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Presente de Final de Ano

Definitivamente o Papai Noel, ou Santa Claus, para habitantes do Norte do Planeta, é o maior ícone das festas de final de ano. E, acessoriamente, está sua equipe, formada pela Mamãe Noel, os anões, as renas e os trenós.

Ainda que seja difícil imaginar um cidadão idoso e com sobrepeso escalar telhados, pilotar um trenó na madrugada sem qualquer tipo de aparelho de orientação para vôos noturnos, e proteger-se do frio apenas com um roupão vermelho, eu, quando menor, acreditava no Papai Noel.

Não levantem olhares de pena ou surpresa, se alguma culpa nisso há é dos meus estimados progenitores que deram autenticidade a existência dessa figura natalina. Porém, o mais difícil não é declarar que um dia acreditei, mas justamente narrar como foi o dia em que deixei de acreditar. Olhava para minha mãe, sem uma palavra sequer, com os pequenos e desesperados olhos de uma criança questionando

- Como não? Você não disse que ele era real? Se soubesse que eram vocês eu pedia presentes mais caros e difíceis de encontrar.

Traumas de infância a parte, acho que no fundo todos trazem um pouco do tipo de crença e esperança que eu tinha quando pequeno e enganado de forma vergonhosa.

A crença no Papai Noel, Coelho da Páscoa, ou Homem do Saco são manifestações da inocência humana, e claro, por ser bilateral, da forma dos mais velhos brincarem com os pequenos. Mas acredito que essa inocência, ou esperança, de acreditar em coisas boas e que surgem como uma forma de recompensa, não deixam de existir quando ficamos mais velhos, elas simplesmente mudam de teor e complexidade, e o mais surpreendente é que por nos acharmos soberbos e inteligentes, que estamos aquém desse sentimento infantil.

Vou dar exemplos dos papais-noéis que encontramos diariamente. Você realmente acredita que o garçom está contando as cervejas de forma correta depois de uma tarde inteira na praia bebendo com os amigos, e que nunca questiona quando você diz que a quantidade está acima do consumido? Ou que o menino que se predispõe a cuidar do seu carro no logradouro realmente vai estar lá às 3h da manhã quando você voltar? Que você realmente é um cliente preferencial das administradoras de cartões de crédito quando o call center deles o escolhem para empurrar algum produto ou serviço que engordará a sua eterna fatura parcelada? Que o técnico do seu time do coração ficará extremamente inconformado por vê-lo rebaixado mesmo sabendo que na próxima temporada pelo menos 3 outros times maiores e mais ricos já estão de olho nele? Ou que aqueles golpes das lutas livre eram necessariamente reais?

Por mais céticos que sejamos, sempre há uma expectativa e inocência de acreditar que algum elemento surpreendente e inesperado poderá transformar nossas vidas, e quando ocorre, chamamos de milagre, ato divino ou sorte.

Quando pequeno, nunca disseram de onde vinha a figura do Papai Noel. Nunca me perguntei quem foram seus pais, se havia irmãos, quando casou com a Mamãe Noel, onde pegavam materiais para fazer brinquedos já que na Lapônia é neve quase o ano todo, ou como conseguem gerir tamanha energia para mover o maquinário na produção dos presentes.

Eu simplesmente acreditava, esperava o ano todo. Não mentirei dizendo que me fazia de bom menino para ter moral em pedir um bom presente. Quando pequeno nunca era uma referência de bom comportamento, não que tivesse uma índole ruim, apenas tinha energia demais e precisava gastá-la.

Hoje vivemos esse mesmo estilo de vida. Colocamos em nossas mentes que o ano está cada vez mais corrido, que não temos tempo para nada, que está tudo caro e difícil, que as pessoas não querem mais relacionamentos longos e duradouros e que nossa situação muitas vezes é fruto de não termos uma boa conduta; talvez devêssemos ser mais calmos, pacientes e compreensivos.

Quando chega o Natal/Ano Novo, as pessoas acreditam que mesmo tendo o mais conturbado ano de suas vidas têm a possibilidade de recomeçar. Mesmo que sem base alguma para isso, acreditam ganhar a chance de um reinício.

O ano seguinte é o de mais saúde, melhor emprego, casa nova, um amor verdadeiro, a conquista do campeonato brasileiro, retomar o programa de emagrecimento, acordar mais cedo, melhorar o score do check up, sair menos, andar mais, reclamar menos, amar mais... planos.. planos e mais planos.

Passam até mesmo a contar os dias do ano e as coisas boas e diferentes que já ocorreram.

Simplesmente acreditamos nisso, e os ao nosso redor dão força a essa crença, como faziam os nossos pais.

As coisas definitivamente não mudaram muito desde criança, a diferença é que agora somos nós quem criamos a figura que nos trará o presente de final de ano.

Penso que os milagres acontecem todos os dias, muitas vezes nós é que ajeitamos as coisas para que eles ocorram, outras precisamos aguardar o final do ano. Seja lá qual o tipo de presente ou milagre que espera, abrace-o com força, não o deixe escapar, mesmo que digam que ele não existe, ou que ele vêm de roupa vermelha puxado por mamíferos ruminantes cervídeos.


Hélio Leal

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