CAPÍTULO II

                      DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

                              Art. 2º O desporto, como direito individual, tem
                              como base os princípios:

                              I - da soberania, caracterizado pela supremacia
                              nacional na organização da prática desportiva;

                              II - da autonomia, definido pela faculdade e
                              liberdade de pessoas físicas e jurídicas
                              organizarem-se para a prática desportiva;

                              III - da democratização, garantido em condições de
                              acesso às atividades desportivas sem quaisquer
                              distinções ou formas de discriminação;

                              IV - da liberdade, expresso pela livre prática do
                              desporto, de acordo com a capacidade e interesse de
                              cada um, associando-se ou não a entidade do setor;

                              V - do direito social, caracterizado pelo dever do
                              Estado em fomentar as práticas desportivas formais
                              e não-formais;

                              VI - da diferenciação, consubstanciado no
                              tratamento específico dado ao desporto profissional
                              e não-profissional;

                              VII - da identidade nacional, refletido na proteção e
                              incentivo às manifestações desportivas de criação
                              nacional;

                              VIII - da educação, voltado para o desenvolvimento
                              integral do homem como ser autônomo e
                              participante, e fomentado por meio da prioridade
                              dos recursos públicos ao desporto educacional;

                              IX - da qualidade, assegurado pela valorização dos
                              resultados desportivos, educativos e dos
                              relacionados à cidadania e ao desenvolvimento
                              físico e moral;

                              X - da descentralização, consubstanciado na
                              organização e funcionamento harmônicos de
                              sistemas desportivos diferenciados e autônomos para
                              os níveis federal, estadual, distrital e municipal;

                              XI - da segurança, propiciado ao praticante de
                              qualquer modalidade desportiva, quanto a sua
                              integridade física, mental ou sensorial;

                              XII - da eficiência, obtido por meio do estímulo à
                              prática desportiva e administrativa.

 

No capítulo II da lei Pelé, repetiu-se o que já se continha na lei Zico, com pequeníssimas
variantes redacionais, sendo quase uma cópia fiel da lei anterior.

Dentre os princípios fundamentais do desporto, a soberania desejada pela lei não pode ser tão
absoluta quanto aparenta o inciso I, porque a organização da prática desportiva, internamente,
está bastante subordinada a normas internacionais de várias modalidades. A FIFA e o COI
estabelecem normas que devem ser obedecidas por todas as legislações nacionais, sem o que
corre o país o risco de desfiliação. Ora, dentro da prática desportiva formal, nenhum sentido teria
a prática de um esporte que se limitasse às próprias fronteiras com impedimentos de
participações internacionais. Portanto, essa soberania está adstrita aos princípios do interesse e
da moralidade pública de cada povo. Se a legislação nacional proibir a prática de alguma
modalidade desportiva considerada pela sociedade nociva à formação de seu povo, aí estará
exercendo o princípio da soberania, mas aí também se estará auto-excluindo de competições
internacionais de tal esporte. Não quero citar nenhum esporte como exemplo, para que se não
diga que me insurjo contra qualquer deles. Mas a mim, ao menos, não me satisfazem os esportes
que, rotineiramente, levam seus praticantes a sequelas irreversíveis, quando não mesmo à morte,
seja de pessoas seja de animais.

O princípio da autonomia é ínsito a toda e qualquer atividade humana, não se podendo impor
comportamentos àqueles que não pertençam a um quadro autônomo, dentro do qual todos são,
individualmente, sujeito e objeto, com direitos e deveres, opondo-se, grupalmente, como unidade
autônoma a outras unidades co-irmãs, todas sob a égide das mesmas regras e normas
convencionadas para a disputa pretendida.

O princípio da democratização é preceito constitucional. Onde houver discriminação, sob que
forma seja, violada estará a lei maior. As formas de discriminação, em nosso país, não se revelam
de forma clara, mas dizem com a injustiça social e econômica onde os menos aquinhoados lutam
duplamente por um lugar ao sol.

O princípio da liberdade está assentado no preceito constitucional segundo o qual ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (Const. Fed., art.
5º, II). Por isso que a lei trata o desporto como direito individual e não como dever social. A
liberdade a que a lei se refere é a liberdade do indivíduo e não a liberdade da coletividade.

 

O princípio do direito social é um dos grandes avanços da modernidade esportiva. Cumpre ao
Estado, diretamente ou através de incentivos, criar condições para que a prática desportiva,
formal, não-formal ou educacional, consiga minimizar a diferenciação na formação do atleta e do
cidadão. Muita vez, é através do esporte que estará a salvação de uma juventude e, cada jovem
assim salvo, pode representar a salvação de uma família, prestante à sociedade e ao país.
Qualquer que seja a modalidade desportiva, ela será sempre um caminho para o lado bom da
sociedade na medida em que afasta o jovem do lado mau que toda sociedade apresenta. Aos
mais carentes, sobretudo, impõe-se maior assistência social e desportiva, até para realmente
garantir o princípio da democratização anteriormente consagrado.

O princípio da diferenciação busca resguardar direitos e impor deveres àqueles que elejam uma
modalidade desportiva como profissão, resultando daí consequências de ordem trabalhista e
previdenciária, entre outras.

O princípio da identidade nacional tem por primado a busca de valores da criação nacional para
a valorização de modalidade desportiva que possa atingir degraus de igualdade com outros
países.

O princípio da educação é justamente aquele que há de garantir recursos públicos para a prática
do desporto como meio de formação do homem. Tem a ver com o princípio do direito social,
anteriormente mencionado, e por isso que, ao comentarmos o §3º do art. 6º não nos pareceu,
como se verá adiante, que a fórmula apresentada para distribuição da receita ali considerada seja,
socialmente, a melhor.

O princípio da qualidade visa ao aperfeiçoamento do praticante do desporto na sua integralidade
dentro da velha maxima de mens sana in corpore sano.

O princípio da descentralização é um dos mais importantes se considerarmos as dimensões
continentais do Brasil. É fácil falar-se --tomemos ainda o futebol como exemplo -- das
excelências de organização das competições dos campeonatos italiano, espanhol, alemão, enfim,
de pequenos países europeus e mesmo das competições internacionais entre países da Europa. O
que, porém, não se pode esquecer é que nesses países, por suas pequenas dimensões, não há, na
maioria deles, campeonatos regionais; são todos nacionais, porque países pequenos. São tão
pequenos que conseguem ter uma única moeda para todos eles. É preciso que se não esqueça,
também, que, dentro da Europa, se fazem viagens de um país a outro (França/Inglaterra,
Espanha/Itália, Holanda/Alemanha) em tempo igual a uma viagem Rio/São Paulo. Um atleta do
Rio Grande do Sul chega a outros países (Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile) em menor tempo
que o gasto para alguns outros estados (Pernambuco, Ceará, Amazonas) dentro do próprio
Brasil. Mas quando temos viagens do campeonato brasileiro, com os atletas passando mais
tempo nos aeroportos e aviões e hotéis que nos campos de jogo ou de treinamento, e menor
tempo ainda com sua família, seus pais, suas mulheres, seus filhos, é bem de ver que a
descentralização do desporto no Brasil é primordial para o seu próprio desenvolvimento,
assegurando-se melhor capacitação aos atletas, durante as competições, e obedecendo ainda às
suas peculiaridades regionais. O próprio biotipo do brasileiro do sul difere do do norte. É nesse
cadinho de tantas variantes e tantas vertentes que havemos de encontrar, pela descentralização, a
unidade do desporto nacional.

O princípio da segurança está apenas no papel. Apesar de reiterado como necessária à prática
de qualquer esporte, a segurança dos atletas tem sido esquecida ou desdenhada em diversas
modalidades desportivas. Os responsáveis pela garantia desse princípio deveriam dar-se conta
do número de atletas lesionados, alguns acidentalmente outros nem tão acidentalmente assim, a
fim de que a prática desportiva, em que pese seu lado competitivo, não ultrapasse os limites
impostos por suas próprias regras. Aos infratores, a punição; aos omissos, a exclusão.

O princípio da eficiência tem a ver com a busca do resultado positivo. Não a qualquer preço,
como alinhavado acima, mas pela competência na prática da modalidade desportiva. Isto
compete ao atleta. Mas a eficiência também há que ser buscada na administração do desporto e
isto diz com os dirigentes. No Brasil, a maioria dos dirigentes é formada por amadores. Alguns
realmente bem intencionados e altruístas; outros, buscando a consecução de interesses pessoais.
Em regra, a fama e o poder. E conseguem. Conseguem através da projeção que lhes dá uma
entidade desportiva com certo grau de prestígio junto ao público. Por isso que a idéia do
clube-empresa e, em consequência, do dirigente profissional, pode ser uma solução para a
melhoria do desporto brasileiro. Discutiremos sua obrigatoriedade ao tratarmos do art. 27.