FORMAÇÃO E SUPERVISÃO

 

LUCÍA BARBERO FUKS

 

RESUMO:

A supervisão é considerada um dos elementos essenciais da transmissão da psicanálise, fazendo parte, com a análise pessoal e o estudo teórico, do tripé básico da formação. As dificuldades aparecem quando se configura uma situação de aprendizagem em que a supervisão passa a ter um caráter avaliativo e de controle institucional. Encarar este problema conduziu a debates importantes, e a reformulações e teorizações variadas  dessa atividade. Se descreve a atividade de supervisão no projeto formativo do Curso de Psicanálise do ISS.

 

A supervisão é considerada um dos elementos essenciais da transmissão da psicanálise. Ela faz parte, ao lado da análise pessoal e do estudo da teoria, do que é conhecido como o "tripé" básico ou fundamental do processo formativo do psicanalista.

Ninguém duvida da necessidade e da pertinência da supervisão,  já que o trabalho analítico caracteriza-se pela solidão e, dificilmente, a análise pessoal poderia dar conta de toda a necessidade de intercâmbio. No entanto, as dificuldades aparecem quando se configura uma situação de aprendizagem em que a supervisão passa a ter um caráter avaliativo e onde o supervisor, e, por trás dele, a instituição em que esta situação se desenvolve,  passa a ter uma função de "controle" do trabalho do analista em formação.

 

 O supervisor é habilitado, assim, para a posição de mestre, validado pela instituição por seu saber e sua experiência clínica, em condições, por sua vez, de validar o trabalho do outro.   

No entanto, se considerarmos esse trabalho do analista desde o ponto de vista da estrutura ou da lógica própria da situação analítica, veremos que o que habilita o supervisor para realizar sua tarefa ou cumprir sua função não é seu saber da teoria nem seu conhecimento da técnica,  mas a sua posição "estratégica", poderia se dizer é que o situa melhor para ver os escolhos nos quais tropeça o analista em supervisão.

 

 Isto vale não só para aquele que está começando, como para quem já tem uma experiência razoável. Não se quer valorizar, com isto, a idéia de uma "formação permanente" - esta tem indubitavelmente seu valor -  mas enfatizar aquela outra segundo a qual a psicanálise deve considerar-se como uma "prática com escolhos, permanentemente" e na qual outros analistas podem , sempre, ter um papel significativo.

 

Nos deparamos aqui com diversas questões, derivadas da colocação de um analista ou de um conjunto deles, em um lugar de saber. Há de se esperar,  por simples dedução, que se estabeleçam fenômenos de transferência.

Em torno desta última, se abrem múltiplos  aspectos a considerar. Estes vão desde o enriquecimento e eficácia da supervisão, a partir, justamente, do desenvolvimento de uma transferência, que pode chamar-se de trabalho,  pela qual se facilita a emergência de efeitos de inconsciente no discurso do supervisando que possibilita insights significativos com relação à sua contratransferência, até a presença de uma transferência em função resistencial de conseqüências negativas. 

 

Uma destas conseqüências eu chamaria de a configuração de um "superego psicanalítico" dos supervisandos, tomados pela preocupação do dever ser analistas e deixando de lado, muitas vezes, suas próprias percepções. Em um trabalho anterior, dizíamos, nesse sentido,  que "o psiquismo humano - nosso e de nosso paciente - tende à busca de uma certeza amparadora, chegando ao risco de desejar a submissão, com a ilusão de proteção e garantia de um outro idealizado. Isto pode chamar-se "a teoria" ou "o Mestre" ou "na clínica acontece". Também sabemos que a teoria, a clínica,  nossa análise e aqueles que alguma coisa ou muito nos ensinaram são nossas referências, nossos pontos de certezas provisórias, a partir dos quais perguntar, duvidar e recriar nossa prática"(1).

 

História da  supervisão

 

Desde o início da prática psicanalítica precisou-se falar dela. O modo de fazê-lo, o perfil e papel dos partícipes e o contexto da interlocução foi variando com o tempo.

De um ponto de partida espontâneo, motivado pela necessidade de intercâmbio, se chega, através de um  processo de institucionalização da psicanálise, que tem seus acontecimentos marcantes na fundação de Associação Psicanalítica Internacional, em 1910, e do Instituto de Berlim na década seguinte, a um predomínio da supervisão como requisito regulamentado do processo formativo e  habilitador do analista.

 

Vejamos como Alain de Mijolla descreve esta evolução, traçando alguns quadros representativos de seus diferentes momentos :

 

·              1a. fase - 1883, Breuer e Freud: um mestre conta um caso exemplar a um aluno que o escuta e se instrui, não sem julgá-lo.

·              2a. fase - 1900, Freud e Fliess: dois profissionais trocam suas experiências clínicas, suas descobertas e suas andanças.

·              3a. fase - Steckel e Freud: o aluno confia seus problemas clínicos a um mestre idealizado, de quem espera, não sem ambivalência, auxílio.

·              4a. fase - Jung e Freud: um aluno psicanalista pede auxílio contratransferencial a um mestre psicanalista.

·              5a. fase - era "institucional" (criação da POLICLÍNICA PSICANALÍTICA DE BERLIM) (2). Se estabelece a exigência de supervisão considerada como uma etapa da formação e como uma condição necessária "à reprodução da espécie analítica" (Max Eitingon). Acrescenta-se à "análise didática" a problemática da "análise de supervisão" (ou "de controle"), que vai transformando-se  pouco a pouco em peça-mestra da passagem do estado de aluno-psicanalista ao de Psicanalista (com P maiúsculo).

Esse processo de institucionalização gerou questionamentos desde o início. Hans Sachs afirmava que ali onde têm organização, a investigação se ressente. Toda organização aponta à perpetuação de sua própria existência.

 

É essencialmente conservadora. Ela tolera mal, em conseqüência, as mentes criadoras e a pesquisa que levam, sempre, à dianteira do novo (3). Para Eitingon, no entanto, corresponde ao instituto psicanalítico não somente garantir que a prática de tal analista se deva à sua formação,  como dizer quem é psicanalista e quem não o é. O instituto é responsável pelo analista perante o público, o qual deve proteger. Trata-se de uma concepção de instituto que se preocupa não com a existência da psicanálise mas com seu estatuto profissional e com a defesa (corporativa) desse estatuto perante os não qualificados e os "impostores".(4).

 

Esta posição se estende a todas a filiais da IPA que vão sendo criadas nos diversos países, ao longo do século. De fato, tanto nelas como em outras organizações de psicanalistas, a supervisão continua sendo algo aceito como necessário na formação dos analistas, mas não é sempre nem em toda parte que se pensa  e se discute com liberdade quais são as variantes possíveis ou qual é o melhor modo de inseri-las no processo formativo.

Cabe perguntar-se, por exemplo, como foi afetado o modelo instituído de supervisão pelas mudanças resultantes dos fortes processos de crítica institucional, reforma, cisão, re-agrupamentos etc., que vêm atravessando o movimento psicanalítico nas últimas décadas.

 

De fato, uma das características dessa época  consiste, inclusive, no desenvolvimento de processos de formação não institucionalizados, cujo caráter informal não implica necessariamente na ausência de critérios e, especialmente, de filiações. Poderíamos acrescentar, assim, uma nova fase a aquelas postuladas por Mijolla, em que as configurações e contextos são variáveis.

 

 Em alguns casos, por exemplo, em que a crítica político-institucional conduziu à abolição da "análise didática", liberando assim a análise do analista do controle e administração pela instituição, incompatíveis com a lógica e a ética do processo analítico, as atividades regulamentares de supervisão, entre outras, parecem ter sofrido uma hipertrofia "vicariante" em funções de controle e autorização, que conspira, às vezes, contra a  soltura e criatividade de que poderiam usufruir.

 

Um quadro da situação atual das sociedades psicanalíticas da FEDERAÇÃO EUROPÉIA, elaborado por SIMONE DECOBERT e GILBERT DIATKINE (5), demonstra que todas elas concordam nos seguintes pontos referidos ao caminho a percorrer para ser psicanalista:

 

1.            necessidade de uma prática profissional anterior;

2.            necessidade de uma análise pessoal de longa duração;

3.            possibilidade de uma avaliação analítica dessa análise;

4.            necessidade de várias supervisões e inúmeros seminários;

5.            possibilidade de uma avaliação analítica das primeiras;

6.            necessidade de um seguimento analítico do conjunto da formação.

 

A análise didática do candidato descreve-se como "privada" ou "pessoal"; ao mesmo tempo que se define como susceptível de "avaliação analítica", ficando, no fundo, indefinido o que isso pode querer dizer e o que se deveria fazer a esse respeito. O que acaba sendo feito, por deslocamento, é introduzir a supervisão como uma função menos pessoal, mas externa ao sujeito, mais definida e passível de categorização pelos parâmetros psicanalíticos da instituição. A partir daí, um objetivo ilusório fica colocado: fazer um seguimento analítico -  uma espécie de análise de controle total, ironiza Saphouan - do conjunto da formação.(6)

 Sem dúvida, a relação instituição-supervisão é o ponto de partida para uma considerável quantidade de problemas e, também, de elaborações interessantes a esse respeito.

 

Concepções da supervisão

 

Dentro da atividade de supervisão podem perfilar-se posições ou modalidades diferentes, que configuram tendências ou predomínios mais do que tipos puros.

 

1.            Dar prioridade ao aspecto formativo, onde o supervisor, a partir do relato dos sintomas, discurso e história do paciente, visualiza a abordagem clínica que o psicanalista está fazendo, tentando delimitar e transmitir os elementos característicos do método analítico, que permitem diferenciá-lo de outros modos de ação psicoterapêutica (aconselhamento, esclarecimento, apoio, etc.).

 

Segundo L. Grinberg (7), centrar-se excessivamente no paciente prescindindo do analista, como desvio possível desta posição, poderia conduzir a um apagamento da produtividade do analista - o analista sempre tem uma teoria implícita sobre o paciente – fomentando, assim, uma aprendizagem por imitação. O supervisor, prevenido com respeito a esta possibilidade, pode complementar ou  redirecionar suas intervenções. Considerando este problema,  M. Manonni afirma que "o supervisor deve ajudar o analista a tomar consciência das referências com que ele funciona, a colocá-las em confronto com outras referências, ajudando-o a encontrar um estilo próprio que não seja pura imitação da habilidade de um outro"(8).  Mas é recomendável, também, fazer várias supervisões com diferentes analistas para evitar ficar muito identificado com o estilo de um só analista.

 

2.            Dar prioridade à contratransferência, já que a análise não pode ser concebida como uma técnica em si mesma,  com uma sucessão de atos preestabelecidos, mas como um processo cuja direção depende da contratransferência do analista. O supervisor centra sua atenção nas intervenções do mesmo, nas suas interpretações, no "manejo" do enquadre etc., tentando entender o que se passa no inconsciente do analista, seus "pontos cegos' e as características e vicissitudes da sua contratransferência.

 

O desvio a que está exposta esta segunda posição consistiria em entrar em demasia nos conflitos do analista supervisionado, ocupando um lugar que estaria reservado à análise pessoal.  É possível que esta linha se inspire, de fato, no que Maud Manonni designa como "a posição húngara", que visa acentuar primordialmente a análise da contratransferência do candidato sendo a supervisão conduzida pelo analista didata do mesmo"(9). Neste caso, o inconveniente, para ela, residia em que o candidato dependia totalmente de um único mestre. Como sabemos, a corrente psicanalítica lacaniana tem reatualizado essa prática da supervisão pelo analista do analista; cabendo perguntar-se como contornam ou enfrentam o problema do "único mestre", entre outros.

 

Na história da supervisão,  segundo esta autora, a posição que se lhe contrapõe é a berlinesa: a supervisão-controle, em que "o supervisor se sente responsável pelo paciente, exerce uma função de vigilância". Reencontramos aqui a problemática da relação supervisão-instituição,  que consideramos anteriormente.

 

Lacan articula a posição a respeito da supervisão com a questão da autorização. Em outubro de 1967, ele sustenta que o analista só se autoriza por si mesmo, no fim da sua análise. Quem há terminado sua própria análise pode-se autorizar e, em conseqüência, não precisaria uma análise de controle. No caso deste ser pedido, o analista demandado convidaria ao demandante a prosseguir sua análise interrompida, para não ser cúmplice de uma "cegueira" resistencial.

 

Existe dentro da corrente lacaniana, uma discussão entre posições favoráveis e contrárias à supervisão. P. Julien relata que nas supervisões, Lacan evitava transmitir um saber constituído, não indicando uma maneira adequada de proceder. "Ele tratava de descobrir o meu próprio estilo" (10). Brincando, seguramente, com a palavra "supervisão" (que ele mesmo tinha proposto para substituir a palavra "controle" ), Lacan propunha chamar esta atividade  de "superaudição" e isto não porque o analista supervisor viesse a realizar uma "auditoria" do que o analista em supervisão dizia ter escutado do paciente.

 

Muito do que vem sendo pensado no esforço de conceitualização da supervisão gira em torno do papel e da qualidade da transferência que aí se estabelece, como apontamos no início deste trabalho, colocando-se  em questão as semelhanças, diferenças e conexões com o trabalho realizado na cura psicanalítica.

 

Se as diversas interações transferenciais que entram em jogo são concebidas  como sendo do mesmo tipo, a supervisão não se diferencia de uma análise senão pela posição que ocupa em relação as outras interações transferenciais (com o paciente, com o analista). No fundo, o efeito analítico derivaria da posição de terceiro em todos os casos, o que nos leva a pensar que o escolho principal sobre o qual se operaria seriam justamente os pontos de cristalização dual narcísicas dessas transferências.

 

Mas pode-se pensar, como já foi visto, em uma transferência "de trabalho" do tipo que se desenvolve em outras situações de aprendizagem, que possibilita, no entanto, o recurso ao método psicanalítico para pesquisar elementos contra-transferenciais, hipóteses ou construções em estado nascente etc.. Diferentemente da situação analítica, há uma mobilidade que não conduz ao estabelecimento de uma neurose de transferência, nem se realiza, obviamente, a partir dos elementos sintomais emergentes, um trabalho de re-significação  e ligação com a neurose infantil nem com as conjunturas significativas da história. Mas não deixa de ter, por momentos, um efeito de implicação que faz levar questões para a análise pessoal.

 

Antes de abandonar este ponto, farei o relato de uma situação, que pode ilustrar um dos modos de operar na supervisão:

"Paciente de 40 anos, de classe média baixa, atendida no consultório particular por um preço menor para a analista mas ainda alto para a paciente, que paga por sessão. Vínculo de trabalho que já dura três anos.

Tem dois filhos, de 12 e 15 anos, tidos com um homem mais velho, casado e de condição sócio-econômica superior à sua. Nunca mais teve contato com ele e, até agora, mantém a ilusão de reencontro e de recuperação do romance, apesar dele estar chegando aos setenta anos.

Não trabalha regularmente, sendo sempre ajudada por diferentes pessoas ligadas a espaços comunitários (igreja, evangélicos, etc.).

 

Morava, ultimamente, com um taxista homossexual, com quem não mantinha relações para além das de conveniência. Para ele, provar que não era homossexual; para ela, a quantia de 10 reais ao dia e certa proteção, porque o bairro onde moram é muito violento.

Sempre tenta tirar alguma vantagem da terapeuta: água, café, bolachas ou balas  que leva, da sala de espera, para os filhos. Em outros momentos, diz estar sem dinheiro para o ônibus. Poucas vezes a analista teve que ajudá-la de forma concreta.

A situação que me parece importante, como exemplo do trabalho de supervisão, refere-se à mudança de endereço do consultório da analista. É a primeira sessão após a mudança.

A explicação geográfica dada para paciente seria apropriada para quem fosse de carro para o novo endereço.

 

Consequentemente, indo de ônibus, a paciente erra nas indicações e perde uma parte da sessão. Entra afobada, apressada e dizendo que na casa dela estão trabalhando várias pessoas do bairro, em mutirão, para fazer algumas reformas. Diz, também, que trabalhou intensamente no dia anterior fazendo comida para eles e que hoje deveria voltar logo para lá, pela mesma razão. Está muito incomodada com a poeira - continua a paciente - que a perturba constantemente e a deixa com a "vista enevoada".

A analista, que tinha pensado várias vezes, antes da paciente chegar, qual seria o efeito que o novo consultório produziria nela, surpreende-se um pouco com o fluir dos acontecimentos, mas não diz nada.  A paciente encurta ainda mais a sessão, justificando-se com a necessidade de preparar a comida.

 

Como supervisora, também fico surpresa percebendo o quanto tinha acontecido de cada lado e quão pouco contato foi feito.

 

A imagem que me foi passada é que a paciente chegou envolvida na sua "poeira", soltando algumas críticas (como a referida explicação quanto à localização do consultório), e saiu como entrou: tentando não tomar contato com a realidade da mudança da sua analista. O recado pareceria ser: "você espere, esta é a minha vez". A analista, por sua vez, ficou frustrada, não achando brechas para se colocar interpretativamente.

 

Foi trabalhada, em cima desse material, a "surdez" complementar ao não querer "ver" da paciente e quanto, para essa mulher, fazer análise cumpria uma função emblemática de status, equivalente a estudar inglês (coisa que faz há anos sem que tenha nenhuma relação de utilidade às suas possibilidades futuras de trabalho).

 

Vimos como nessa sessão foi estabelecido um acordo tácito de não encontro por parte da paciente, para não se haver com sentimentos de inveja (que, no entanto, não deixam de manifestar-se como sensações de "vista enevoada") e por parte da analista, para não ter que enfrentar mais pedidos e exigências da paciente cuja significação ronda, provavelmente, os "pontos cegos" dela.

 

A paciente tem uma atitude frente ao mundo, segundo a qual, todos estão lhe devendo algo. Esta atitude perpassa a relação analítica, sendo que a analista sente-se melhor situada que a paciente, experimentando a dor de vê-la enfrentando certas  situações.

 

O problema a ser encarado na supervisão, consiste em encontrar uma via de reflexão em relação a essa repetição que, ainda sendo necessária, pode paralisar a produção de um trabalho elaborativo entre as duas, impedindo que cada uma fique envolvida em sua própria poeira."

 

Formação e supervisão num projeto singular

 

O projeto psicanalítico formativo e associativo que se desenvolve no Instituto Sedes Sapientiae desde 1976, com a criação do Curso de Psicanálise (inicialmente denominado de "Psicoterapia de Orientação Psicanalítica") seguida da fundação do Departamento de Psicanálise, em 1985,  tem características que testemunham  o impacto dessa época de questionamento e reformulação institucional a  nível mundial, associada ao plano local com o impulso dado pelos ideais antiautoritários e de justiça e transformação social que acompanham e sustentam ideologicamente a luta pela democratização do país e a  reconstrução e avanço da cidadania.

 

A psicanálise do analista em formação se mantém como condição fundamental, mas eximida de qualquer regulamentação administrativa ou função avaliativa, sendo a escolha do analista totalmente livre, podendo dirigir-se ou não a membros da instituição.

Na organização das outras atividades prevalece uma concepção grupal tanto de supervisões como de seminários teóricos, uma distribuição igualitária de funções, e uma estratificação formal mínima (alunos e professores), que desaparece na estrutura organizacional do departamento. Este, por outro lado, inclui entre seus objetivos prioritários o de ser um espaço de formação permanente.

 

Nesse projeto, conotado como sistemático ao mesmo tempo que inovador, as supervisões ocuparam um lugar numericamente importante no planejamento das atividades, sendo reformuladas várias vezes ao longo do tempo. Sem entrar nos detalhes dessas reformulações, cabe assinalar que essa atividade recebeu, e continua a receber, um forte investimento por parte de seus protagonistas, e é fonte de enriquecimento, satisfações, aprendizagem  e reconhecimento para todas as partes envolvidas, sendo este o elemento básico que compensa o esforço de processar as demandas de avaliação, autorização e certezas que, sem ser  incessantes, não deixam de aparecer periodicamente.

 

Inicialmente, e por um longo tempo, se programaram supervisões grupais de duração anual ao longo de todo o curso, inserindo-se posteriormente supervisões individuais regulares.

 

Algumas características

 

Esta conformação grupal da supervisão lhe conferiu características peculiares. As diferenças com o modelo individual levou a que alguns proponham  considerá-la seminário teórico-clínico, grupo de discussão clínica, etc.. A experiência e as elaborações conseguintes, os efeitos na clínica , as discussões teóricas e a qualidade da aprendizagem realizada nos levam a ratificar sua condição de  supervisões psicanalíticas.

No contexto deste trabalho, os traços que dão forma prática e conceitual à supervisão psicanalítica, em sua articulação com a formação e a instituição, se fazem presentes em grau e proporções variáveis. Pensamos que a grupalidade confere a essa atividade uma dinâmica e, também, um dinamismo, bastante especiais.

Seria errôneo, em conseqüência,  pensar que a programação de supervisões, assim como de outras atividades, em forma grupal, deveu-se exclusivamente a razões práticas motivadas pelo propósito de torná-las economicamente acessíveis, em função de um modelo menos elitista.

 

A psicanálise na América Latina tem uma forte marca do grupal, proveniente das experiências terapêuticas grupais, o desenvolvimento da metodologia de grupos operativos, os grupos de pesquisa  e as intervenções de "análise institucional" etc.. Uma parte importante do que se processou como crítica institucional e reformulação das relações de poder no interior das instituições psicanalíticas e no desenvolvimento de projetos alternativos, teve como ponto de partida e impulso, a ampliação e a criação de espaços coletivos. A consideração destes aspectos e o exame da produção escrita respectiva excede os objetivos desse trabalho. Mas importa observar que não se trata de um fenômeno "regional" nem é nova a questão no interior da psicanálise. "Psicologia de massas e a análise do eu", escrito por Freud em 1921, não só abriu o horizonte para um estudo psicanalítico profundo dos fenômenos grupais, como também recolheu muito, apesar de não explicitá-lo, do que ele aprendeu na experiência do movimento psicanalítico.

É difícil situar o momento em que apareceu a supervisão grupal como parte da prática regular dos analistas. Podemos perguntar-nos, seguindo o modelo dos "momentos representativos" de Mijolla (11), se teriam as "reuniões das quartas feiras" na ante-sala  do gabinete de Freud, uma função deste tipo.

                                                               

Supervisões grupais e individuais

 

A supervisão grupal tem vários aspectos positivos, desde escutar a apresentação de diversos pacientes até ver o supervisor atuar em diversos casos. Existe a possibilidade, em um tempo relativamente curto, de receber toda essa variedade de material e de ver uma pluralidade de modos de abordagem. Quando o grupo não é muito numeroso, a possibilidade de conhecer os integrantes da supervisão e seu trabalho aumenta em forma considerável. Pessoas com menor tempo de experiência podem aproximar-se e configurar um espírito de grupo que facilite as participações dos integrantes e a realização do trabalho.

Podem manifestar-se fenômenos que apontamos como obstáculos de tipo resistencial na forma de idealizações do supervisor do grupo, sobreinvestimentos normativos  do  enquadre terapêutico com condenação aos "infratores", intolerância frente às diferenças teóricas ou técnicas ou fetichização das linhas e dialetos teóricos. Fenômenos, enfim, a partir dos quais as questões que fomos delineando nas diversas concepções da supervisão em psicanálise, podem  passar  a  ser pensadas com os conceitos da "psicologia de massas" ampliando,  assim, sua perspectiva.

 

Em nossa opção por incluir a  supervisão individual  como atividade regular do percurso formativo do Curso de Psicanálise, se pensou que esta modalidade permite captar de um modo mais próximo os problemas da contratransferência,  o que fica mais difícil no grupo, onde cabe ao supervisor um trabalho de delicado equilíbrio nesse sentido. Também, possibilita o acompanhamento por períodos maiores de um único paciente, permitindo aprofundar a compreensão do conceito de processo analítico.

 

Mas não estão ausentes, também, em ambas as partes, as expectativas de avaliação a partir de um conhecimento e seguimento "mais de perto" do trabalho do analista em formação, o que implica na necessidade de elaboração e reelaboração das questões relativas a poder, autorização, reconhecimento, responsabilidades etc., que os processos de institucionalização da psicanálise, tendem, como vimos, a suscitar.

 

Para finalizar, gostaria de  marcar  um aspecto do que é possível concluir a partir do caminho percorrido neste trabalho. A vivência de solidão que consideramos na introdução, como algo inerente à prática psicanalítica pode dever-se, pelo menos em parte, a uma tendência a abordar seus fundamentos, e os do processo que conduz à  formação do analista, em um plano de abstração e de iso1amento, que acabam privando-o de perspectiva.

 Referi-los a um contexto relacional e a uma história permite que o compromisso subjetivo e a responsabilidade individual que, sem dúvida esta prática implica, não sejam uma experiência de solidão, mas a realização singular de uma empresa compartilhada.

 

NOTAS

 

(1)          L.Barbero Fuks e A . Berezin, "Os Ideais do Analista", Percurso nº 4, São Paulo, 1990, p. 32.

(2)          A . de Mijolla, "Algumas Ilustrações da Situação de 'Supervisão' em Psicanálise", in C.Stein e outros, A Supervisão na Psicanálise, São Paulo, Escuta, 1992, p.116-7.

(3)          H.Sachs, "Las Perspectivas del Psicoanálisis", in M.Saphouan e P.Julien, Malestar en el Psicoanálisis, Buenos Aires, Nueva Visión , 1997, p. 117.

(4)          M. Eitingon,  "Discurso Pronunciado en el IX  Congreso Psicoanalítico Internacional" in M.Safouan e P.Julien, Malestar en el  Psicoanálisis, Buenos Aires,  Nueva Visisón, 1997, p. 104.

(5)          S. Decobert e G. Diaktine, "La Formación", in La psychanalyse et l'Europe de 1993, PUF, p. 83, citado em Safouan e Julien, op. cit., p. 32.

(6)          Safouan e Julien, op. cit.., p. 97.

(7)          L.Grinberg,   A Supervisão Psicanalítica, Rio de Janeiro, Imago, 1975, p.11.

(8)          M.Manonni, "Risco e Possibilidade da Supervisão", in C.Stein e outros, A supervisão em Psicanálise, São Paulo, Escuta, 1992, p. 37.

(9)          Manonni, op. cit., p.37.

(10)       Safouan e Julien, op. cit., p. 61.

(11)       Mijolla, op. cit., p. 116-7. 

LUCÍA FUKS

mfuks@uol.com.br

 


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