que não adiantar encher a caixa d´agua, ela sempre esvaziará e o pior é achar que somos os únicos responsáveis por essa situação. Se observarmos bem, nossa meta de vida muitas vezes termina sendo a criação e solução de problemas. Precisamos alimentar esse lado desbravador e conquistador. Algo fácil? Isso é coisa de perdedor, quanto mais difícil, mas gostoso e divertido. E não adianta achar que solucionou um problema, que pode apagar a luz do quarto e dormir tranquilamente. Cada vez que solucionamos algo, ele quase que se multplica, ou assume uma nova forma, o seu poder de mutação é realmente inimaginável. Já pararam para ver como gostamos de criar dificuldades e obstáculos, mesmo quanto as coisas mais simples? Acredito que esse desejo de complicar tudo ande de mãos dadas com a paixão por conspirações. Precisamos acreditar que sempre há algo complicado e que demandará todo o nosso vasto conhecimento e experiência para poder formar uma teoria explicativa, mesmo que se trate de uma tentativa de explicar a uma criança porque ela nunca deve urinar contra o vento. Todos temos alegrias quase que diárias, mas muitas vezes não paramos para curtir. Se a vida fosse tão intransigente e monôtona, o maior problema social seriam os suicídios, e os psicanalistas estariam ricos. Não penso que a Felicidade seja como uma mega sena acumulada, onde tentamos e tentamos, e quando vier, todos os problemas serão resolvidos e alcançaremos os céus. A Felicidade deveria ser expressada no plural...Felicidades....sim, isso mesmo, não há um grande boom e tudo fica azul. São as conquistas gradativas que temos e que introduzem o elemento Felicidade em nossas rotinas. É como se estivéssemos escalando uma montanha, e a cada nivel que chegamos, um diferente tipo de prazer nos é apresentado. Muitas vezes não estamos prontos para entender essa Felicidade, e são necessários anos para que nossa mente decida enxergar o que de fato trouxe um diferencial positivo em nossas vidas. Não podemos fechar os olhos às mazelas e dificuldades que obrigatoriamente encaramos em nosso dia-a-dia. Certos problemas conseguem alfinetar o âmago do espírito, mas mesmo com dificuldades em cada fase da vida, descobrimos as Felicidades.... a Felicidade de fazer amigos, de aprender, de amar, de sentir-se útil, de poder conhecer novos lugares e pessoas, de abandonar preconceitos, de ter a oportunidade de ajudar pessoas, etc. Não sou o mais positivo dos brasileiros, reclamo de muitas coisas, em algumas circunstâncias são até demandas injustas, mas não sou ranzinza, tento abraçar as coisas boas da vida e curtí-las ao máximo, e nesse momento, minha dedicação é exclusiva a essa parcela de Felicidade, os problemas que fiquem para o dia seguinte......talvez ser feliz, ou alcançar as Felicidades, seja sempre entender que jamais os problemas podem ter sobrepujança aos momentos de alegria e prazer, e que aproveitá-los é quase que uma obrigação. Hélio Leal |
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