O PRIVADO PORÉM PÚBLICO NA RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS
"Disseminar a função social das empresas na direção de um contributivo ao avanço da dignidade humana. Qualificar o "sem fins lucrativos", introduzindo garantias sociais ao "Terceiro Setor", é uma urgência para consolidar direitos sociais."
Aldaísa Sposati
Considerações Iniciais
Empresa Social, Empresa-Cidadã, Empresa-Comunitária. Qual o significado de tais denominações em um território regido pelas regras do capital? O próximo século se aproxima, e com ele uma remodelação do perfil organizacional de muitas empresas contemporâneas. A nova face organizacional diz respeito à ruptura de paradigmas tradicionais de mercado (modelos de ganhos de capital), criando, paralelamente, outro valor dentro da organização: o valor solidário.
Tal valor representa uma transcendência ao simples papel das empresas de geradora de e distribuidora de riquezas entre os seus acionistas. Dá-se às empresas o status de organizações-vivas, onde a responsabilidade social torna-se uma vantagem competitiva com o chamado "lucro civilizatório" ou "lucro do bem estar social." Os esforços são direcionados para projetos de cunho social, promovendo a melhoria da imagem corporativa perante a sociedade.
Quando se observa a investida empresarial na área social, nota-se, nitidamente, uma preocupação acentuada com relação a imagem e, também, ao consumo de produtos de uma organização socialmente correta. Assim, a filantropia privada é uma obrigação, e não um favor por parte das empresas competitivas. O fator econômico e político caminham juntos ao propósito social das corporações.
Toda essa nova configuração empresarial está inserida no que se pode (ainda com certo grau de cuidado) denominar "Terceiro Setor" ou "Setor Social". O "Terceiro Setor" (nem público e nem privado) congrega uma legião de entidades que desempenham um papel complementar às ações do Estado na área social. Este trabalho não entra no mérito da discussão da crise do Estado-Providência, mas, é, claramente, um equívoco falar em substituição do Estado nas questões de caráter social.
A sociedade civil se organiza principalmente através de instituições, fundações ou entidades sem fins lucrativos, onde uns dos objetivos centrais é a transformação e valorização do ser humano enquanto cidadão, segundo Peter Drucker. Escolas, fundações empresariais, creches, hospitais, escoteiros, grupos de proteção ao meio ambiente, todos se agrupam por áreas temáticas em promoção humana, meio ambiente, cultura, saúde, educação. Entretanto, apesar de perseguirem objetivos específicos e lidarem com seus próprios públicos, possuem um denominador comum: o bem estar comum.
As empresas e o "Terceiro Setor": a responsabilidade social, a missão e o líder social.
As empresas contemporâneas estão mudando o tom do discurso limitado de mercado ao se envolverem em trabalhos não lucrativos? A questão pode ser encarada como uma nova postura, que transcende os paradigmas tradicionais do mundo dos negócios? Sim, muitas corporações, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, estão formalizando um posicionamento diferenciado diante da sociedade, mantendo projetos de cunho social nas comunidades onde se localizam.
O papel corporativo na área social depreende uma transformação importante na forma como as empresas estão encarando o aumento substancial da exclusão social. "As empresas são organismos vivos e, ao longo do tempo, acabam incorporando mudanças e procedimentos para se adaptar às novas realidades e garantir a sobrevivência." (IOSCHPE, 1997:81). É inegável que a questão cultural seja uma barreira enorme ao avanço das ações empresariais nos segmentos não lucrativos, despertando ceticismos quanto a função social das empresas.
Tudo leva a crer que o aspecto cultural de um país, região ou localidade, influencia a mentalidade da sociedade que, em determinados casos, ainda não está condicionada ao intervencionismo do mercado na área social, como alternativa à inépcia do Estado. Mas, claramente, o panorama está mudando. O Terceiro Setor ou Setor Social fortalece-se em decorrência da presença cada vez menos ativa do Estado nos aspectos sociais. As fundações privadas, mantidas na sua maioria com recursos empresariais, agem deliberadamente não só com ajuda financeira, mas, também, com o gerenciamento e acompanhamento da execução dos projetos estabelecidos. "O segredo para se construir uma organização com esse espírito humanitário está em organizar o trabalho de forma que cada um se sinta essencial para uma meta que se acredita" (DRUCKER, 1997:138).
É um erro pensar que só existam objetivos sociais nas ações de intervenção não lucrativa da iniciativa privada. Portanto, outros fatores envolvidos, como o econômico e o político, também prevalecem como pontos presentes, em alguns casos, se analisados detalhadamente. Hoje, no ramo empresarial, desempenhar a função do Estado significa direcionar os propósitos de mercado em direção a uma nova formatação clássica das corporações, reorganizadas socialmente dentro da sociedade, porém, sob uma tendência baseada na propagação de políticas de ações focalistas (ações focalizadas em prol de um determinado grupo social).
A relação governo, mercado e Terceiro Setor deve ser conduzida sempre com competência, pois o rompimento desse elo pode dificultar a obtenção dos resultados que se desejam alcançar. A responsabilidade pelo desenvolvimento cultural, por um bom processo educacional e pelo bem estar social, mesmo sendo realmente um dever do Estado, não é só do Estado na realidade, incumbe também à sociedade como um todo. A parceria, portanto, é uma obrigação, não um favor. A intervenção privada não-lucrativa é apenas uma complementariedade da ação insuficiente do Estado na assistência social. Falar em substituição do Estado é um equívoco.
A gestão social impõem desafios mesmo para os que estão acostumados com as pressões cotidianas por bons resultados no mundo lucrativo. Os resultados, nas "organizações sem fins lucrativos" (non profits organizations), são expressos pelos níveis de bem estar social da comunidade assistida, explicitando a relevância do relacionamento mútuo entre agente e receptor. Mesmo tendo conquistado excelentes resultados, os gestores ou trabalhadores sociais se deparam com alguns empecilhos no seu trabalho diário. Por exemplo, na Inglaterra, um grupo de moradores de rua reclamam por estarem sendo importunados constantemente por um grupo de voluntários que dão alimentos aos mesmos todos os dias. Analisando o fato, parece uma atitude paradoxal para quem está fora do dia-a-dia das entidades sociais.
Fatos, como o exemplo mencionado, levam à necessidade de se preparar no mercado administradores especializados na gestão de entidades sociais, que poderiam, no caso inglês, adaptar técnicas de como satisfazer um "cliente" para contornar o problema da revolta dos mendigos. Não é fantasia, mas, na verdade, dificuldades que as entidades sociais possuem por não terem, na maioria das vezes, o domínio ou conhecimento de técnicas administrativas, indo além do simples relacionamento com os beneficiários. Há, assim, carência de modelos tradicionais de gestão nestas instituições.
De alguns anos para cá, nota-se, em ritmo promissor, uma crescente consciência de que a empresa pode e deve assumir dentro da sociedade um papel mais amplo, transcendente ao de sua vocação básica de geradora de riquezas. E a resposta a essa crescente demanda da sociedade pode estar associada não só a motivos de obrigação social, mas, também, a sugestões de natureza estratégica.
O mercado começa timidamente a traçar outros caminhos em direção à uma nova realidade corporativa, a realidade do bem social. As empresas adotam posição pró-ativa de querer contribuir para encaminhar soluções para os problemas sociais. A atuação da empresa social amplia e completa seu papel de agente econômico e a transforma em agente social por disponibilizar, adaptando, os mesmos recursos usados no seu negócio, para transformar a sociedade e desenvolver o sentido do bem comum e da responsabilidade social.
O código de ética do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) assinala: "As práticas de desenvolvimento social são de natureza distinta e não devem ser confundidas nem usadas como ferramentas de comercialização de bens tangíveis (fins lucrativos) por parte da empresa mantenedora, como são, por exemplo, marketing, promoção de vendas ou patrocínio, nem devem ser confundidas com políticas e procedimentos de recursos humanos, que objetivam o desenvolvimento e o bem-estar da própria força de trabalho, portanto, no interesse da empresa".
Enxergar uma empresa como proponente de ações não-lucrativas, em um contexto de aumento da "briga" por mais espaços no mercado consumidor, permeia algumas hipóteses que definam a verdadeira razão de um pacto humanitário. Uma das hipóteses é a melhoria da imagem corporativa perante a sociedade. O que se busca é uma caracterização mais acentuada de organizações vivas, onde o ato humanitário seja o cerne do desenvolvimento social sustentado de uma nação. O engajamento das empresas, em questões sociais, deve representar a constituição de novas formas de trabalho solidário, promovendo uma ruptura significativa frente aos novos caminhos transformadores da sociedade civil.
Em nenhuma outra área as diferenças entre empresas e instituições sem fins lucrativas são maiores do que na gerência de pessoas e relacionamentos. Em uma missão social é de suma importância o fator humano. Há pessoas com as quais as empresas não têm experiência. Elas são chamadas "voluntárias", embora esta não seja mais a palavra correta. A única diferença entre elas e o pessoal remunerado da instituição é que elas não recebem pagamento. Existem cada vez menos diferenças entre o trabalho que elas fazem e aquele que é feito pelo pessoal remunerado em muitos casos eles são idênticos e os voluntários estão se tornando cada vez mais importantes em uma missão de caráter social.
Não só o seu número está crescendo, mas eles estão assumindo cada vez mais posições de liderança em uma missão. Esta tendência deve continuar, pois temos em nossa sociedade muito mais pessoas idosas que são capazes de trabalhar física e mentalmente e estão ansiosas para permanecerem ativas, envolvidas e para contribuir. Assim, as instituições sem fins lucrativos continuarão servindo às suas missões específicas, mas, também, passarão a ser, cada vez mais, as organizações através das quais tornam a cidadania operacional e eficaz. É preciso começar com a missão, e isso é muito importante. A missão é algo que ultrapassa o dia de hoje, mas orienta e informa hoje. No momento em que a perdemos de vista começamos a nos desviar, a desperdiçar recursos. A partir de uma missão chega-se a metas muito concretas.
Numa empresa, existe um resultado financeiro. Lucro e prejuízo por si sós não são suficientes para julgar o desempenho, mas pelo menos são coisas concretas. No caso de entidades sociais, para cada uma delas o líder social que a dirige precisa, antes de mais nada, responder a pergunta: Como deve ser definido o desempenho desta instituição? Não basta uma instituição sem fins lucrativos dizer: Nós atendemos a uma necessidade. A instituição realmente boa cria um desejo: o desejo da (trans)formação social. Mas, assim, definir e estabelecer metas não-lucrativas exige uma boa dose de competência operacional, pois, do contrário, não passa apenas de uma boa dose de intenção.
As potencialidades profissionais precisam ser exploradas racionalmente, utilizando, assim, a vontade de cooperar mediante uma ação não caracterizada pela emoção do momento. Excesso de melodrama atrapalha. É necessário, em uma definição de metas, que se priorize o lado criativo das pessoas, enfatizando a importância de alcançar bons resultados, com soluções que marquem pelo seu aspecto dinamizador. Logo, é preciso estar sempre em atualização, examinando as oportunidades na comunidade. O objetivo específico pode mudar. Coisas que eram da maior importância podem se tornar secundárias, ou mesmo totalmente irrelevantes. Se uma instituição não-lucrativa não observar isso constantemente, correrá o risco de se transformar em peça de museu.
Existe uma analogia oportuna quando se trata de profissionalização das entidades sociais. Compara-se, com empresas familiares, a necessidade de se mudar o comando - quando há problemas de gestão -, passando-o às mãos de profissionais, externos ou internos, capacitados e conhecedores dos problemas existentes. A profissionalização permeia a caracterização de disciplina das atividades, via habilidades técnicas de gerenciamento. O líder social representa tal necessidade.
A sensibilização por uma causa diferenciada é um dos principais requisitos para qualquer pessoa que queira seguir a carreira como líder social. A liderança se dá por processos de definições exatas do papel dos líderes. Uma liderança só pode ser considerada legítima quando seus propósitos são expostos de forma transparente para a sociedade. A missão deve ser conduzida explicitamente, objetivando a notoriedade dos fatos ligados ao cotidiano operacional da instituição.
A tarefa mais importante do líder de uma instituição é de prever a crise. Talvez não evitá-la, mas prevê-la. Esperar até que a crise chegue já é desistir. É preciso tornar a instituição capaz de prever a tempestade, resistir a ela e, na verdade, estar adiante dela. Isto é chamado de inovação, de renovação constante. Não se pode evitar uma catástrofe, mas pode construir uma organização preparada para a batalha, com moral elevado e já tenha enfrentado crises, que saiba como se comportar, tenha autoconfiança e na qual as pessoas confiam umas nas outras. A confiança é a palavra-chave de uma conduta de liderança.
Entidades que priorizam a formação multidisciplinar de seus líderes buscam alternativas viáveis ao despreparo das equipes envolvidas, pois, obviamente, o desconhecimento de técnicas específicas pode comprometer a missão coletiva. O compartilhamento de idéias implica em desdobramentos positivos, tendo em vista o fluxo de informações necessárias para o bom funcionamento da organização. Os líderes sociais devem trabalhar marginalmente aos interesses individuais, focalizando os objetivos coletivos como meta a cumprir.
A profissionalização decorre de um perfil aceito e valorizado. A compreensão, a compaixão e a cooperação sem paternalismo são pré-condições para a instauração de laços entre os vários segmentos da sociedade civil. Para isso, uma primeira determinante de perfil do líder social corresponde ao seu sistema de valores humanos. Para o líder social, a escassez de recursos, que está na origem da análise econômica, não pode legitimar a exclusão. O líder social dá novo sentido à democracia. A democracia renovada pede a compreensão dos processos de integração e de fragmentação. Essa compreensão é facilitada pelo conhecimento sobre a evolução da humanidade nas suas dimensões históricas e socioculturais.
O Terceiro Setor carece de profissionais que tenham conhecimentos e habilidades administrativas de gestão do "empreendimento social". Uma deficiência que nutre a realidade preocupante do cenário de disparidade social que se presencia. As diretrizes impostas por um gestor social são pragmáticas quando se busca atrair vínculos com outras instituições, construindo laços estratégicos de gestão e parceria entre as mesmas. Cria-se um intercâmbio de experiências que sirvam de subsídios aos mais diversos interesses presentes nas relações interinstitucionais.
A mobilização de recursos diversos, principalmente capital humano, é um dos principais objetivos de um líder. Para isso, ele precisa desenvolver dispositivos de comunicação com o ambiente externo, relacionando-se mutuamente com vários segmentos da sociedade civil, do mercado e do governo. No entanto, é relevante informar que tal comunicação externa pode expor a instituição a ceticismos aparentes se não houver uma transmissão transparente da missão estabelecida.
A interação com a sociedade beneficiada, governo e iniciativa privada (mercado) é de suma importância. O balanço social é um forma de divulgar o trabalho que está sendo feito à comunidade. O dirigente social deve articular funções de circulação intersetorial, enviando aos diversos componentes sociais os resultados atribuídos ao trabalho coletivo. A propagação de bons desempenhos e resultados é, sem dúvida, uma ferramenta eficaz de legitimação de uma instituição de caráter social.
Diante disso, não existem coisas como "traços de liderança" ou "características de liderança". Os líderes mais eficazes nunca dizem "Eu". E não é porque eles treinaram para não fazê-lo. Eles pensam em "nós"; pensam em "equipe". Eles aceitam a oportunidade e não fogem a ela, mas a equipe leva o crédito. Há uma identificação (muitas vezes inconsciente) com a tarefa e com o grupo. É ela que cria confiança, que possibilita a execução das diversas tarefas.
A primeira vista parece que a figura do líder carismático é de compaixão ao extremo. Pois bem, essa compaixão tece o que se pode denominar de "compartilhamento do conhecimento", onde o detentor do know-how específico utiliza suas habilidades técnicas em favor da comunidade. Fixando com mais atenção a idéia de integração mútua, percebe-se que os horizontes futuros das instituições tornam-se mais confiantes, pois, legalmente, contribuições dos mais diversos "naipes" são armas poderosas em um contexto de desafios variados. O poder de decisão parte, invariavelmente, do líder. As articulações internas e externas são providas pelo líder. O andamento dos processos de coordenação é definido pelo líder.
Todas essas atribuições conferem um grau imenso de responsabilidade, implicando o estabelecimento de um treinamento eficaz na formação do líder social: o líder de uma nova era de conscientização e mudança. Enfim, no mundo dos negócios, responsabilidade, missão e liderança sociais, são apenas alguns itens, dentre outros, que expressam a relevância de uma nova configuração empresarial para o próximo século: a configuração da empresa social ou empresa-cidadã no contexto do "Terceiro Setor".
Relacionamentos Vitais : a importância do conselho diretor
Nesta parte do trabalho, busca-se uma maior relevância no que concerne ao quesito relacionamento, pois, na maioria dos casos, a franqueza e transparência no decorrer dos "negócios" entre vários personagens, ditam o grau de confiança no trabalho proposto. Uma das diferenças mais básicas entre organização não lucrativa e empresa é que a primeira tem, tipicamente, muito mais relacionamentos de importância vital. Nas empresas, com exceção das maiores, os relacionamentos vitais são poucos funcionários, clientes e fornecedores e é tudo. Uma organização não lucrativa pode ter um número expressivo de públicos e precisa desenvolver um relacionamento com cada um deles.
Começa com o conselho diretor. Na maioria das empresas, os conselhos, com poucas exceções, pouco se interessam pelas mesmas até que ocorra uma crise. Por outro lado, na organização não lucrativa séria e idônea, o conselho está profundamente envolvido. Na verdade, os executivos e funcionários dessas empresas reclamam constantemente que o conselho diretor se preocupa demais com a gerência e que a linha entre a função do conselho e a gerência é sempre violada. Eles reclamam que o conselho se "intromete".
Para ser eficiente, eficaz e efetiva, uma organização não lucrativa necessita de um conselho forte, mas que faça o seu trabalho. O conselho não só ajuda a definir a missão da instituição, mas também é o guardião dessa missão e garante que a organização viva de acordo com o seu compromisso básico. O conselho tem a função de garantir que a instituição tenha uma gerência competente e a gerência certa. O papel do conselho é de avaliar o desempenho da organização. Se houver uma crise, seus membros podem ter que ser bombeiros.
O conselho também é o principal órgão de levantamento de fundos de uma organização não lucrativa um papel importante que ele não tem na empresa. Se um conselho não liderar ativamente no desenvolvimento de fundos, será muito difícil obter os recursos de que necessita a organização. Um conselho que compreende suas obrigações reais e fixa metas para o seu próprio desempenho não deve se intrometer nas atividades alheias. Mas se deixar o papel do conselho aberto e indefinido, este irá interferir nos detalhes e não fará seu trabalho.
Uma instituição sem fins lucrativos, com um conselho forte, pode proporcionar o tipo certo de liderança, representando um grande esforço por parte do gestor não só para colocar as pessoas certas no conselho, mas para fundi-las em uma equipe e lhes indicar a direção correta. O gestor chefe é a consciência do conselho.
Sobre a porta da sala do conselho de organização não lucrativa deveria haver uma inscrição em letras grandes: "Fazer parte deste conselho não significa poder, mas responsabilidade." Alguns membros de conselhos de uma organização não lucrativa ainda acham que estão lá pela mesma razão que os levava antigamente a participar de conselhos de hospitais reconhecimento pela comunidade ao invés de um compromisso com serviços. Ser membro de um conselho de uma instituição sem fins lucrativos significa responsabilidade social não só com a organização, mas também com o próprio conselho, com a comunidade e com a missão estabelecida.
Cada instituição sem fins lucrativos atende a um interesse específico da comunidade: o bem comum. Cada uma precisa, assim, manter relações com o governo, com as instituições corporativas e com as pessoas da comunidade em geral. Não se trata de uma questão de relações públicas (embora seja melhor contar com um bom RP). A organização de serviços precisa viver a sua missão em toda a sua essência. É por isso que os voluntários são tão importantes. Eles vivem nas comunidades e exemplificam a missão da instituição.
As instituições eficazes treinam seus voluntários para que as representem na comunidade, gerando legitimação (reconhecimento e confiança). Elas também devem tornar fácil para os mesmos a tarefa de lhes trazer quaisquer perguntas que a comunidade tenha a respeito do trabalho da instituição.
Um problema comum nos conselhos é a divisão interna. Sempre, na maioria das vezes, que surge um problema os membros se dividem, cada um defendendo seu ponto de vista. Isto costuma acontecer muito mais em instituições sem fins lucrativos, precisamente porque sua missão é muito importante. O papel do conselho se torna mais relevante e controverso. Nesse ponto, o trabalho em equipe (workgroup) entre o presidente do conselho e o gestor chefe passa a ser absolutamente vital.
Implicações Operacionais: Pessoas e Relacionamentos
Devido à complexidade dos relacionamentos para o gestor da instituição, é importante compreender e aplicar aquilo que sabemos a respeito de gerência de pessoas e de relacionamentos. Pessoas exigem atribuições claras. Isto vale para voluntários, para conselhos e para o pessoal remunerado. Elas precisam saber o que a instituição espera delas. Mas a responsabilidade pelo desenvolvimento do plano de trabalho, das descrições de cargos e das atribuições deve estar sempre com as pessoas que executam o trabalho.
O gestor de uma instituição sem fins lucrativos precisa trabalhar tanto com o pessoal remunerado como com os voluntários para que eles possam definir sua contribuição, expressá-la com clareza e desenvolver, através de uma discussão conjunta, um plano de trabalho específico, com metas e prazos específicos. A instituição sem fins lucrativos deve ser baseada na informação. Ela deve ser estruturada ao redor das informações que fluem dos indivíduos que executam o trabalho para aqueles que estão no comando os responsáveis finais e também ao redor das informações que fluem para baixo. Este fluxo de informações é essencial, porque uma organização sem fins lucrativos precisa ser uma organização de aprendizado. A ênfase na gerência de pessoas sempre deve estar no desempenho, mas no caso de uma instituição sem fins lucrativos ela também deve levar conta a compaixão. As pessoas trabalham nessas instituições porque acreditam em uma causa.
O conselho de uma organização não lucrativa é, ao mesmo tempo, uma ferramenta e a consciência do seu gestor principal. Para que este relacionamento prospere, o gestor principal precisa desenvolver um plano de trabalho claro para o conselho. Ele pode e deve gerenciar até mesmo um conselho eleito por forças externas (nem sempre favoráveis) que não pode ser dispensado por ele. Mas o conselho, para ser produtivo, precisa estar informado e atualizado. A pior coisa que um gestor pode fazer é tentar ocultar coisas do conselho, usar truques, ater-se em encontrar um ou dois amigos no conselho e ignorar a construção de um relacionamento global. Esta uma tentação permanente, mas o gestor que cede a ela pode ter certeza de que não irá durar mais que um ou dois anos.
Cada membro da organização sem fins lucrativos, do gestor principal ao "soldado" voluntário, precisa antes de mais nada definir suas próprias atribuições. Quais são as responsabilidades desta instituição? A seguir, cada um deve certificar-se de que as pessoas com as quais trabalha e das quais depende, compreendem aquilo em que ele irá se concentrar e suas responsabilidades. Depois vêm as responsabilidades de aprendizado e ensino. O que eu tenho de aprender? O que esta organização tem de aprender? Não em cinco anos, mas agora, nos próximos meses. Um gestor de uma organização sem fins lucrativos deve se reunir com o seu pessoal chave e dizer: "Não estou aqui para contar nada. Estou aqui para escutar. O que preciso saber a respeito de vocês e das suas aspirações para si mesmos e para esta nossa organização? O que estamos fazendo bem? O que estamos fazendo mal? Que aperfeiçoamentos precisamos fazer? Certifique-se de escutá-los mas também de agir a respeito daquilo que ouvir e aprender.
Pergunte a cada uma das pessoas que se reportam a você, ou com as quais trabalha: "O que estou fazendo que ajuda se trabalho? O que estou fazendo que o atrapalha?" Aja a respeito daquilo que lhe disserem. Por exemplo, se a queixa for que não exista compartilhamento de informações a menos que solicitem, é necessário assegurar que as informações solicitadas sejam enviadas regularmente. Se elas disserem que não sabem como estão se saindo, inclua o feedback no sistema de controle. Elas têm os encargos delas e a função do gestor é capacitá-las para executá-los com sucesso e de forma satisfatória. Aquilo que as organizações mais necessitam é de informações claras a respeito dos resultados do seus próprios trabalhos. Geralmente ao contribuir, as pessoas perguntam: "Quais são os resultados alcançados?" Nenhum gestor deve responder com generalidades.
Finalmente, o gestor competente de organização não lucrativa assume a responsabilidade de facilitar o trabalho das pessoas, a obtenção de resultados e que elas tenham prazer com o seu trabalho. Não basta que a causa servida seja boa. O papel do gestor é de assegurar que elas obtenham resultados.
Implicações operacionais: o papel da liderança
Retomando à questão relacionada a liderança é, em tese, a gestão local um sistema de ação. Neste sentido, a institucionalização de um projeto ou uma idéia representa o processo pelo qual os sistemas de ação representados na gestão local adquirem capacidade e competência, aceitação pública, acesso a recursos de operação. De grande importância para a gestão local é a qualidade de sua liderança. Algumas idéias básicas sobre liderança e suas tarefas são importantes, pois os líderes motivam as pessoas para agirem; eles proporcionam uma visão à ação.
Não há dúvida de que certos papéis de liderança com autoridade e responsabilidade delegadas são necessários. Entre outros, é possível distinguir quais são as tarefas com as quais os líderes locais estão envolvidos:
¨ diagnóstico de necessidades, estabelecimento de prioridades à ação, planejamento e programação sobre a intervenção desejada, seleção das estratégias e táticas para conduzi-las e a formulação de planos para estabelecer o uso dos recursos e processos para implementar as atividades;
¨ gerência de conflito: envolve diferentes esforços para se resolver conflitos dentro de diferentes grupos ou segmentos de uma comunidade ou entre as diferentes organizações envolvidas no processo de desenvolvimento;
¨ mobilização de recursos: uma tarefa-chave é reunir recursos da comunidade para o esforço do desenvolvimento ou buscar recursos de fontes externas à comunidade;
¨ gerência de recursos: representa a busca de eficiência e correção no uso dos recursos, incluindo a gerência de recursos financeiros, organizacionais e naturais;
¨ provisão e prestação de serviços que atendam as necessidades básicas atribuídas ao projeto;
¨ integração de serviços: de modo que eles sejam mais eficientes e eficazes no atendimento das necessidades dos membros da comunidade;
Para ser compatível com a abordagem acima mencionada, uma estratégia para se adquirir a sustentação dos esforços de desenvolvimento deveria combinar uma estratégia bem equilibrada da formação de liderança, capaz de agir em nível local/micro e em nível macro. No nível micro é mister garantir a participação total dos membros da comunidade no processo de desenvolvimento. No nível macro é necessário participar do desenvolvimento de políticas públicas que mudem os sistemas e criem um meio ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável da comunidade.
Considerações Finais
Ao término desse trabalho, no meu entender, é necessário uma atenção especial em direção ao futuro do que se pode denominar "Terceiro Setor". Existe um debate sobre quem são os novos "personagens" ou "atores" que atuam no cotidiano do "Terceiro Setor", suas atribuições, seus objetivos, suas metas, sua missão e, claro, todos os elementos tangíveis e não tangíveis que fazem parte da composição estrutural e organizacional de tal setor. Mas, antes de tudo isso, há a necessidade de se buscar um consenso, não unânime, mas aceito pela maioria sobre a definição clara do que é o "Terceiro Setor".
Pegando carona no debate, a política e a economia são dois campos fundamentais onde o papel das organizações do "Terceiro Setor" estão ganhando espaço e preponderância. No primeiro, o "Terceiro Setor" precisa atuar na conquista e na garantia dos direitos e da cidadania dos excluídos, funcionando como advogado e, muitas vezes, enfrentando o Estado e o mercado. A transparência de valores, a capacidade de mobilização social e de impacto diante da opinião pública, a flexibilidade para gerar alianças duradouras, a influência nos processos de tomada de decisões são algumas das questões que terão de ser levadas em consideração pelas organizações que vejam neste terreno um campo fértil de ação. Não somente deverão ser e insistir em seu caráter não-governamental, mas também terão de aprender e exercitar o seu direito a estabelecer relações com o setor público. Por esta razão é que o "o governamental/estatal" continuará sendo o seu principal ponto de referência.
No segundo campo, a prestação de serviços, as regras do mercado serão, sem dúvida, o que orientará a sua ação. A qualidade dos serviços, as relações custo-eficiência-eficácia-efetividade, a capacitação de recursos humanos, a captação de recursos, a atenção ao cidadão, entre outros, os principais desafios destas organizações. Certamente, depararão com um leque de possibilidades que vai desde a "competição" econômica com outras entidades tanto públicas quanto privadas até a geração de nichos e mercados sociais inovadores. O seu caráter particular neste campo, mais que o seu perfil não-governamental, deverá ser a sua natureza não-distributiva de lucro, já que é neste aspecto que se pode diferenciar do setor privado empresarial. A relação com o Estado, além de complementar as políticas públicas, pode, também, ser orientada para a demonstração de modelos capazes de ser reproduzidos em maior escala.
É difícil pensar que o "Terceiro Setor" possa ou deva inclinar-se para alguns destes campos, em particular. Nos dois, tem a sua razão de ser, ainda que as lógicas e metodologias de ação devam, necessariamente, apresentar-se de maneira diferente. Por esta razão é que é difícil pensar em uma definição, e menos ainda, em um caminho único, que englobe o conjunto das organizações da sociedade civil. Devemos, então, resignar-nos a uma visão fragmentada de um conjunto de organizações diferentes, sem objetivos comuns?
Ainda que se trate de uma tarefa árdua, pode ser que não. Se existe um ponto em comum nas organizações da sociedade civil ou no "Terceiro Setor" é o de colocar no centro do cenário o social, as pessoas. Se a política se estrutura cada vez mais ao redor do poder e a economia em relação ao lucro, o espaço comum do "Terceiro Setor" são as necessidades humanas, uma certa utopia pragmática com relação ao social.
Os elementos estão dados para que o "Terceiro Setor" possa cumprir esse papel, que vai muito além da soma de projetos e de ações particulares. Estes elementos são os que dão um caráter diferente às organizações da sociedade civil e sobre os quais é preciso afirmar-se e desenvolver-se. A transparência (ou accountability) nas finanças e na ação; o interesse e a defesa dos interesses comuns da sociedade, do público, diante de uma cada vez mais exacerbada cultura do privado, do individual; o voluntariado, a solidariedade e a filantropia, como expressões de uma nova cultura que enfatiza "dar" tempo, recursos e talentos para o bem dos demais, acima das práticas cada vez mais obscenas de apropriação ilegítima e do egoísmo; a cidadania participativa e responsável ante a exclusão política e social. Enfim, elementos de uma nova ética, na qual o direito das pessoas à uma vida digna tenha preponderância sobre as coisas materiais, o poder e o dinheiro.
Bibliografia Básica
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