DA PRÁTICA DESPORTIVA PROFISSIONAL
Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são
livres para organizar a atividade profissional,
qualquer que seja sua modalidade, respeitados os
termos desta Lei.
O art. 26 da lei Pelé, que praticamente repete o art. 18 da lei
Zico, coloca frente a frente
empregado e empregador, através de contratos específicos
e padronizados, respeitados os
termos da lei. Na prática, porém, tal liberdade não
ocorre simplesmente porque, presos que se
encontram às entidades desportivas, os atletas se vêem
obrigados a aceitar os contratos da
maneira que lhes são impostos. Não se fala aqui do atleta
excepcional, daquele que pode fazer
exigências bastantes em face de seu valor mercadológico,
que representa, também, grande receita
para a entidade e, portanto, esse atleta sui generis, o di moral, é
também uma marca que se
destaca dentro da marca que é a entidade desportiva. A lei sempre
se dirige ao homem médio da
sociedade, não aos santos nem aos glorificados. E até
que atinja a glória e se torne um di moral,
o atleta profissional de futebol está sim submetido, porque
escravizado, aos interesses das
entidades, que os detêm presos pelo grilhão chamado PASSE.
E num regime de escravidão não
se pode falar em liberdade de contratação.
Quando se tem conhecimento de que atletas são vendidos ou trocados
sem o saberem, quando
se tem conhecimento de que o passe de atletas é dado como garantia
ou mesmo pagamento de
dívida, quando se sabe que um atleta profissional de futebol
passou a ser propriedade de uma
lavadeira como pagamento de dívida trabalhista da entidade desportiva
para com essa
profissional, não se pode falar, realisticamente, que os atletas
são livres para negociar seu
contrato. E se se recusam a aceitar as imposições das
entidades desportivas a que estão
submetidos, ficam sem poder trabalhar simplesmente porque não
se podem transferir para outra
entidade. Ou seja: o atleta profissional de futebol não tem
liberdade de escolher para quem quer
trabalhar. Logo, não tem liberdade para contratar. Estou a falar
do que de comum acontece.
Não é menos verdade, porém, que os grandes clubes,
em geral com bons dirigentes, sabem
como negociar com o atleta, até porque este é a mercadoria
que eles possuem para,
valorizando-a, vendê-la com lucro. E os Sindicatos dos Atletas
Profissionais pouco atuam até
mesmo porque também os atletas pouca importância dão
a seus sindicatos. Mas é de se ver que
se poucos atletas tentarem uma rebeldia, dificilmente encontrarão
eco entre os companheiros. E
punidos serão. Daí sua fragilidade para negociar. Um
metalúrgico não pára uma fábrica, mas uma
greve geral representa grandes prejuízos para o mau empresário.
Voltarei ao tema quando tratar
do art. 28, §2º c/c o art. 93.
Art. 27 As atividades relacionadas a competições de
atletas profissionais são privativas de:
I - sociedades civis de fins econômicos;
II - sociedades comerciais admitidas na legislação
em vigor;
III - entidades de prática desportiva que
constituírem sociedade comercial para
administração das atividades de que trata este
artigo.
Parágrafo único. As entidades de que tratam os
incisos I, II e III que infringirem qualquer
dispositivo desta Lei terão suas atividades
suspensas, enquanto perdurar a violação.
O art. 27 da lei Pelé obriga a que sejam submetidas à
forma empresarial as entidades de prática
desportiva profissional. A lei Zico, em seu art. 11, admitia, facultativamente,
tal possibilidade, sem
lhe dar cunho obrigatório. Transformar-se-ia em empresa a entidade
de prática desportiva que
assim o desejasse, nas três modalidades previstas na lei anterior,
quais sejam: transformação da
entidade desportiva em sociedade comercial com finalidade desportiva;
constituição de uma
sociedade comercial com finalidade desportiva, tendo a entidade de
prática desportiva
anteriormente existente o controle da maioria de seu capital com direito
a voto; e, finalmente, teria
a entidade de prática desportiva a faculdade de contratar uma
sociedade comercial tão-somente
para gerir suas atividades desportivas, o que, evidentemente, se faria
com finalidade de lucro.
Mas, na lei Zico, tudo isto era facultativo; na Lei Pelé é
obrigatório e, consoante o art. 94 desta
lei atual, as entidades desportivas praticantes ou participantes de
competições de atletas
profissionais terão o prazo de dois anos, a contar da publicação
da lei, para se transformarem em
empresas, nos termos do art. 27.
Bem se sabem os motivos que levaram o Congresso Nacional a aprovar esta
obrigatoriedade.
Ela seria desnecessária se a escrituração contábil
dos clubes fosse confiável e se a ela tivessem
acesso representantes da Receita Federal e do Ministério Público.
Como a intervenção do
Ministério Público nas entidades de administração
e prática de desportos foi rechaçada, a
fiscalização da Receita Federal nas empresas será
efetiva. E a escrituração contábil terá que
ser
confiável, principalmente no que tange às transações
internacionais. A imprensa esportiva
especializada, que tudo escarafuncha, não sabe de nada nessa
matéria. E as cifras publicadas de
uma mesma transação ou de um mesmo contrato profissional
são as mais contraditórias nas
reportagens esportivas. Certamente não é por culpa dos
jornalistas especializados. Eles reportam
as informações que recebem. E são tantas...
Melhor seria, a meu ver, que se ficasse com a faculdade da lei Zico
e não com a obrigatoriedade
da lei Pelé. Cada qual saberia o que melhor lhe aprouveria e,
em verdade, os Conselhos
Deliberativos das entidades desportivas são compostos por associados,
Beneméritos, Eméritos,
Proprietários, Patrimoniais, enfim, por pessoas que também
têm interesse no bom
desenvolvimento de sua entidade, seja por dignidade, por bom senso
ou por amor ao clube.
Afinal, é também parte do seu patrimônio. E aos
Conselhos Deliberativos ou às Assembléias
Gerais de cada entidade deveria ser facultada a opção:
ser ou não ser uma empresa e quando
fazê-lo.
Se se vai tentar mudar a lei nesse período de dois anos, com
uma nova legislatura, é preciso que
o Congresso Nacional atente para a importância da perenidade
das leis, posto que sua
transitoriedade é sempre motivo de incertezas e inseguranças.
Só o tempo pode dizer se uma lei é
boa ou é ruim. Se o que vale hoje já não tem valor
daqui a um ou dois anos, difícil será uma boa
organização na prática desportiva em nosso país.
E aí não adianta muito sonhar com o pódio.
Tenho evitado citar nomes de pessoas ou entidades, para que não
haja particularização do que é
geral. Fi-lo apenas uma vez em homenagem a um grande clube e a um grande
desportista. Mas
neste capítulo da obrigatoriedade de se transformarem em empresas
as entidades de prática
desportiva profissionais, permito-me trazer à baila o projeto
empresarial do cidadão ARTHUR
ANTUNES COIMBRA, o próprio responsável pela lei Zico,
apelativo com que se consagrou
mundialmente, para demonstrar que a simples faculdade de se criarem
empresas desportivas com
fins lucrativos dá a quem o quiser a possibilidade de desenvolvimento
e aperfeiçoamento de um
rentável negócio, como qualquer outro. Criado o Rio de
Janeiro Futebol Clube, cujo nome
mudou, pela existência de precedente, para CFZ DO RIO, foi estabelecido
o projeto de o clube
disputar a primeira divisão do futebol profissional do Estado
do Rio de Janeiro dentro do prazo
de cinco anos. Já está na segunda divisão e certamente
o objetivo será alcançado em prazo
menor que o inicialmente idealizado. Com os pés no chão,
como sempre disse, desenvolvendo
seu projeto na medida do possível, sem salários milionários
mas também não aviltantes e com
pagamento sempre em dia, gradativamente vai conseguindo patrocínios
e promoções e mídia e o
sucesso está garantido. Sempre disse a mim mesmo que o sucesso
depende de três fatores:
trabalho, talento e sorte. E Zico sempre teve os três. Portanto,
não se tornou um empresário de
sucesso porque a lei assim lhe impusesse. Fez o que sabe o de que gosta.
Não sei se já há outros
exemplos no Brasil, mas poucos alcançarão a meta tão
rapidamente quanto ele. Simplesmente
porque partiu na frente.
Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas
as modalidades desportivas, é caracterizada por
remuneração pactuada em contrato formal de
trabalho firmado com entidade de prática
desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que
deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal
para as hipóteses de descumprimento, rompimento
ou rescisão unilateral.
§1º Aplicam-se ao atleta profissional as normas
gerais da legislação trabalhista e da seguridade
social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta
Lei ou integrantes do respectivo contrato de
trabalho.
§2º O vínculo desportivo do atleta com a entidade
contratante tem natureza acessória ao respectivo
vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os
efeitos legais, com o término da vigência do
contrato de trabalho.
Art. 29. A entidade de prática desportiva formadora
de atleta terá o direito de assinar com este o
primeiro contrato de profisional, cujo prazo não
poderá ser superior a dois anos.
Parágrafo único. (VETADO)
Este artigo é uma adaptação do art. 22 da lei Zico,
com uma redação mais clara. Enquanto a lei
anterior falava em contrato de trabalho com pessoa jurídica
devidamente registrado na entidade
federal de administração do desporto, a lei atual fala
em entidade de prática desportiva que, já
sabido, é pessoa jurídica de direito privado. O artigo
28 da lei atual não explicita em que entidade
o contrato de trabalho deverá ser registrado, mas é certo
dizer-se que terá de sê-lo em entidade
nacional de administração do desporto, além de
outra entidade a que esteja filiada a entidade de
prática desportiva.
O §1º do art. 28 da lei Pelé é cópia
literal do §2º do art. 22 da lei Zico. Se o atleta profissional
é
considerado empregado da entidade de prática desportiva, nada
mais correto do que se lhe
garantirem as regras da legislação trabalhista e previdenciária.
O §2º do art. 28 da lei Pelé é a resposta ao
anseio de libertação dos atletas profissionais.
Consoante o art. 26 da lei Zico, caberia ao Conselho Superior de Desportos
fixar o valor, os
critérios e condições para o pagamento da importância
denominada passe. O art. 64 da mesma
lei mandava que se observassem as resoluções 10/86 e
19/88 do Conselho Nacional de
Desportos até que o art. 26 fosse regulamentado.
O §2º do art. 28 da lei Pelé acaba com tudo isso e
o art. 119 do Decreto nº 2.574, de 29/04/98
revoga todas as Resoluções do extinto Conselho Nacional
de Desportos. Simplesmente se acaba
com o aprisionamento de um atleta profissional a uma entidade de prática
desportiva, extinguindo
o monstruoso vínculo que se denomina passe. O passe nada mais
é que o grilhão que atrelava o
atleta a uma entidade de prática desportiva, digamos, a um clube,
tornando-o escravo desse
clube e não um empregado, simplesmente porque, mesmo após
o encerramento do período do
contrato de trabalho, o atleta continuava aprisionado ao clube, não
se podendo transferir para
outro, ou seja, sem ter a liberdade de escolher outro empregador para
o qual trabalhar. O atleta
se tornava, com o instituto do passe, um trabalhador que não
tinha o direito de mudar de
emprego, que não podia discutir bilateralmente seu contrato
de trabalho, que se via obrigado a
aceitar as condições impostas por seu empregador, sob
pena de não poder exercer sua
profissão. Já disse e repito que não estou falando
dos atletas extra-série. Estou falando de atletas
normais, regulares, medianos, para os quais a lei deve ser feita. Não
estou falando dos gênios do
esporte. Não estou falando dos di moral. Estes conseguem o que
querem, até porque, por
serem reconhecidamente gênios, quando este reconhecimento vem
eles já não dependem da
prática desportiva profissional para sua sobrevivência.
Assim, a lei Pelé vem agasalhar antigo
sonho dos atletas profissionais medianos. É certo que alguns
atletas, absolutamente incompetentes
para o exercício profissional, prefeririam manter-se escravos,
desejosos do paternalismo que os
clubes lhes poderiam dar porque sabedores de que outros clubes não
se interessariam por seu
trabalho. Este §2º do art. 28 da lei Pelé é
a carta de alforria de que necessitava o atleta
profissional de futebol. Por isso que, encerrado o contrato de trabalho,
encerra-se também o
vínculo desportivo do atleta com a entidade empregadora, posto
que este vínculo é apenas
acessório ao vínculo empregatício.
Considerando que o §2º do art. 28 só entrará
em vigor a partir de 24 de março de 2001, os
clubes nenhum prejuízo terão com a liberdade que será
dada aos atletas profissionais de futebol.
Mesmo os dirigentes e empresários são acordes nesse particular.
O desejo de alguns clubes formadores de atletas de garantias quanto
a um período que se
considere razoável para que os mesmos tenham preferência
para estabelecer contratos de
trabalho com os atletas por eles formados, a mim me parece respeitável.
É bem de ver que esses
clubes investem tempo, dinheiro e grande espaço físico
na formação de atletas para o desporto
de competição. Muitos não chegam a se profissionalizar,
não dão retorno de vitórias importantes,
não representam lucro para a entidade e, tendo representado
custo, significa dizer, representam
prejuízo. E uma empresa, como obriga a atual lei que sejam as
entidades de prática desportiva,
não pode raciocinar com prejuízo. Esse prejuízo
tem que ser compensado com os êxitos que lhes
são assegurados pelos vitoriosos na carreira desportiva. Considerando
que, para participar de
competições profissionais, o atleta, ao completar dezoito
anos, tem que ser profissionalizado, é
bem de ver que não será exagero que os clubes formadores
de atletas tenham o direito de
receber, por essa formação, uma contrapartida, em forma
de trabalho remunerado, desse atleta
assim formado, por um período razoável. O que se há
de entender por período razoável? A
meu ver, não menos de dois e não mais de quatro anos.
Com o concurso desse profissional por
dois anos, a entidade desportiva formadora do atleta já terá
recebido o retorno profissional
daquela mão de obra por ela desenvolvida. Portanto, dois anos
é um tempo suficiente para que
aquele atleta dê o retorno que a entidade dele espera. A partir
daí, o passe livre desse atleta já
não representa prejuízo para a entidade que o formou.
Se, porém, for entendido que esse atleta
deve, com seu trabalho, contribuir para que a entidade que o formou
tenha com seu exercício
profissional maior vantagem para compensar o que gastou com atletas
que não tiveram sucesso,
penso que mais dois anos de prioridade para um novo contrato de trabalho
não seria nenhum
prejuízo para o atleta, embora possa representar um grande lucro
para a entidade de prática
desportiva que o formou. É uma compensação que
a lei dará a esses clubes para que eles
continuem a investir em categorias de base. A mim, parece justo: o
primeiro contrato de trabalho
profissional do atleta terá que ser com a entidade que o formou,
não podendo esse primeiro
contrato ultrapassar vinte e quatro meses, como determina o art. 29;
esta mesma entidade terá
preferência para a primeira renovação do contrato
de trabalho profissional, sendo que o prazo
dessa renovação não poderá ser superior
ao período que reste para completar quarenta e oito
meses entre o início do primeiro contrato e o fim da primeira
renovação. Essa preferência terá
que ser sempre em igualdade de condições com outras ofertas
de trabalho feitas ao atleta por
outras entidades de prática desportiva. Findo esse período
da renovação, o atleta estará livre
para contratar com qualquer entidade de prática desportiva e,
se estiver feliz em seu emprego,
certamente dará preferência ao mesmo empregador.
Art. 30. O contrato de trabalho do atleta
profissional terá prazo determinado, com vigência
nunca inferior a três meses.
O art. 30 da lei Pelé repete o disposto no art. 23 da lei Zico,
apenas não mais limitando o prazo
máximo de duração do contrato, que na lei anterior
não podia ultrapassar a trinta e seis meses.
Parece-me que a lei Pelé seguiu a tendência mundial de
se eternizarem os contratos de atletas
profissionais. Isto é uma garantia para ambas as partes. Para
o atleta por saber-se empregado
por aquele período; para a entidade, por saber que aquele seu
atleta, durante aquele período, não
se há de transferir para outro clube. É evidente que,
por se tratar de um contrato bilateral,
cláusulas de rescisão terão que ser acordadas,
até mesmo por exigência da lei. Ainda que assim o
seja, outro acordo posterior pode alterar a forma de romper o contrato.
O prazo mínimo de três meses é uma questão
de moralidade a fim de impedir empréstimos ou
contratos relâmpagos para curtas competições.
Art. 31. A entidade de prática desportiva
empregadora que estiver com pagamento de salário
de atleta profissional em atraso, no todo ou em
parte, por período igual ou superior a três meses,
terá o contrato de trabalho daquele atleta
rescindido, ficando o atleta livre para se transferir
para qualquer outra agremiação de mesma
modalidade, nacional ou internacional, e exigir a
multa rescisória e os haveres devidos.
§1º São entendidos como salário, para efeitos do
previsto no caput, o abono de férias, o décimo
terceiro salário, as gratificações, os prêmios
e
demais verbas inclusas no contrato de trabalho.
§2º A mora contumaz será considerada também pelo
não recolhimento do FGTS e das contribuições
previdenciárias.
§3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação
do disposto no caput, a multa rescisória a favor da
parte inocente será conhecida pela aplicação do
disposto nos arts. 479 e 480 da CLT.
O art. 31 da lei Pelé, ainda mais aprimorado pelos arts. 33 e
35 do Decreto nº 2.574, de
29/04/98, é um extraordinário aperfeiçoamento
do acanhado e inoperante §1º do art. 22 da lei
Zico. Enquanto esta apenas previa que a entidade empregadora que estivesse
em atraso no
pagamento de salários dos atletas profissionais não poderia
participar de qualquer competição,
oficial ou amistosa, a lei Pelé foi muito mais profunda. Mesmo
após promulgada a lei Zico, muitas
entidades de prática desportiva continuaram com a prática
pouco desportiva de exigir que seus
atletas trabalhassem sem receber salário. Talvez a maioria delas.
E jamais tomei conhecimento de
que a sanção imposta na lei Zico tenha sido aplicada.
E mais: quando a lei Zico fala em atraso de
pagamento dos atletas profissionais, um bom advogado, fazendo a interpretação
literal do texto,
poderia sustentar que a punição só poderia ser
imposta se a entidade estivesse a dever salários a
todos os atletas. Portanto, bastaria que a entidade complementasse
o pagamento dos salários de
apenas um profissional para eximir-se da punição. A lei
Pelé foi mais profunda e mais perfeita
exatamente porque individualizou a punição ao impor como
sanção a rescisão do contrato de
trabalho daquele atleta, que adquire a liberdade para transferir-se
para outra entidade
desportiva, tendo ainda direito a multa rescisória e haveres
devidos. E esta sanção final é de
suma importância porque, em querendo uma entidade desportiva
desfazer-se de seu atleta
profissional, poderia muito simplesmente deixar de pagar-lhe os salários
devidos para que este
buscasse outro empregador. Ora, o descumprimento de um contrato unilateralmente
é o
rompimento do contratado, sujeito, pois, o inadimplente às perdas
e aos danos pertinentes, que,
no caso sob análise, equivalem à multa rescisória,
obrigatória em qualquer contrato de atleta
profissional, mais os haveres devidos. Ou seja: o empregador não
poderá lesar o empregado.
Nos §§1º e 2º do art. 31, a lei estabelece o que
se deve entender por salário para efeito de
aplicação do disposto no caput, incluindo o não
recolhimento do fundo de garantia e das
contribuições previdenciárias na mora do empregador.
Já o §3º do art. 31 conflita, a meu ver, com o disposto
no caput do art. 28. Ora, se este artigo
determina a obrigatoriedade de cláusula penal para a rescisão
unilateral do contrato de trabalho, é
nessa sanção que se indenizará pelo rompimento,
desnecessário o recurso à CLT, o que imporia,
em falta de acordo, a competência da Justiça do Trabalho
para dirimir o conflito, com sério
prejuízo para o atleta. O art. 479 da CLT determina uma indenização,
apenas pela metade, do
total a que o empregado teria direito até o termo do contrato.
Ora, se a cláusula penal obrigatória
nos contratos dos atletas profissionais for de maior valor, estará
ele sujeito a manipulações em
seu desfavor.
Veja-se, finalmente, que a mora do empregador que pode dar consequência
às sanções previstas
na lei se refere ao atraso do pagamento de salário, no todo
ou em parte, não podendo o
empregador alegar cumprimento de sua obrigação por haver
pago o salário mensal se não tiver
pago também o abono de férias, o décimo-terceiro
salário, as gratificações, os prêmios e demais
verbas inclusas no contrato. Para que haja o inadimplemento do empregador
é necessário que
essas obrigações decorram de força de lei ou de
cláusula do contrato. Se uma entidade de
prática desportiva promete um determinado prêmio pela
conquista de um determinado título e
não o paga, o atleta profissional só terá a proteção
da lei se esse prêmio for instituído no próprio
contrato ou como cláusula aditiva ao contrato de trabalho.
Art. 32. É lícito ao atleta profissional recusar
competir por entidade de prática desportiva quando
seus salários, no todo ou em parte, estiverem
atrasados em dois ou mais meses.
Este artigo só terá aplicabilidade se um número
significativo de atletas com salários em atraso, de
uma mesma entidade desportiva, se recusar a atuar pela equipe. Dificilmente
um ou dois atletas,
apenas, o farão; serão facilmente substituídos
e relegados à categoria dos esquecidos ou dos
dispensáveis. O problema é que, se estiverem presos à
entidade, não poderão trabalhar em outra.
Esse artigo só se aplica aos atletas di moral. Por isso, creio
que seja letra morta.
Art.33. Independentemente de qualquer outro
procedimento, entidade nacional de administração
do desporto fornecerá condição de jogo ao atleta
para outra entidade de prática, nacional ou
internacional, mediante a prova da notificação do
pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou
por documento do empregador no mesmo sentido.
Este artigo, sim, dá ao atleta profissional a garantia de pagamento
em dia, ou quase, de seus
salários. Poderá a entidade desportiva atrasar o pagamento
de salários em até dois meses e vinte
e nove dias. Mas, se completar o terceiro mês com atraso no cumprimento
de sua obrigação de
pagar os salários de seus empregados, incidirá na sanção
do art. 31. Assim, acaba-se com a
absurda prática de se manterem atletas profissionais trabalhando
meses ou anos a fio, sem
receber salários, apenas porque não se podem transferir
para outra entidade desportiva, sem
nenhuma sanção sofrer o empregador inadimplente. Agora,
graças a esse art. 33 c/c o art. 31,
haverá mais respeito aos direitos do atleta profissional, ao
menos no que tange ao período de
atraso do pagamento de seus salários.
Art. 34. O contrato de trabalho do atleta
profissional obedecerá a modelo padrão, constante
da regulamentação desta Lei.
É natural, por suas peculiaridades, que o contrato de trabalho
de um atleta profissional tenha
padronização diversa dos contratos de trabalho comuns.
Entre outras exigências, temos que a
cláusula penal é obrigatória, que o período
mínimo de contrato seja de três meses, etc.
Art. 35. A entidade de prática desportiva
comunicará em impresso padrão à entidade
nacional de administração da modalidade a
condição de profissional, semi-profissional ou
amador do atleta.
Qualquer entidade desportiva poderá ter em seus quadros atletas
amadores, semiprofissionais ou
profissionais. Assim, fazendo parte dos quadros de determinada entidade,
o atleta a ela estará
vinculado. Essa vinculação tem que ser conhecida e reconhecida
pela respectiva entidade
nacional de administração da modalidade desportiva praticada
pelo atleta. Para tanto, é
indispensável que a entidade de prática desportiva a
que esteja filiado o atleta comunique, em
impresso padrão, tal condição à entidade
nacional de administração da respectiva modalidade
desportiva para que o vínculo seja nacional e internacionalmente
conhecido. Só após essa
formalidade o atleta estará integrado como tal ao mundo desportivo.
Sem isso, ele inexiste como
atleta, em termos nacionais ou internacionais.
Art. 36. A atividade do atleta semiprofissional é
caracterizada pela existência de incentivos
materiais que não caracterizem remuneração
derivada de contrato de trabalho, pactuado em
contrato formal de estágio firmado com entidade de
prática desportiva, pessoa jurídica de direito
privado, que deverá conter, obrigatoriamente,
cláusula penal para as hipóteses de
descumprimento, rompimento ou rescisão
unilateral.
§1º Estão compreendidos na categoria dos
semiprofissionais os atletas com idade entre
quatorze e dezoito anos completos.
§2º Só poderão participar de competição
entre
profissionais os atletas semiprofissionais com idade
superior a dezesseis anos.
§3º Ao completar dezoito anos de idade, o atleta
semiprofissional deverá ser obrigatoriamente
profissionalizado, sob pena de, não o fazendo, voltar
à condição de amador, ficando impedido de
participar em competições entre profissionais.
§4º A entidade de prática detentora do primeiro
contrato de trabalho do atleta por ela
profissionalizado terá direito de preferência para a
primeira renovação deste contrato, sendo facultada
a cessão deste direito a terceiros, de forma
remunerada ou não.
§5º Do disposto neste artigo estão excluídos os
desportos individuais e coletivos olímpicos, exceto o
futebol de campo.
Este artigo trata da categoria dos atletas semiprofissionais, que se
distinguem dos atletas
profissionais por não terem uma remuneração derivada
de contrato de trabalho mas sim por
receberem incentivos materiais, não proibindo a lei que esses
incentivos sejam uma
contraprestação pecuniária, determinando o Decreto
nº 2.574, de 29/04/98, em seu art. 45, §7º,
inc. IV, que os incentivos sejam devidamente quantificados e valorizados,
para que, a partir daí,
se possam calcular os valores de seguro e de indenizações.
Esses incentivos materiais aos atletas
semiprofissionais podem atingir valores superiores aos salários
de atletas profissionais da mesma
entidade de prática desportiva. A prestação de
serviços pelo atleta semiprofissional e a
contraprestação dos incentivos materiais pela entidade
de prática desportiva serão pactuados
entre o atleta, assistido por seu representante legal, e a entidade
de prática desportiva, através de
contrato formal de estágio, que não tem consequências
trabalhistas. Também esse contrato
deverá conter obrigatoriamente cláusula penal para as
hipóteses de descumprimento, rompimento
ou rescisão unilateral do contrato, por qualquer das partes.
A meu ver, deveria a lei fazer observar prazos mínimo e máximo
para esse contrato de estágio,
principalmente em face da cláusula penal e da idade do atleta.
Não é demais lembrar que um
jovem de quatorze, quinze anos pode estar, naquele momento de vida,
extraordinariamente
aficcionado por determinada prática desportiva e se dispor a
assinar um contrato de estágio até
os dezoito anos. Mas não é menos verdade que, pela própria
volubilidade da adolescência, este
mesmo jovem pode vir a se apaixonar tão extraordinariamente
por algo ou alguém que aquela
prática desportiva já não lhe desperte qualquer
interesse. Muitos jovens abandonam o esporte
por esse motivo. A cláusula penal, em um contrato muito longo,
parece-me angustiante para o
jovem atleta ainda em formação, pois, pelo §1º
do art. 36, só podem ser semiprofissionais os
atletas com idade entre quatorze e dezoito anos completos. Já
o §1º do art. 45 do Decreto nº
2.574, de 29/04/98, diz que estão compreendidos na categoria
dos semiprofissionais os
atletas com idade entre quatorze e dezoito anos incompletos. E, consoante
o §3º do art. 45
do Decreto, que é repetição quase toda literal
do §3º do art. 36 da Lei, ao completar dezoito
anos esse atleta semiprofissional terá que ser obrigatoriamente
profissionalizado para que possa
participar de competições entre profissionais, o que
é defeso aos amadores e aos
semiprofissionais com menos de dezesseis anos. E se, aos dezoito anos,
o atleta não se
profissionalizar, volta à condição de amador.
Só que a Lei fala em atleta profissional, portanto,
de qualquer esporte, enquanto o Decreto fala em atleta profissional
de futebol, tornando
restrito o que na Lei é amplo.
Quando, no §2º do art. 36, a lei só permite que o atleta
semiprofissional participe de competições
entre profissionais a partir dos dezesseis anos de idade, é
bem de ver que andou bem o legislador
ao proteger a figura física de atletas em ínicio de formação
profissional.
O §4º do art. 36 se torna mais importante e problemático
que o próprio caput. Veja-se que há
clubes que investem altas somas durante muito tempo na formação
de atletas com a finalidade de
contar com sua participação em esportes de rendimento.
Esses atletas ficam vinculados a essas
entidades de prática desportiva desde quando começam
a participar de competições oficiais.
Tomando-se ainda como exemplo o futebol, há competições
oficiais no futebol de salão que se
iniciam com "atletas" de seis anos (categoria fraldinha) ou até
mesmo cinco anos (categoria
chupetinha). Desde essa época o clube está fazendo investimentos
com o fim, não se tenha
dúvida, de vir a revelar, no futuro, bons jogadores de futebol
de salão e, mais ainda, que eles se
tornem bons jogadores de futebol de campo. Quando esses atletas são
"transplantados" do
futebol de salão para o futebol de campo é porque revelam
um potencial que os experts sabem
que, em bom número, darão retorno ao clube. São
aqueles momentos em que o clube dispõe de
uma boa safra e de um bom olheiro. E o investimento passa a ser maior
porque maiores
cuidados receberão esses atletas. Assim, já aos quatorze
anos, esses atletas assinarão aquele
contrato como semiprofissionais, vinculando-se ao clube que lhes deu
e continua dando a
formação desportiva. A lei não fala da possibilidade
de transferência do atleta nesse período para
outra entidade de prática desportiva, mas, de comum acordo entre
atleta e entidades, essa
transferência não está proibida, sendo regulada
por modalidade desportiva. Ao completar dezoito
anos, o atleta semiprofissional será obrigatoriamente profissionalizado,
sendo certo que a entidade
de prática desportiva que o formou terá o direito de
assinar com ele o primeiro contrato de
natureza profissional, cujo prazo não poderá ser superior
a dois anos (art. 29), além de ter direito
de preferência para a primeira renovação deste
contrato. A lei não estabelece limite de prazo
para essa renovação, que poderá redundar em um
contrato de um ano ou de dez anos. Quando a
lei fala em direito de preferência, está-se a dizer que,
em igualdade de condições, o atleta terá
que assinar a renovação do contrato com a entidade que
o profissionalizou. Mas, se outra
entidade de prática desportiva oferece ao atleta melhores condições
ou até mesmo condições
diversas das apresentadas por aquela primeira a que estava vinculado,
pode o atleta optar por
essa outra entidade de prática desportiva, levando em conta
os seus interesses. Quando se fala
em direito de preferência está-se a falar em preferência
em igualdade de condições. Assim, por
exemplo, se a entidade que profissionalizou o atleta lhe oferece, para
renovação, um contrato de
dois anos de trabalho em que seu salário será x, pode
este optar por assinar novo contrato de
trabalho com outra entidade que lhe ofereça, no mesmo período
de dois anos, o salário de 2x.
Assim também, se a entidade de prática desportiva que
o profissionalizou propuser ao atleta uma
renovação de contrato de trabalho profissional por um
período longo, digamos, dez anos, pode
este atleta preferir assinar um contrato com outra entidade de prática
desportiva por um período
menor. Sendo diversa a proposta apresentada pela entidade de prática
desportiva que o
profissionalizou e a apresentada por outra entidade de prática
desportiva, cabe ao atleta fazer a
opção porque a preferência instituída por
lei é apenas preferência, não obrigatoriedade. Só
será
obrigatória a preferência quando idênticas as propostas.
É o efeito vinculante do primeiro
contrato profissional.
Mas a mim assalta uma dúvida. Como já visto acima, a entidade
de prática desportiva que
formou o atleta terá o direito de assinar com este o primeiro
contrato de profissional (art. 29).
Como também já visto acima, a lei não proíbe
(e o que a lei não proíbe ela permite) que uma
entidade de prática desportiva forme um atleta desde criancinha
e, já semiprofissional, digamos,
com dezessete anos, o transfira para outra entidade de prática
desportiva que profissionalizará o
atleta, quando este completar dezoito anos. A quem caberá o
direito de preferência para a
primeira renovação? Não tenho mais dúvida.
Esse direito caberá à entidade de prática desportiva
que profissionalizou o atleta (§4º do art. 36) e não
à entidade de prática desportiva que o formou,
pois esta abriu mão do profissional, assim como a entidade de
prática desportiva que
profissionalizou o atleta pode abrir mão do direito de preferência
à primeira renovação, gratuita
ou remuneradamente.
Seja como for, as entidades de prática desportiva continuarão
a formar atletas ainda que não
tenham mais, como no caso do futebol, o direito de escravizar esses
mesmos atletas. Em
linguagem clara e objetiva, porque esse é o tema: a extinção
do passe que escraviza os atletas
profissionais de futebol aos clubes não fará com que
essas entidades de prática desportiva
percam o interesse na formação de novos atletas de futebol.
Em primeiro lugar, porque devem
dar uma satisfação ao seu quadro associativo através
das práticas desportivas; em segundo lugar,
porque apraz aos dirigentes ver suas entidades de prática desportiva
buscarem títulos; em terceiro
lugar, porque as entidades de prática desportiva que não
participarem dos esportes de
competição não serão entidades de prática
desportiva; em quarto lugar, porque é através dessas
competições e de seus resultados que os patrocínios
advirão; em quinto lugar, porque se isso
fosse verdade para o futebol também o seria para os demais esportes,
como basquete, vôlei,
natação, remo, ginástica olímpica, etc.,
etc.; em sexto lugar, porque a autorização para instalar
salas de jogo de bingo obriga a aplicação do resultado
financeiro no fomento do desporto; em
sétimo lugar porque... em oitavo lugar porque... Enfim, mil
razões há para que as entidades de
prática desportiva continuem a investir na formação
de seus atletas seja em que esporte for.
Ao excluir da abrangência do art. 36 os desportos individuais
e coletivos olímpicos, exceto o
futebol de campo, o seu §5º demonstra à saciedade
que a lei se direciona basicamente para a
prática desportiva do futebol de campo.
Art. 37. O contrato de estágio do atleta
semiprofissional obedecerá a modelo padrão,
constante da regulamentação desta Lei.
Referentemente ao atleta semiprofissional, este artigo é reiteração
do art. 34, que trata do
contrato de trabalho do atleta profissional.
Art. 38. Qualquer cessão ou transferência de atleta
profissional, na vigência do contrato de trabalho,
depende de formal e expressa anuência deste, e será
isenta de qualquer taxa que venha a ser cobrada
pela entidade de administração.
Este artigo repete a essência do artigo 19 da lei Zico. Acrescenta
a lei atual que a anuência do
atleta será necessária na vigência do contrato
de trabalho porque após o prazo contratual o
atleta será livre para se transferir para outra entidade de
prática desportiva, nos termos da lei em
vigor. Essa observação não constava na lei anterior
porque tal liberdade inexistia. Impõe ainda a
lei Pelé que não poderá ser cobrada qualquer taxa
pela entidade de administração quando
ocorrer esse tipo de transferência. É moralizadora tal
isenção.
Art. 39. A transferência do atleta profissional de
uma entidade de prática desportiva para outra do
mesmo gênero poderá ser temporária (contrato de
empréstimo) e o novo contrato celebrado deverá ser
por período igual ou menor que o anterior, ficando
o atleta sujeito à cláusula de retorno à entidade
de
prática desportiva cedente, vigorando no retorno o
antigo contrato, quando for o caso.
O teor deste art. 39, que cuida especificamente do contrato de empréstimo,
é novidade que não
existia na lei Zico. Foi importante que assim ficasse explicitado,
pois o atleta, ao retornar a seu
clube de origem, terá restabelecido o seu antigo contrato de
trabalho, sem qualquer prejuízo para
nenhuma das partes. Ao admitir ser transferido para outra entidade
de prática desportiva, o atleta
deverá, por questão de bom censo, exigir condições
melhores do que aquelas de que já desfruta
no clube cedente que o detém sob contrato. Seria tolice trocar
seis por meia dúzia, a não ser que
lhe importe mais a estrutura do clube cessionário, ou o local
onde exercerá sua atividade, enfim, a
menos que lhe pareça mais vantajoso, por outro motivo que não
o lado apenas pecuniário,
admitir a transferência. Pode um atleta, por exemplo, admitir
transferir-se de um clube de interior
para outro de grande centro esportivo, mesmo sem melhoria salarial.
O §3º do art. 38 do
Decreto nº 2.574, de 29/04/98, determina que o salário
mensal não poderá ser inferior ao do
contrato cedido.
Parece-me redundância dizer que o período do contrato de
empréstimo tenha que ser igual ou
menor que o anterior. Se a entidade cedente só tem vínculo
contratual com o atleta profissional
por um determinado período, não pode ceder esse vínculo
por um período maior. Logo, só
poderá ser por período igual ou menor. Mesmo que seja
o contrato de empréstimo estabelecido
pelo período total do contrato do atleta com a entidade de prática
desportiva cedente, ao final
desse empréstimo o atleta terá que se reapresentar ao
clube de origem, tenha ou não passe livre,
posto que, mesmo tendo liberdade para contratar com outra entidade
de prática desportiva,
ainda terá que formalizar a desvinculação com
o clube anterior, para só então poder-se vincular a
outro.
Art. 40. Na cessão ou transferência de atleta
profissional para entidade de prática desportiva
estrangeira observar-se-ão as instruções expedidas
pela entidade nacional de título.
Parágrafo único. As condições para transferência
do atleta profissional para o exterior deverão
integrar obrigatoriamente os contratos de trabalho
entre o atleta e a entidade de prática desportiva
brasileira que o contratou.
O art. 40 da lei Pelé repete a essência do contido no art.
20 da lei Zico, apenas com outra
redação. É importante que a lei preveja normas
para que atletas brasileiros se transfiram para
exercer sua profissão no exterior. Não se pode impedir
que um profissional trabalhe em qualquer
parte do mundo, mas, respeitados os estatutos e regulamentos das entidades
internacionais, é
necessário que o desporto brasileiro possa contar, quando preciso,
com seus nacionais,
principalmente para preparação e disputa de competições
internacionais.
O que há de novo, na lei atual, é que no contrato de trabalho
entre o atleta profissional e a
entidade de prática desportiva será obrigatório
constarem as condições em que o atleta se
transfere para o exterior.
Art. 41. A participação de atletas profissionais em
seleções será estabelecida na forma como acordarem
a entidade de administração convocante e a
entidade de prática desportiva cedente.
§1º A entidade convocadora indenizará a cedente
dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo
período em que durar a convocação do atleta, sem
prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e
a entidade convocadora.
§2º O período de convocação estender-se-á
até a
reintegração do atleta à entidade que o cedeu, apto
a exercer sua atividade.
O art. 41 e seus parágrafos da lei Pelé são cópia
literal do art. 21 e seus parágrafos da lei Zico,
tendo-se acrescentado apenas o termo convocante no caput do artigo.
É claro que as duas entidades, a convocadora e a cedente, devam
estabelecer, de comum
acordo, a forma como se dará a convocação de um
atleta, profissional da segunda, para atender,
com seu concurso, a compromissos da primeira.
Também o profissional terá que ser ouvido para dizer se
aceita os termos da convocação, uma
vez que a lei obriga a entidade convocadora a assumir tão-somente
os mesmos encargos da
entidade cedente. Pode o atleta convocado exigir da entidade convocadora
um plus que não
esteja previsto em seu contrato de trabalho, como, por exemplo, um
especial seguro de vida e
acidentes pessoais para participação em regiões
afetadas por conflitos ou intempéries da
natureza. Exagero? Os terremotos em alguns países são
uma constante; os conflitos armados, em
outros, também. Se jogos são programados para essas regiões
para atender a interesses do
patrocinador, que este assuma as exigências do atleta. Qualquer
outra benesse que a entidade
convocadora ofertar ao atleta a este se destina. A obrigação
de cumprir os encargos previstos no
contrato de trabalho continua sendo da entidade cedente, que será
indenizada pela entidade
convocadora. Qualquer compensação, a favor do atleta,
que for ofertada pela entidade
convocadora, a ele terá que ser repassada. Assim, por exemplo,
se um atleta profissional recebe
um salário de 2x por seu contrato com a entidade cedente que
vem a receber da entidade
convocadora 4x, esses 2x a maior pretencem ao atleta e não à
entidade cedente. Se os não
repassa ao atleta, a entidade cedente infringe norma trabalhista e
o responsável pela apropriação
indébita infringe norma criminal.
Em desejando qualquer compensação pela cessão do
atleta profissional, a entidade de prática
desportiva cedente terá que fazê-lo em nome próprio
e a título específico e não em nome do
atleta a título de salário ou premiação.
A entidade convocadora está obrigada a tantos encargos quantos
os assumidos seja com o atleta
profissional seja com a entidade de prática desportiva cedente
até a reintegração do atleta a suas
atividades normais, apto para o desempenho integral de sua profissão.
Assim, se um atleta se
lesiona durante o período de convocação, todos
os seus direitos e os da entidade cedente terão
que ser garantidos pela entidade convocadora enquanto perdurar a lesão.
Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence
o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a
transmissão ou retransmissão de imagem de
espetáculo ou eventos desportivos de que participem.
§1º Salvo convenção em contrário, vinte
por cento
do preço total da autorização, como mínimo,
será
distribuído, em partes iguais, aos atletas
profissionais participantes do espetáculo ou evento.
§2º O disposto neste artigo não se aplica a
flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para
fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos,
cuja duração, no conjunto, não exceda de três
por
cento do total do tempo previsto para o espetáculo.
§3º O espectador pagante, por qualquer meio, de
espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para
todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do
art. 2º da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Com pequena alteração, o caput do art. 42 da lei Pelé é cópia do caput do art. 24 da lei Zico.
Sendo um espetáculo, é justo que o evento esportivo seja
comercializado para os meios de
divulgação que os transmitem ou retrasmitem regiamente
remunerados por seus patrocinadores.
Quanto mais importante e de maior apelo popular for o espetáculo
maior será a verba que os
anunciantes investirão para patrocinar as transmissões.
Logo, não menos justo será que, de
acordo com a importância do evento, a entidade de prática
desportiva tenha o direito de autorizar
ou não a exploração comercial do espetáculo
de que participe mediante o pagamento de
importância equivalente à exibição. Em outros
termos e linguagem clara: cabe à entidade de
prática desportiva vender ou não seu espetáculo.
Se o vende, tem toda liberdade para contratar.
Cabe aos patrocinadores aceitar ou não os valores desejados
pelas entidades de prática
desportiva e não imporem eles valores que minimizem o espetáculo.
O §1º do art. 42 da lei Pelé é cópia
do §1º do art. 24 da lei Zico, apresentando, porém, dois
acréscimos de grande valia. É que a lei anterior estabelecia
a salvaguarda de convenção em
contrário quanto ao percentual, que também era de vinte
por cento, mas a lei atual estabelece que
esse é o mínimo a ser distribuído aos atletas
profissionais. Portanto, só vale convenção em
contrário quanto à participação dos atletas
no preço da autorização se for para mais de vinte
por
cento; para menos, a lei proíbe.
Lamentavelmente, a lei não obriga a presença de representante
dos atletas na assinatura desses
contratos de transmissão, embora sejam também parte interessada.
Outro acréscimo importante é o que restringe a distribuição
desse percentual apenas aos atletas
profissionais, o que não ocorria anteriormente. Assim, se de
um mesmo evento desportivo
participarem atletas amadores, semiprofissionais e profissionais, o
rateio a que se refere este
parágrafo é feito somente entre os atletas profissionais,
não tendo os atletas amadores e
semiprofissionais qualquer participação na distribuição
sobre o percentual do preço ajustado.
Assalta-me, então, uma dúvida: tenhamos que uma entidade
de prática desportiva venda a
emissoras de rádio e televisão, e estas revendam a seus
patrocinadores, a transmissão de
espetáculos de futebol da categoria júnior, da qual poderão
participar atletas amadores,
semiprofissionais e profissionais. Só estes últimos terão
direito ao rateio do percentual que cabe
aos atletas? E se apenas um dentre os onze jogadores da equipe for
profissional, caberá
exclusivamente a este o correspondente aos vinte por cento destinados
por lei à partição entre os
atletas profissionais?
Ao rigor da lei, as duas perguntas exigem resposta afirmativa. Se é
justo ou não é justo passa a
ser tema para outro debate. Mas se a lei determina que o mencionado
percentual há que ser
dividido entre os atletas profissionais, exclui a lei desse rateio
os atletas amadores e os
semiprofissionais. E não importa o número de atletas
beneficiários do rateio. Se forem mil os
profissionais, a divisão será por mil; se forem cem,
a divisão será por cem; se forem dez, a
divisão será por dez; se forem dois, a divisão
será por dois; e se for um só, o felizardo ficará
com
o bolo todo. Legem habemus. Já disse que não estou discutindo
se é justo ou se não é justo.
Estou apenas mostrando o que está na lei. E, nessa passagem,
não há falar-se em interpretação.
A lei é clara e, quando ela é clara, dispensa interpretação.
Exige apenas aplicação.
Assim, se num evento como o acima sugerido, uma entidade de prática
desportiva se apresenta
com dez profissionais e outra com apenas dois; se cada entidade de
prática desportiva vai
receber R$ 100.000,00 para participar daquele evento, terá cada
qual que ratear vinte por cento,
no mínimo, ou seja, R$ 20.000,00 entre seus atletas profissionais.
Assim, cada atleta profissional
da primeira entidade de prática desportiva receberá R$
2.000,00 enquanto que os atletas
profissionais da segunda entidade de prática desportiva receberão
R$ 10.000,00 cada um.
O §2º do art. 42 da lei Pelé é praticamente
o §2º do art. 24 da lei Zico. A diferença está
em que,
enquanto a lei anterior previa a possibilidade de exibição
de flagrantes do espetáculo desportivo,
com fins exclusivamente jornalísticos ou educativos, pelo período
máximo de três minutos, fosse
qual fosse a duração do espetáculo, a lei atual
limita essa exibição a três por cento do total do
tempo previsto para o espetáculo, o qual é calculado
por regra de prática internacional de cada
modalidade desportiva.
Se se levar em conta uma partida de futebol, cujo espetáculo
tem uma previsão de duração de
cento e cinco minutos, as empresas jornalísticas passaram a
ter mais vantagem, pois ganharam
mais tempo de transmissão sem o pagamento de direitos de arena.
Se se considera que o tempo
é de noventa minutos, houve desvantagem. Em disputas de vôlei,
basquete ou tênis, por exemplo,
a vantagem das emissoras com a nova lei é inegável. Mas
aí eu me pergunto: as corridas de
cavalos são um evento esportivo? Um grande prêmio, digamos,
Grande Prêmio Brasil, é um
evento desportivo isolado das outras corridas do mesmo programa? Se
as duas perguntas
tiverem respostas positivas, só mediante pagamento poderão
tais competições ser transmitidas,
com o devido rateio entre os atletas profissionais. E, já que
não sou jogador nem entendo de
turfe, gostaria de saber: o atleta é o jóquei ou o cavalo?
Se na gíria turfística o cavalo de corrida é
chamado de "atleta", a quem serão pagos os vinte por cento?
Perdoem-me os aficcionados a
ignorância, mas, no interior do restaurante de um hipódromo,
Manuel Bandeira escreveu que
estão "lá fora os cavalinhos correndo, cá dentro
os cavalões comendo."
O conteúdo do §3º do art. 42 da lei Pelé não
fora contemplado na lei Zico, sendo, pois, uma boa
inovação. O art. 2º da Lei de Defesa do Consumidor
determina que se considera consumidor
toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produtos ou serviço como destinatário
final. Se esse parágrafo do art. 42 da lei Pelé for levado
ao pé da letra, as emissoras de televisão
que adotam o sistema pay per view correm grande risco. Vendem serviços
que não podem
oferecer porque o dia, hora e local dos espetáculos de futebol
que venderam são alterados ou
simplesmente cancelados.
Art. 43. É vedada a participação em competições
desportivas profissionais de atletas amadores de
qualquer idade e de semiprofissionais com idade
superior a vinte anos.
Art. 44. É vedada a prática do profissionalismo, em
qualquer modalidade, quando se tratar de:
I - desporto educacional, seja nos estabelecimentos
escolares de 1º. e 2º. graus ou superiores;
II - desporto militar;
III - menores até a idade de dezesseis anos
completos.
O tema tratado nos arts. 43 e 44 da lei Pelé foi abordado de
forma mais sucinta nos arts. 27 e 28
da lei Zico, parecendo-me que a lei atual se fez mais clara. A lei
atual proíbe que atletas
amadores, de qualquer idade, participem de competições
desportivas profissionais, exigindo,
portanto, que o atleta, para participar de competições
desportivas profissionais tenha que ser um
profissional ou semiprofissional, desde que este não tenha idade
superior a vinte anos.
O caput do art. 44 e seus incisos I e II da lei Pelé são
cópia fiel do art. 28, I e II da lei Zico.
Diferem ligeiramente no inciso III, que comentarei a seguir, mas não
posso compreender porque
ambas as leis fizeram questão de fazer constar a proibição
de prática profissional de desporto
educacional em estabelecimentos de 1º e 2º graus e superiores.
Que outro nível educacional
comporta o nosso sistema oficial de ensino? No pré-escolar é
permitida a prática do
profissionalismo? Em desporto educacional de pós-graduação
(existe?) é permitida a prática de
desporto profissional? Ora, se a prática é de desporto
educacional, ela não pode ser
desenvolvida de maneira profissional, consoante os termos do inc. I
do art. 3º. da lei atual e que é
repetição da lei anterior. Parece-me, pois, que ambas
as leis se tornaram redundantemente tolas,
nesse particular.
No inciso III, a lei Pelé proíbe a prática do profissionalismo
desportivo até a idade de dezesseis
anos completos, enquanto a lei Zico proibia tal prática até
a categoria juvenil.
A meu ver, andou melhor a lei atual, ao definir idade mínima
para a prática do desporto
profissional, e não categoria, porque, de uma modalidade desportiva
para outra, podem variar as
faixas etárias de cada categoria. Mas, ao delimitar a idade,
a lei atual pode criar um impasse para
determinados atletas de extraordinário talento em algumas modalidades
desportivas. Grandes
atletas de ginástica olímpica estão já
velhos aos dezoito anos e o auge de sua carreira desportiva
é alcançado aos quatorze/quinze anos. Não podem
eles ganhar dinheiro com o seu talento? E no
tênis, em que grandes campeões se apresentam com idade
cada vez menor? Seus nomes ou
apelidos podem representar uma marca comercial?
Por isso, volto a dizer, filio-me aos que propugnam por uma lei específica
para o futebol e outra
lei para as demais modalidades desportivas, olímpicas ou não,
cada qual com um capítulo
específico, complementarmente à parte geral. E o caro
leitor compreenderá minha posição se
tiver paciência e coragem para chegar aos comentários
ao art. 87.
Art. 45. As entidades de prática desportiva serão
obrigadas a contratar seguro de acidentes pessoais e
do trabalho para os atletas profissionais e
semiprofissionais a elas vinculados, com o objetivo
de cobrir os riscos a que estão sujeitos.
Parágrafo único. Para os atletas profissionais, o
prêmio mínimo de que trata este artigo deverá
corresponder à importância total anual da
remuneração ajustada e, para os atletas
semiprofissionais, ao total das verbas de incentivos
materiais.
O art. 45 e seu parágrafo único da lei Pelé são
um aperfeiçoamento do art. 29 da lei Zico, na
medida em que explicitam a contratação pura e simples
de seguro de acidentes para os atletas de
alto rendimento, profissionais e semiprofissionais, com qualquer empresa
seguradora, enquanto a
lei anterior determinava a constituição de um sistema
obrigatório de seguro.
A lei atual já determina o valor do prêmio mínimo
do seguro, que corresponderá, minimamente, à
importância anual da remuneração ajustada no contrato
do atleta profissional e, para o atleta
semiprofissional, ao valor total das verbas de incentivos materiais.
Quando a lei diz que estes valores de seguro são o mínimo
a que a entidade de prática desportiva
está obrigada, não impede que este valor seja maior.
E assim há que ser na medida em que os
contratos de trabalho de atletas profissionais podem ter duração
de muitos anos. A meu ver,
portanto, o valor do prêmio de seguro deveria ser igual ao valor
total do contrato de trabalho,
pois só assim o atleta profissional ou semiprofissional estaria
garantido quanto à percepção do
valor total ajustado a título de remuneração,
seja curto ou longo o período do contrato. E quando
se tratar de um contrato de duração por período
inferior a um ano, não há falar-se em
remuneração anual, a qual pode ser trimestral, semestral
ou qualquer outra variação acima de três
meses. Deve, pois, o atleta profissional, ao ajustar seu contrato de
trabalho com a entidade de
prática desportiva, exigir a contratação de seguro
cujo prêmio não seja inferior ao total da
remuneração que perceberia ao longo de todo o contrato.
Se se tratar de um contrato de três
meses, um ano ou cinco anos, o valor do prêmio do seguro deveria
corresponder ao total desse
período remuneratório, uma vez que, se o atleta sofrer
um acidente pessoal ou de trabalho,
poderá ficar incapacitado para exercer sua profissão
por aquele período contratado. O prêmio
do seguro servirá ao menos para garantir-lhe a sobrevida por
aquele período em que ele deveria
estar empregado.
Art. 46. A presença de atleta de nacionalidade
estrangeira com visto temporário de trabalho
previsto no inciso V do art. 13 da Lei nº 6.815, de 19
de agosto de 1980, como integrante da equipe de
competição da entidade de prática desportiva,
caracteriza para os termos desta Lei a prática
desportiva profissional, tornando obrigatório o
enquadramento previsto no caput do art. 27.
§1º É vedada a participação de atleta de
nacionalidade estrangeira como integrante de
equipe de competição de entidade de prática
desportiva nacional nos campeonatos oficiais,
quando o visto de trabalho temporário expedido
pelo Ministério do Trabalho recair no inciso III do
art. 13 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980.
§2º A entidade de administração do desporto será
obrigada a exigir da entidade de prática desportiva
o comprovante do visto de trabalho do atleta de
nacionalidade estrangeira fornecido pelo Ministério
do Trabalho, sob pena de cancelamento da inscrição
desportiva.
Como o inciso V do art. 13 da Lei nº 6.815, de 19/08/80, determina
que, sob o regime de
contrato, o estrangeiro poderá obter visto temporário
de permanência no Brasil, ele vem como
profissional já contratado. Se vier apenas como desportista,
sem contrato de trabalho, estará o
seu visto temporário enquadrado no inciso III do referido artigo,
situação em que não poderá
participar de campeonatos oficiais.