Seção IV

                                      Do Sistema Nacional do Desporto

 

                              Art. 13. O Sistema Nacional do Desporto tem por
                              finalidade promover e aprimorar as práticas
                              desportivas de rendimento.

                              Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto
                              congrega as pessoas físicas e jurídicas de direito
                              privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas
                              da coordenação, administração, normalização,
                              apoio e prática de desporto, bem como as
                              incumbidas da Justiça Desportiva e, especialmente:

                              I - o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;

                              II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro;

                              III - as entidades nacionais de administração do
                              desporto;

                              IV - as entidades regionais de administração do
                              desporto;

                              V - as ligas regionais e nacnais;

                              VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou
                              não àquelas referidas nos incisos anteriores.

        O que a lei Pelé chama de Sistema Nacional do Desporto a lei Zico chamava de Sistema
Federal do Desporto. Com essa única mudança, o art. 13 e seu parágrafo único da lei Pelé são
cópia do art. 7º e seu parágrafo único da lei Zico. Os incisos I, III e VI da lei atual também já se
encontravam na lei anterior e foram repetidos. De novidade, portanto, temos principalmente o
Comitê Paraolímpico Brasileiro e as ligas desportivas, em âmbito regional ou nacional. Sobre as
ligas, que grande controvérsia causou, causa e causará, falaremos ao tratar do art. 20.

        A Lei nº 9.615, de 23 de março de 1998, embora admita, em seu art. 13, parágrafo único,
inciso VI que as entidades de prática desportiva pertençam ao Sistema Nacional do Desporto
independentemente de serem filiadas ou não a uma entidade de administração do desporto, exige
tal filiação para a aplicabilidade de outros preceitos legais instituídos na mencionada lei. Assim,
por exemplo, uma entidade de prática desportiva não filiada a uma entidade de administração do
desporto não poderá ter seus atos ou de seus atletas submetidos a um Tribunal de Justiça
Desportiva, posto que esses tribunais integram a administração do desporto. Portanto, uma
entidade de prática desportiva que não esteja filiada a uma entidade de administração do
desporto jamais terá seus direitos e deveres, nem seus atletas, submetidos à apreciação do
respectivo Tribunal de Justiça Desportiva, não lhes restando senão e sempre e só o caminho da
justiça comum.

        Ninguém é obrigado a nada fazer mas, em o fazendo, tem que fazer nos termos da lei. E a
lei que institui normas gerais sobre desporto no Brasil é a Lei nº 9.615/98.

 

 

                              Art. 14. O Comitê Olímpico Brasileiro-COB e o
                              Comitê Paraolímpico Brasileiro, e as entidades
                              nacionais de administração do desporto que lhes são
                              filiadas ou vinculadas, constituem subsistema
                              específico do Sistema Nacional do Desporto, ao
                              qual se aplicará a prioridade prevista no inciso II do
                              art. 217 da Constituição Federal, desde que seus
                              estatutos obedeçam integralmente à Constituição
                              Federal e às leis vigentes no País.

 

 

        Nessa seção que trata do Sistema Nacional do Desporto, a lei Pelé faz alguns avanços,
principalmente no que tange às ligas regionais e nacionais, o que importou na criação de entidades
regionais de administração do desporto, avançando também quando sistematiza o Comitê
Paraolímpico Brasileiro. Neste art. 14, enquadra-se o que se deve entender quanto ao
funcionamento dos dois Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiros. Como subsistemas, terão
autonomia para estabelecer suas regras específicas que não poderão, contudo, opor-se às regras
gerais, subordinando-se, pois, a elas.

 

                              Art. 15. Ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB,
                              entidade jurídica de direito privado, compete
                              representar o País nos eventos olímpicos,
                              pan-americanos e outros de igual natureza, no
                              Comitê Olímpico Internacional e nos movimentos
                              olímpicos internacionais, e fomentar o movimento
                              olímpico no território nacional, em conformidade
                              com as disposições da Constituição Federal, bem
                              como com as disposições estatutárias e
                              regulamentares do Comitê Olímpico Internacional e
                              da Carta Olímpica.

 

                              §1º Caberá ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB
                              representar o olimpismo brasileiro junto aos poderes
                              públicos.

                              §2º É privativo do Comitê Olímpico Brasileiro-COB
                              o uso da bandeira e dos símbolos, lemas e hinos de
                              cada comitê, em território nacional.

                              §3º Ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB são
                              concedidos os direitos e benefícios conferidos em lei
                              às entidades nacionais de administração do
                              desporto.

                              §4º São vedados o registro e uso para qualquer fim
                              de sinal que integre o símbolo olímpico ou que o
                              contenha, bem como do hino e dos lemas olímpicos,
                              exceto mediante prévia autorização do Comitê
                              Olímpico Brasileiro-COB.

                              §5º Aplicam-se ao Comitê Paraolímpico Brasileiro,
                              no que couber, as disposições previstas neste artigo.

 

        Este artigo estabelece a competência do Comitê Olímpico Brasileiro talqualmente já o fizera
o art. 8º da lei Zico, com pequena modificação redacional no caput, onde faz menção à
Constituição Federal e à Carta Olímpica, não mencionadas na lei anterior.

        Os §§1º e 2º do art. 15 da lei atual já estavam consagrados na lei anterior, acrescendo a
privacidade quanto aos lemas e hinos, antes não contemplados.

        Nos §§ 4º e 5º do art. 15, a lei nova assegura ao Comitê Olímpico Brasileiro direitos,
benefícios e garantias outorgados a outras entidades de administração dos desportos e o §5º do
art.15 estende esses direitos, benefícios e garantias ao Comitê Paraolímpico Brasileiro. Trata-se
de um grande avanço para o desenvolvimento dos demais esportes, além do futebol, na medida
em que os esportes olímpicos e paraolímpicos passam a ter possibilidades de melhor
aprimoramento. Não é possível que num país com cento e sessenta milhões de habitantes, com
características tão variadas, aptos, portanto, à prática de qualquer esporte, não sejamos potência
esportiva em jogos olímpicos. Só através de grandes incentivos e de boa formação desportiva
nos clubes, escolas e universidades poderá o Brasil reiterar sua presença no pódio das
Olimpíadas.

 

                              Art. 16. As entidades de prática desportiva e as
                              entidades nacionais de administração do desporto,
                              bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas
                              jurídicas de direito privado, com organização e
                              funcionamento autônomo, e terão as competências
                              definidas em seus estatutos.

                              §1º As entidades nacionais de administração do
                              desporto poderão filiar, nos termos de seus estatutos,
                              entidades regionais de administração e entidades de
                              prática desportiva.

                              §2º As ligas poderão, a seu critério, filiar-se ou
                              vincular-se a entidades nacionais de administração
                              do desporto, vedado a estas, sob qualquer pretexto,
                              exigir tal filiação ou vinculação.

                              §3º É facultada a filiação direta de atletas nos
                              termos previstos nos estatutos das respectivas
                              entidades de administração do desporto.

 

        O art. 16 da lei Pelé consagra o que se continha no art. 9º da lei Zico. Faz, porém, a lei
atual questão de diferenciar, no caput, o que estava diferenciado no § 1º do art. 9º da lei
anterior, como entidades de prática desportiva ou entidades de administração do desporto, além
de acrescer as ligas independentes como entidades autônomas igualmente instituídas como
pessoas jurídicas de direito privado.

        Os §§1º e 3º do art. 16 da lei Pelé já estavam consagrados nos §§ 1º e 2º do art. 9º da lei
Zico.

        Tanto atletas quanto ligas ou entidades de prática desportiva podem filiar-se diretamente a
uma respectiva entidade de administração do desporto, desde que os estatutos desta o permitam.
Há esportes, principalmente coletivos, em que o atleta não pode filiar-se diretamente a uma
entidade de administração do desporto por ser exigência estatutária que ele esteja antes filiado a
uma entidade de prática desportiva.

        O §2º do art. 16 da lei atual, porém, dá às ligas um poder autônomo extraordinário, posto
que permite sua existência independentemente de qualquer vínculo a outra entidade de desporto.
Falaremos mais sobre este ponto ao tratarmos do art. 20.

 

                              Art. 17. (VETADO)

                              Art. 18. Somente serão beneficiadas com isenções
                              fiscais e repasses de recursos públicos federais da
                              administração direta e indireta, nos termos do
                              inciso II do art. 217 da Constituição Federal, as
                              entidades do Sistema Nacional do Desporto que:

                              I - possuírem viabilidade e autonomia financeiras;

                              II - apresentarem manifestação favorável do Comitê
                              Olímpico Brasileiro-COB ou do Comitê
                              Paraolímpico Brasileiro, nos casos de suas filiadas e
                              vinculadas;

                              III - atendam aos demais requisitos estabelecidos em
                              lei;

                              IV - estiverem quites com suas obrigações fiscais e
                              trabalhistas.

                              Parágrafo único. A verificação do cumprimento da
                              exigência contida no inciso I é de responsabilidade
                              do INDESP, e das contidas nos incisos III e IV, do
                              Ministério Público.

 

        O disposto no artigo 18 da lei Pelé guarda consonância com o conjunto de exigências dos
arts. 16 e 17 da lei Zico. Pareceu-me prudente a extinção, pela lei atual, do Certificado de Mérito
Desportivo, que poderia atender mais a vaidades pessoais e interesses eleitoreiros do que
propriamente ao bom desempenho das entidades desportivas.

        A forma e o fundo da matéria ora analisada me parecem mais claros e objetivos na lei atual,
inclusive e principalmente porque esta determina competências para verificação de suas
exigências. O parágrafo único do art. 18 da lei Pelé foi de extrema habilidade e inspiração na
medida em que atribui ao INDESP a verificação do cumprimento do estabelecido no inciso I e ao
Ministério Público a fiscalização do estabelecido nos incisos III e IV. Parece-me evidente que a
atribuição do Ministério Público não é apenas a de verificação mas também de fiscalização,
consoante os termos constitucionais. A fiscalização do estrito cumprimento das leis é atribuição
constitucional do Ministério Público e, dentre as leis, ressaltam as fiscais e trabalhistas, sem
dúvida pouco respeitadas. Merece encômios, pois, o Conselho Deliberativo do Clube de
Regatas do Flamengo que, um dia antes da promulgação da lei Pelé, tendo que eleger seu
Conselho Fiscal, fez recair a Presidência de tal Conselho sob a responsabilidade do Eminente
Procurador de Justiça Dr. ROBERTO ABRANCHES, cuja integridade, honradez e dedicação
sempre foram orgulho para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Assim, o Clube de
Regatas do Flamengo, vanguardista, não esperou a fiscalização do Ministério Público chegar:
colocou um membro do Ministério Público para se autofiscalizar.

        No que tange à competência do Ministério Público, tenho para mim que as entidades de
prática desportiva submetidas a uma única unidade federativa serão fiscalizadas pelo Ministério
Público do respectivo Estado; as entidades nacionais de prática desportiva e de adminstração do
desporto deverão ser fiscalizadas pelo Ministério Público Federal; já as entidades regionais de
prática desportiva ou de administração do desporto que forem constituídas sob a forma regional,
tal como as ligas, deverão, a meu ver, ter sua fiscalização exercida pelo Ministério Público
estadual do local da sede de seu funcionamento e não de sua constituição. Assim também me
parece que os Tribunais de Justiça Desportiva deverão ser escolhidos, ou criados, em função da
sede em que vierem a funcionar as sedes das ligas regionais. A escolha de seus membros, quando
criados, deverá obedecer aos mesmos critérios previstos nos arts. 49 e seguintes da presente lei.

 

                              Art. 19. (VETADO)

 

                              Art.20. As entidades de prática desportiva
                              participantes de competições do Sistema Nacional
                              do Desporto poderão organizar ligas regionais ou
                              nacionais.

                              §1º (VETADO)

                              §2º As entidades de prática desportiva que
                              organizarem ligas, na forma do caput deste artigo,
                              comunicarão a criação destas às entidades
                              nacionais de administração do desporto das
                              respectivas modalidades.

                              §3º As ligas integrarão os sistemas das entidades
                              nacionais de administração do desporto que
                              incluírem suas competições nos respectivos
                              calendários anuais de eventos oficiais.

                              §4º Na hipótese prevista no caput deste artigo, é
                              facultado às entidades de prática desportiva
                              participarem, também, de campeonatos nas
                              entidades de administração do desporto a que
                              estiverem filiadas.

                              §5º É vedada qualquer intervenção das entidades de
                              administração do desporto nas ligas que se
                              mantiverem independentes.

 

                              Art. 21. As entidades de prática desportiva poderão
                              filiar-se, em cada modalidade, à entidade de
                              administração do desporto do Sistema Nacional do
                              Desporto, bem como à correspondente entidade de
                              administração do desporto de um dos sistemas
                              regionais.

 

        O disposto nos arts. 20 e 21 da lei Pelé guarda consonância com o estatuído no art. 12 e
seu parágrafo único da lei Zico. Parece-me, porém, que na lei Pelé a matéria vem mais
claramente explicitada, assegurando realmente os direitos e deveres das ligas tanto regionais
quanto nacionais. Daí algumas vozes que hoje se levantam contra este tratamento dado na lei Pelé
não se terem insurgido quando da promulgação da lei Zico. É que na legislação anterior não se
consubstanciava, com nitidez, o limite e o alcance da lei. Por isso que até os dias da nova lei
nenhuma liga foi criada com esses parâmetros de autonomia e independência. Talvez a Liga do
Nordeste tenha dado certo. Após a lei Pelé, sem dúvida, muitas se darão à luz, tão logo as
entidades de prática desportiva, principalmente os clubes de futebol, compreendam e alcancem a
grandiosidade de torneios ou campeonatos organizados sob os auspícios de seus exclusivos
interesses. Em país com as dimensões do Brasil, com os extraordinários jogadores de futebol que
possui, com a marca internacional que representa o futebol brasileiro, não há como se
organizarem competições deficitárias se se tiver a liberdade de organizá-las em função dos
interesses exclusivos das entidades de prática desportiva. E é bem de ver que, nesse particular,
os clubes de futebol foram os grandes beneficiados, na medida em que poderão agrupar-se em
entidades autônomas onde todos os integrantes têm os mesmos interesses, as mesmas finalidades
e as mesmas potencialidades. Mesmo assim o fazendo, ainda poderão estar filiados a entidades
de administração dos desportos e participar de seus campeonatos, quando isto lhes convier. Será
o império dos clubes grandes e dos dirigentes competentes. As divergências e até as desavenças
terão que ser esquecidas e sepultadas em benefício de todos. Os clubes ditos pequenos, se
quiserem sobreviver, terão que se adequar a essa nova filosofia do esporte e lutar pela
possibilidade de acesso, independentemente de descenso. Campeonatos estaduais, regionais ou
nacionais, num país da dimensão do Brasil, se bem organizados, hão de gerar extraordinários
lucros para seus participantes, principalmente se se consideram as dezenas de grandes clubes e as
centenas de bons atletas. Os comentários ora urdidos se dirigem principalmente à prática do
futebol porque é desta modalidade esportiva que mais cuida o povo brasileiro --tanto que cada
desportista tem a sua seleção própria-- e também porque a lei Pelé, como fizera a lei Zico, se
direciona mais para esse esporte. Mas estas considerações valem para todos os esportes,
embora eu também concorde com aqueles que gostariam de ver uma lei específica para o futebol
e outra para as demais modalidades desportivas, exatamente por essa desproporção entre o
interesse geral pelo futebol e o interesse particular dos simpatizantes de cada outra modalidade
desportiva.

        O §2º do art. 20 do Decreto 2.574/98 apenas repete o conteúdo do §2º do art. 16 da Lei
nº 9.615/98. O que a nova legislação trouxe de progresso no campo desportivo, nesse particular,
foi a possibilidade de se organizarem ligas absolutamente independentes, que não precisarão
filiar-se obrigatoriamente a qualquer outra entidade. Ficará a critério da liga filiar-se ou não. Será
uma questão de opção, consideradas as vantagens e desvantagens da filiação. E o passo
realmente importante é a proibição de qualquer intervenção das entidades de administração
do desporto nas ligas que se mantiverem independentes.

        O Clube dos Treze, por exemplo, que pode transformar-se em clube dos dezesseis ou clube
dos vinte, certamente faria uma fortíssima liga nacional e, bem planejada e organizada,
respeitando calendários de competições nacionais compatibilizados com os internacionais, como
já agora a FIFA quer compatibilizar o calendário europeu com o sul-americano, sem amistosos
caça-níqueis, com o apoio da imprensa, principalmente com a transmissão ao vivo pela televisão,
que não afasta por si só o público do estádio, seria uma fonte inesgotável de recursos financeiros,
que sustentariam os clubes independentemente dos outros faturamentos por contratos específicos
de patrocínio de cada entidade. Se se admitisse um número fixo de participantes obrigatórios, que
jamais sofreriam descenso, por suas tradições, suas torcidas, suas rendas, enfim, sua marca, e se
se admitisse um número, digamos, exemplificativamente, quatro ou seis outros participantes que
estariam sujeitos à regra do acesso e descenso de dois ou três destes clubes para que outros, das
ligas regionais ou campeonatos estaduais, pudessem ter acesso a esse grupo de elite, certamente
sairiam fortalecidos os clubes já grandes e os ditos pequenos tudo fariam para engrandecer-se,
engrandecendo, em consequência, toda a unidade do futebol em nível nacional.

        Veja-se, ainda, que as ligas integrarão os sistemas das entidades nacionais de administração
dos desportos e as ligas que se mantiverem independentes não poderão sofrer qualquer
intervenção de nenhuma outra entidade de administração do desporto. Se se forma, portanto,
uma liga de âmbito nacional para a realização de campeonatos entre equipes de vários estados da
Federação, criando seu próprio Tribunal de Justiça Desportiva, nenhuma interferência externa
sofreria este campeonato, ditando-se seu desenrolar pelos estatutos e regulamentos da respectiva
competição.

        E para culminar com a excelência da lei, o art. 21 da lei Pelé, que tem seu paralelo no
parágrafo único do art. 12 da lei Zico, clubes, federações e ligas poderão filiar-se a entidades
nacionais ou regionais de administração do desporto, em qualquer das modalidades desportivas e
participar, independente de suas próprias competições, também das competições dessas
entidades. Assim, por exemplo, em se criando uma liga nacional de futebol com um determinado
número de clubes para disputa de uma determinada competição, tenha o nome que tiver, nada
impede que esses mesmos clubes, ou alguns deles, participem de um denominado, digamos,
Campeonato Brasileiro de Futebol, que, digamos, a Confederação Brasileira de Futebol possa
querer instituir, ou manter o modelo que já existe.

        Parece-me, pois, que a criação de ligas não vingou na lei Zico exatamente por falta de
clareza na sua conceituação e, principalmente porque, de certa forma, não tornava as ligas
suficientemente independentes ou fora da ingerência de outras entidades, pois a lei Zico dizia que
as ligas tinham que observar as disposições estatutárias das entidades de administração do
desporto a que pertencessem, ou seja, os clubes poderiam formar ligas mas não podiam
contrariar suas federações. Por isso que a tímida vedação do art. 31 da lei Zico ficou
descaracterizada pelo inciso V desse mesmo artigo. Assim é que, se um determinado número de
clubes de estados diversos formassem uma liga nacional, poderiam ver-se desfiliados eles de suas
federações, o que, em última análise, poderia ser um risco ou, pelo menos, uma aventura. Agora,
não. A formação das ligas, ante a clareza da lei, independe de outras entidades. Em suma: a lei
Pelé fortaleceu os clubes. Se se organizarem, dentro de dois anos, no máximo quatro, a contar da
lei, os grandes clubes brasileiros estarão à altura, administrativa e financeira e economicamente de
qualquer outro grande clube de futebol estrangeiro e, com a quantidade e qualidade dos
jogadores brasileiros, será difícil sermos superados nessa modalidade esportiva. Não ser
superado não quer dizer ser sempre campeão. Quer dizer apenas que o futebol brasileiro será
sempre top, já que em outros países, por suas condições econômicas e sócio-culturais, tal
esporte poderá ter grande desenvolvimento. Permito-me fingir ter bola de cristal para afirmar que
os Estados Unidos serão uma grande potência esportiva no futebol. Cobrem-me daqui a dez
anos. Raciocinar com prazo menor ante um esporte, ou uma indústria, com faturamento de mais
de duzentos bilhões de dólares anuais, é não ter visão ampla ante a amplitude do negócio que se
quer gerir. E os americanos têm. E falei em dólares por ser a moeda das transações
internacionais.

 

 

 

                              Art. 22. Os processos eleitorais assegurarão:

                              I - colégio eleitoral constituído de todos os filiados
                              no gozo de seus direitos, admitida a diferenciação de
                              valor dos seus votos;

                              II - defesa prévia, em caso de impugnação, do direito
                              de participar da eleição;

                              III - eleição convocada mediante edital publicado
                              em órgão da imprensa de grande circulação, por três
                              vezes;

                              IV - sistema de recolhimento dos votos imune a
                              fraude;

                              V - acompanhamento da apuração pelos candidatos
                              e meios de comunicação.

                              Parágrafo único. Na hipótese da adoção de critério
                              diferenciado de valoração dos votos, este não poderá
                              exceder à proporção de um para seis entre o de
                              menor e o de maior valor.

 

        Parece-me que, por melhor técnica legislativa, a matéria aqui tratada deveria compor uma
seção. Correspondendo aos arts. 13 e 14 da lei anterior, que também mesclava numa única
seção assuntos diferenciados, a lei atual é mais objetiva e clara. Em primeiro lugar porque, ao
definir a composição dos colégios eleitorais e admitir a diferenciação de votos, a lei Pelé
estabelece de pronto que a valoração dos votos não poderá exceder à proporção de um para
seis entre o de menor e o de maior valor, enquanto a lei Zico, em seu art. 32, mandava
observar critérios técnicos e a classificação nas competições oficiais promovidas nos
últimos cinco anos ou em período inferior, sem prejuízo de outros parâmetros estabelecidos
em regulamento. Em segundo lugar porque, como se vê, era um critério com absoluta falta de
critério. Falar em prazo de cinco anos ou período inferior é nada falar. Permitir outros
parâmetros quaisquer é deixar tal regra ao devaneio ou ao desmando dos que tenham maior
mando. Por isso, também nesse ponto, a lei Pelé é melhor, por dar mais segurança às entidades
de prática desportiva.

        A defesa prévia instituída no inciso II é a garantia de um direito diante de possível
insurreição contra outro direito. Ninguém, e falo ninguém mesmo em se tratando de pessoas
jurídicas, pode ter negado um alegado direito sem que se lhe dê a possibilidade de defesa para
demonstrar possuir tal direito. Ao menos em um regime democrático.

        No caso do inciso III, necessário será que os regulamentos das entidades desportivas
estabeleçam como se deverá fazer publicar tal edital. Dir-se-á que o consenso, ou, digamos, o
direito consuetudinário manda que se entendam por órgão da imprensa de grande circulação os
jornais diários de maior público. Assim seja. Mas seria admissível entender-se que algumas
revistas semanais também são órgãos de imprensa de grande circulação? E valerá o edital
publicado em uma dessas revistas por três vezes, cada qual em uma semana de um mês
diferente? Se assim se fizer a publicação do edital, poder-se-á falar em atitude pouco ética ou
pouco leal mas nunca em ato ilegal. O Decreto nº 2.574, de 29/04/98, em seu art. 24, III,
determina que as publicações sejam consecutivas, corrigindo esse defeito da lei.

        Por outro lado, em se tratando de liga desportiva composta por integrantes de vários
Estados, em quais Estados deverá ser feita a publicação do edital? A meu ver, em tantos quantos
abriguem sedes das entidades desportivas participantes da liga.

        O sistema de recolhimento de votos imune a fraude também é um grande desejo do Tribunal
Superior Eleitoral. Com direito a processo criminal e sob pena de prisão... E chega a ser
lamentável que se tenha que colocar um item desses em lei desportiva.

        Até para melhor garantia do inciso IV, o inciso V assegura aos meios de comunicação o
acompanhamento da apuração. Esse direito da imprensa, que eu considero principalmente um
dever, tem que ser absoluto, porque garantido constitucionalmente. Por isso, tem a imprensa o
direito de saber, com boa margem de antecedência, dia, hora e local da apuração. Se se omitir,
perderá o direito de criticar possíveis fraudes. Mas se se fizer presente, certamente a fraude, se
ocorrer, terá perna curta. Alguns criminosos têm mais medo da imprensa que da prisão. E
quando uma câmera de TV ou um microfone conseguem flagrantes de atos ilícitos, seus autores
saem de cena. Daí a importância da garantia legal específica para o processo eleitoral esportivo.
Não poderá haver subterfúgio para evitar ou sequer dificultar a atividade livre dos profissionais da
imprensa.

 

 

                              Art. 23. Os estatutos das entidades de administração
                              do desporto, elaborados de conformidade com esta
                              Lei, deverão obrigatoriamente regularmentar, no
                              mínimo:

                              I - instituição do Tribunal de Justiça Desportiva,
                              nos termos desta Lei;

                              II - inelegibilidade de seus dirigentes para
                              desempenho de cargos e funções eletivas ou de livre
                              nomeação de:

                              a) condenados por crime doloso em sentença
                              definitiva;

                              b) inadimplentes na prestação de contas de recursos
                              públicos em decisão administrativa definitiva;

                              c) inadimplentes na prestação de contas da própria
                              entidade;

                              d) afastados de cargos eletivos ou de confiança de
                              entidade desportiva ou em virtude de gestão
                              patrimonial ou financeira irregular ou temerária da
                              entidade;

                              e) inadimplentes das contribuições previdenciárias e
                              trabalhistas;

                              f) falidos.

        Qualquer pessoa, física ou jurídica, só tem existência no mundo jurídico, ou seja, só é
sujeito de direitos e deveres, após um ato formal que comprove a sua existência. Os seres
humanos, pessoas naturais, só passam a ter existência jurídica após a averbação de seu
nascimento no Registro Civil, que lhes expede uma certidão do ato, chamada Certidão de
Nascimento, que os torna pessoas de direito. A prova, pois, para a comprovação da existência
de uma pessoa natural, no mundo do direito, não é a exibição de seu corpo mas a exibição de
sua Certidão de Nascimento. Assim também, ninguém prova que é casado exibindo uma aliança
mas sim uma Certidão de Casamento.

        As pessoas jurídicas, da mesma forma, só passam a ter existência no mundo jurídico após o
cumprimento de uma formalidade exigida por lei. Uma sociedade comercial, por exemplo, se rege
por seu contrato social, o qual só terá validade perante terceiros depois de registrado ou inscrito
na junta comercial de sua sede. Assim também outras entidades se regem por estatutos, como é o
caso das entidades de prática desportiva. Portanto, qualquer clube, liga, federação, confederação
terá que regular-se por um estatuto que será registrado ou inscrito em outra entidade que o
oficialize. A partir daí, da inscrição ou registro do estatuto, é que a entidade de prática desportiva
passará a ter personalidade jurídica e será considerada pessoa jurídica de direito privado, sujeito
de direitos e obrigada a deveres. E nenhum estatuto poderá contrariar a lei que regula a matéria a
que se propõe a entidade. Por isso, a lei Pelé exige que os estatutos das entidades de
administração do desporto regulamentem, no mínimo, o que está expresso nos itens I e II do art.
23.

        Quando a lei fala em instituição do Tribunal de Justiça Desportiva não significa
necessariamente a criação desse órgão. A nosso ver, o termo está empregado no sentido de
estabelecer, nomear, o que significa dizer que a entidade tanto poderá criar um tribunal como
atribuir a função de dirimir seus conflitos a outro tribunal já existente. Parece-me a melhor
maneira de se interpretar a lei, para que não haja, no caso, principalmente das ligas, superposição
de competências ou jurisdições.

        Quanto à inelegibilidade estabelecida no inciso II, parece-me que a redação não foi muito
feliz porque não existe eleição para cargo de livre nomeação. E só se pode falar em
inelegibilidade quando existe eleição. A lei deveria falar em impedimento para o exercício desses
cargos e funções de livre nomeação. Quanto às causas de inelegibilidade, elas são claras e
dispensam maiores comentários. Apenas me perguntaria se a falência a que se refere a letra f é a
falência de pessoa física ou se o falido a que se refere a lei é pessoa física não falida mas
integrante de pessoa jurídica falida.

        Na lei anterior, essa matéria era tratada no art. 14, porém com um número menor de causas
de inelegibilidade. Tinha, contudo, a lei Zico um parágrafo único que determinava que a
ocorrência de qualquer daquelas hipóteses ao longo do mandato importaria na perda automática
do cargo ou função. Pena que esse parágrafo único não tenha sido consagrado na lei atual.

                              Art. 24. As prestações de contas anuais de todas as
                              entidades de administração integrantes do Sistema
                              Nacional do Desporto serão obrigatoriamente
                              submetidas, com parecer dos Conselhos Fiscais, às
                              respectivas assembléias-gerais, para a aprovação
                              final.

                              Parágrafo único. Todos os integrantes das
                              assembléias-gerais terão acesso irrestrito aos
                              documentos, informações e comprovantes de
                              despesas de contas de que trata este artigo.

        O órgão máximo de pessoas jurídicas regidas por estatutos é a Assembléia Geral ou o
Conselho Deliberativo. Em regra, tais entidades se compõem também de um Conselho Fiscal,
posto que não existe atividade que não comporte custos, e um Conselho Consultivo, que
respalda, a priori, as decisões do órgão Diretor, embora, muitas vezes, tais decisões tenham que
ser referendadas pela Assembléia Geral ou pelo Conselho Deliberativo. O acesso aos
documentos é garantia de que todos os membros da Assembléia Geral ou do Conselho
Deliberativo poderão votar de acordo com seu conhecimento próprio e não por informações de
outrem.