CAPÍTULO VI

                                        DA ORDEM DESPORTIVA

                              Art. 47. No âmbito de suas atribuições, os Comitês
                              Olímpico e Paraolímpico Brasileiros e as entidades
                              nacionais de administração do desporto têm
                              competência para decidir, de ofício ou quando lhes
                              forem submetidas pelos seus filiados, as questões
                              relativas ao cumprimento das normas e regras de
                              prática desportiva.

O art. 47 da lei Pelé busca reproduzir o disposto no art. 30 da lei Zico, fazendo-o de forma mais
prolixa e, a meu ver, de modo menos feliz.

É evidente que a lei, tanto a atual quanto a anterior, teria que determinar tal competência às
entidades de prática desportiva. Não seria necessário, portanto, que a lei nova fizesse menção
específica aos dois Comitês, Olímpico e Paraolímpico, porque já estariam essas entidades
abrangidas no conceito de entidade de administração do desporto. Nesse passo, foi prolixa a lei
nova. E foi infeliz ao determinar que tal competência só existe para as entidades nacionais de
administração do desporto. E quando for o caso de uma entidade de prática desportiva ter que
submeter questões quaisquer a uma entidade estadual ou regional de administração do desporto?
E essas entidades, estaduais ou regionais, podem decidir de ofício quanto ao cumprimento de
normas e regras que a lei aborda? Se uma entidade de caráter não nacional decidir quanto a uma
regra de prática desportiva, pode uma entidade de prática desportiva estadual, regional, municipal
ou distrital desautorizar tal decisão por não ter sido emanada de uma entidade nacional de
administração do desporto? Penso que não, embora a lei, por infeliz, permita entender que sim.

 

 

 

 

                              Art. 48. Com o objetivo de manter a ordem
                              desportiva, o respeito aos atos emanados de seus
                              poderes internos, poderão ser aplicadas, pelas
                              entidades de administração do desporto e de prática
                              desportiva, as seguintes sanções:

                              I - advertência;

                              II - censura escrita;

                              III - multa;

                              IV - suspensão;

                              V - desfiliação ou desvinculação.

                              §1º A aplicação das sanções previstas neste artigo
                              não prescinde do processo administrativo no qual
                              sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.

                              §2º As penalidades de que tratam os incisos IV e V
                              deste artigo somente poderão ser aplicadas após
                              decisão definitiva da Justiça Desportiva.

 

 

O art. 48 e seus dois parágrafos são cópia capenga e caolha dos três parágrafos do art. 31 da lei
Zico, sem o caput.

Disse eu que a cópia é capenga porque, no caput do art. 48, cujos termos são cópia fiel do §1º.
do art. 31 da lei Zico, amputaram-se, após a expressão poderes internos, outras obrigações da
lei anterior, expressas nos termos ...e fazer cumprir atos legalmente expedidos pelos órgãos
ou representantes do Poder Público... que constavam da lei Zico.

Disse eu ainda que a cópia é caolha porque agora, ao tratar das penalidades, permite que estas
sejam aplicadas pelas entidades de administração do desporto, não se referindo mais a entidade
nacional, o que tira a sintonia entre os arts. 47 e 48, enxergando-se uma amplitude no segundo
que inexiste no primeiro.

As sanções consagradas na lei Pelé são absolutamente as mesmas que já constavam da lei Zico.

O §1º deste art. 48 da lei Pelé reproduz, com mais perfeição, o que se consagrara no §2º do art.
31 da lei Zico. Nesta, o processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa,
fazia referência expressa às sanções previstas nos incisos I, II e III do §1º do art. 31, como se
fosse possível excluir as mesmas garantias quando se tratasse das sanções dos incisos IV e V do
mesmo parágrafo, o que, evidentemente, não era o espírito da lei. Nessa passagem, portanto, a
lei Pelé está perfeita, contrariamente à lei Zico, que apresentava aquela imperfeição.

O §2º do art. 48 da lei Pelé é cópia do §3º do art. 31 da lei Zico, com a necessária adaptação.

Tem a lei, nesse particular, o objetivo de garantir a qualquer indiciado, seja atleta seja entidade de
prática desportiva, a possibilidade de só cumprir essas penas, que são irreversíveis, portanto, sem
possibilidade de reparação, após a decisão definitiva da Justiça Desportiva.

Parece-me que a lei andou bem, sendo a atual cópia da anterior, por não me parecer justo que se
cumpra uma pena consequente de uma condenação antes de se esgotarem todos os meios e
modos, principalmente os recursos judiciais, de que se possa valer o indiciado para provar não
merecer tal apenação. Portanto, quando a pena imposta por uma entidade de administração do
desporto ou por uma entidade de prática desportiva for de suspensão (inciso IV) ou desfiliação
ou desvinculação (inciso V), essa pena só poderá ser aplicada após o trânsito em julgado da
sentença definitiva proferida pela Justiça Desportiva.

Por isso que muitas vezes foram e continuam sendo incompreendidas decisões de nossos
Tribunais de Justiça Desportiva conferindo liminares para garantia desse direito a alguns atletas
que, devendo ser suspensos da participação em uma determinada etapa da competição, dela
puderam participar, embora, pelo regulamento específico da própria competição, devessem estar
excluídos, digamos, de uma determinada partida de futebol. É que o Tribunal tem que raciocinar
com a irreparabilidade do dano causado ao atleta e mesmo à entidade de prática desportiva se
uma decisão condenatória de primeira instância ou uma imposição regulamentar determinasse a
suspensão, ainda que temporária, de um atleta por uma indigitada falta cometida, e se se viesse a
comprovar que tal falta não fora cometida ou, mesmo que cometida, não devera o atleta sofrer
aquele tipo de punição. Se o atleta ou a entidade de prática desportiva tem ainda o direito de
recorrer e, através do recurso, comprovar que não deve ser apenado com aquela sanção ou que
deve mesmo ser absolvido, como se haveria de reparar aquele dano já causado? Em face dessa
impossibilidade de reparação do dano é que a pena de suspensão só se há de aplicar após
definitiva decisão da Justiça Desportiva. A irreparabilidade do dano é garantia constitucional para
concessão do direito de se aguardar a decisão definitiva o que, em regra, se consegue através de
decisões liminares.

Apesar da incongruência entre os arts. 47 e 48 acima apontada, parece-me que esse Capítulo Da
Ordem Desportiva foi melhor tratado na lei Pelé que na lei Zico, já que nesta se misturaram
assuntos díspares.