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O Mundo é Light

Obesidade - até bem pouco tempo era mais fácil ouví-la em conversas médicas que em narrativas das mazelas que o brasileiro encara.

Claro que não fomos os recordistas, países desenvolvidos como os EUA conseguem manter-se à nossa frete nesse quesito, e outros já bem batidos. Mas o brasileiro está passando por um processo de abalofamento. Isso mesmo antes era comum o gordinho ser ponto de referência para quase tudo, tipo, "é do lado do gordinho", ou "é da cor da camisa daquele gordinho", "Acabou? Deve ter sido o gordinho".

Porém, hoje, pela quantidade de pessoas que enfrentam árduas lutas contra a balança, temos um exército de gordinhos, e se vamos fazer qualquer forma de referência a pessoas obesas, precisamos especificar ao máximo possível, como:

"Alguém sentou e compactou seu almoço? Deve ter sido o
gordinho."
"Qual deles?"
"Agora é que você me pegou, acho que um dos 4 alí no canto"

Pois bem, temos mais esse problema social e de saúde, claro, mas também em outros sentidos, como familiar, ergométrico, laboral, espacial, etc. A pessoa obesa sofre em quase tudo o que faz, e os que estão ao lado também,ou porque são esmagados em um banco de ônibus/carro, ou porque observam pessoas que elas gostam necessitarem de balança de boi para se pesar.

Vendo esse filão mercadológico, surgiram os produtos light e diet. Para mim é tudo a mesma coisa... e sim, eu sei que há diferenças, e diferenças essas que já me foram apresentadas inúmeras vezes, mas na prática termina sendo quase tudo igual.

Quando falamos de progresso, pensamos no desenvolvimento das ciências, da biologia, da robótica, mas o avanço na área alimentícia é que permite que haja tantas pessoas no planeta, e um desses grandes avanços é deixarmos light qualquer tipo de produto para o consumo humano e até animal.

Não costumo ir ao supermercado, ou melhor, até vou, mas evito ao máximo, não entendo muito bem essa minha resistência, não sei se é a fila do caixa, o cheiro do açougue, aquela fila com gente querendo puxar papo na hora de pegar o pão, a fita da registradora que sempre acaba quando estamos passando as compras, a costumeira ausência de troco, o risco de receber no calcanhar uma batida de carrinho de compras, ou tudo isso.

Mas como pedido de mãe é lei, lá fomos ao supermercado. A primeira coisa que faço é olhar o tamanho da fila do caixa, para calcular mais ou menos quantas horas o teste de paciência tomará.

Curiosamente os produtos estão sendo arrumados não mais pelo seu tipo, mas pela sua quantidade calórica. Há um corredor só para esse tipo de comida, e todo o tipo de gente escolhendo-os.

Quando menor, certos tipos de comida sempre foram unidades de referência quanto a algo que irá lhe dar pneus, como chocolate, refrigerante, coisas fritas, mocotó e feijoada, mas pela revolução que fizeram nos alimentos, essa simbologia está sendo destruída. Só Deus sabe como, mas praticamente tudo é light, desde o refrigerante, biscoito, chocolate, suco, macarrão, manteiga, queijos, presunto, sorvetes, pães, bolos, cerveja até linguiça, feijoada, farrofa e banha... banha...? Essa definitivamente é uma palavra que os mais jovens desconhecem e em mais ou menos algumas décadas nem
no dicionário constará.

Tudo é light, pense em alguma coisa comestível e encontrará sua versão light e sem graça. Da maneira como estamos acostumando nossos organismos, em pouco tempo esses tipos de alimentos deixarão de ser light, e serão o "normal". E os gordurosos, engordantes e caloríferos alimentos que temos como nosso padrão, passarão a ser a versão heavy.

Bem, mas voltemos ao supermercado. Em uma das passagens de um corredor para outro encontro uma prateleira gigante, daquelas que se você tentar tocar no produto localizado na parte mais alta terá de esticar-se todo.

Parecia um castelo vermelho e dourado, com enormes garrafas. Achei estranho, afinal, será que alguém ousaria desafiar o movimento Pró Mundo Light? Para minha surpresa um dos maiores ícones de consumo abraçara bandeira de lutar pelos alimentos normais e em defesa dos mais rechonchudos: a Coca-Cola lançou sua versão em 3 litros.

Já encarava como um exagero a de 2,5 litros, imaginem a de 3. O peso deve ser tamanho que em pouco tempo teremos um exército de garçons com LER protestando contra a Coca-Cola.

O mais curioso era a imponência do produto, com o tradicional vermelho e traços dourados, como se seu brilho, e peso também, dessem esperança que esse mundo não é totalmente light.

Enquanto divagava e desviava dos moleques que ficavam catando calcanhares para estacionar a 40 km/h aqueles carrinhos lotados, senti um puxão, era minha mãe, pedindo para ajudá-la a colocar as compras nos sacos.

Quando me posiciono para dar vazão a minha veia de empacotador, percebo o tamanho dos sacos. Simplesmente minúsculos, daqueles que com muita sorte você consegue colocar um saco de 10 pães, e ainda precisa rezar para que seu fundo não rasgue quando completar 10 metros de caminhada.

Não resisti e falei à moça que nos atendia no caixa.

"Preciso de sacos maiores, nesses aqui nem uma caixa de cerveja
cabe"
"Não posso ajudá-lo Sr., só temos sacos nesse tamanho"
"Os maiores acabaram?"
"Não, eles não existem mais."
"Quer dizer que até os sacos de supermercado ficaram light?
Chamem a Coca-Cola!"
"Desculpe, o que o Sr. disse?"
"Deixa pra lá........e me passa uns 10 deles"

Hélio Leal

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