A CORDIALIDADE COMO MAL-ESTAR OU
A VIOLÊNCIA COMO O RECALCADO
Mériti de Souza
O presente artigo
é uma versão do trabalho apresentado no IV Congresso Brasileiro
de Psicopatologia Fundamental, realizado em São Paulo em abril
de 1999. O trabalho será publicado na Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, em dezembro de 1999.
Introdução.
Como sabemos,
nenhum ato de colonização é pacífico pois não respeita os
valores culturais da terra que se propõe colonizar. A ordem da
violência está presente no ato de colonizar, pois pressupõe a
imposição de valores culturais sobre os valores existentes na
terra colonizada. Geralmente, dois argumentos sustentam a legitimidade
do ato de colonização. O primeiro funda-se na suposição de
que os valores culturais presentes na terra colonizada são de
ordem inferior aos da sociedade colonizadora e, o segundo,
decorrente do primeiro, desqualifica a cultura presente na nova
terra e ao mesmo tempo valoriza os seus aspectos naturais.
Fundamental à tarefa da colonização da terra é o trabalho de colonização da alma. Aqui chegando nos idos de 1540, os padres, em sua maioria jesuítas, tiveram por mister conhecer os objetos de culto local, com o intuito de compreendê-los e destruí-los. A destruição implicava por vezes na adaptação desses ídolos à fé cristã e na sua desqualificação perante o Deus verdadeiro e superior.
É recorrente encontrarmos, nos relatos de viagem de europeus que estiveram nas terras de Santa Cruz nos idos de 1500 e 1600, afirmações sobre a inexistência de qualquer culto ou resquício de fé entre os gentios e pagãos. Sobre os habitantes da nova terra, Nicolas Barré, que acompanhou de 1556 a 1558 a expedição de Villegaignon, afirmou: Tudo me leva a crer que esses nativos são o povo mais bárbaro e estranho que habita sobre a terra. Eles vivem sem conhecimento de nenhum Deus, sem inquietude de espírito, sem lei e sem nenhuma religião[1].
Crendo nesses
relatos de viajantes e retomando nossos padres colonizadores,
podemos suspeitar que a sua tarefa teria sido facilitada por essa
inexistência de cultos, deuses e, conseqüentemente, de organização
social e cultural. Entretanto, o próprio esforço e o relato dos
prelados, levam-nos a suspeitar que a fé, a lei e o rei dos ameríndios
não vestiam a mesma roupa dos europeus, dificultando seu
reconhecimento pelos viajantes, mas não pelos olhos atentos dos
que tinham por ofício enxergar além da roupa e do corpo.[2]
O reconhecimento
do outro é o primeiro passo na trajetória do contato com a
diferença. O lidar com o diferente implica em caminhos
orientados pela constituição identitária dos envolvidos e,
nesse ponto, o olhar etnocentrista prevaleceu no viajante e no
jesuíta. O primeiro negando o estranho, o segundo reconhecendo-o
e pregando a sua destruição, em nome do Deus verdadeiro[3].
No estudo sobre
moralidade e práticas sexuais no Brasil colônia, Ronaldo
Vainfas (1997) afirma que a maioria dos jesuítas enxergou nos
corpos nus dos nativos, no direito do chefe e dos grandes
guerreiros, no caso dos tupinambás, de ter várias mulheres, e
na prática do casamento in natural, apenas frenesi
sexual, poligamia e incesto. Porém, o autor ressalta a existência
da lei indígena no tocante ao casamento e a prática sexual e
que essa regulamentação não era reconhecida pela maioria dos
colonizadores pois chocava-se com os preceitos da Igreja, que
pregava a monogamia e o impedimento da união carnal entre
parentes até o quarto grau consangüíneo [4].
Essa é uma questão
muito discutida, que aponta para o etnocentrismo do europeu e
para aspectos sociais e econômicos associados à dominação dos
legítimos habitantes da terra. Representando-se os nativos como
desqualificados e como bárbaros, tornavam-se tarefa santa e
civilizatória a sua conquista e a sua adesão aos valores
culturais dos colonizadores.
Entretanto, esse
é apenas um dos lados da moeda. Acreditamos que a colonização
no Brasil apresentou uma particularidade pois não encontramos
nela apenas a desvalorização da cultura da nova
terra, mas também a negação dessa cultura através da sua
transformação em elemento de ordem natural. Em
outras palavras, a cultura indígena e o próprio índio foram
representados como extensões da natureza, amalgamados e
integrados à terra, perdendo a primeira a sua condição de
produto da intervenção humana e o segundo o estatuto de sujeito.
Geralmente os movimentos de colonização utilizam-se da violência física, impondo-se pela força, e da violência simbólica, submetendo o colonizado através da desqualificação da sua cultura. O exercício da violência simbólica demanda, para sua operacionalização, a atribuição de um lugar ao outro, implicando no seu reconhecimento, mesmo que seja para submetê-lo. Entretanto, a prática da colonização no Brasil negou a cultura aqui presente e o seu produtor, afirmando a naturalização do índio e da sua cultura, e produzindo uma relação específica entre, de um lado, o colonizador e o outro colonizado e, de outro lado, o colonizador e o outro constitutivo da sua própria representação identitária.
Construções identitárias e sujeito da cultura no Brasil.
Como sabemos, a
crença na identidade como representante do eu e como marco de
uma essência que caracteriza o sujeito revela-se produto da
ordem liberal e moderna, definindo o sujeito da modernidade.
Ginzburg (1992) discute o processo histórico que engendrou a
criação e a utilização da noção de indivíduo e a constituição
da idéia de identidade[5].
A constituição
da subjetividade representada como identidade cumpre amplo papel,
produzindo subjetividades pautadas pela adaptação, facilmente
capturáveis pelo discurso tecnocrático da competência e
embaladas pela crença racionalista de que controlam a si e ao
mundo. Assim temos a crença, construída por uma subjetividade
que se acredita senhora de si, dona dos seus atos, pensamentos e
amores, palco do reinado da soberana consciência.
A psicanálise
questiona esse lugar de coincidência entre consciência e
verdade, falando-nos da subjetividade cindida e de identificações
(Freud, S.,1973a, 1973b, 1973c)[6]. Acompanhando o referencial psicanalítico,
supomos a representação da identidade como uma ficção, pois a
constituição subjetiva acontece a partir de sucessivas
identificações do sujeito com modelos identificatórios,
oferecendo-lhe a ilusão de uma subjetividade linear e contínua
Freire Costa (1986)
releva o fato de que o sujeito se representa como constituído
por uma constante temporal, percebendo seu psiquismo como uma
identidade, tratando-se então esta, de uma ficção necessária
à ação. Nicole Berry (1994) fala no mal-estar causado
pela necessidade de constituição de uma representação que
resolva o problema de ser do sujeito, apontando o sentimento de
identidade como uma resposta a esse mal-estar [7].
Acompanhando as
ponderações dos autores, falaremos em construções identitárias,
representações identitárias, ou mesmo sentimento de identidade,
procurando, dessa forma, marcar o lugar de realidade psíquica
que acompanha essa ficção construída pelo sujeito, ao mesmo
tempo que procuramos preservar a crítica referente aos aspectos
histórico e social, que produzem a organização psíquica
baseada nessa crença.
A partir dessa
perspectiva, entendemos que a construção identitária contempla
uma série de assertivas e de interrogações. As primeiras
referem-se à positividade que caracterizaria uma pessoa e as
segundas referem-se à negatividade dessa caracterização, ou
seja, a definição de uma pessoa implica em ela não ser uma
outra pessoa. O outro aparece sempre como referência à construção
identitária pois a diferenciação em relação ao outro
funciona como organizador e garantia para o sentimento de
identidade. Ainda, a diferenciação pressupõe uma indiferenciação
inicial em relação a um outro.
Na colonização
do Brasil, como pensar esse processo? A diferenciação em relação
à mãe-natureza aconteceria a partir da entrada em cena de um
pai-cultura. Entretanto, em nossa colonização, a especificidade
da indiferenciação diz respeito à identificação com o modelo
do pai-cultura e o modelo da mãe-terra, mediada pela negação
produzida pelo colonizador do pai-cultura-nativo. Nesse processo,
a indiferenciação é permeada pela memória oficial, construída
a partir da narrativa sobre a existência de uma mãe natureza
dadivosa e a inexistência de um pai cultura, o que demanda e
justifica a intervenção do pai europeu para estabelecer a lei,
a fé e a organização social, ou seja, para estabelecer a
cultura.
Ora, qual cultura
o pai europeu trouxe ao filho gentio? A resposta pode ser buscada
no que foi desqualificado no modo de vida do nativo e no que foi
preservado do modo de vida do europeu, ou seja, a que serviu o
trabalho de aculturação do índio, e o que buscava o europeu
preservar.
A negação da
lei, da fé e da organização social presentes na cultura nativa
no Brasil respondem à necessidade da manutenção da representação
identitária do colonizador, sustentada por um ideal de eu
marcado pela valorização da cultura, em detrimento das pulsões,
e pela crença em um Pai que oferecia a vida eterna em troca do
domínio do corpo.
Entretanto, o preço
cobrado pela vida eterna e pela manutenção de uma representação
identitária marcada pela superação da morte e do sofrimento
implicava na manutenção da fidelidade a um único Deus-Pai e na
dominação do corpo, ou seja, da natureza humana com suas
demandas pulsionais. Ora, aos olhos europeus, o gentio exultava
nas suas práticas sexuais e violentas, vivendo seus impulsos sem
culpa. Como suportar uma organização cultural na qual as pulsões
podiam, aparentemente, serem exercidas sem sofrerem uma restrição
tão violenta como na cultura européia e cristã? O colonizador
não suportou confrontar-se com o expurgado da sua representação
identitária, reconhecendo nesse excluído sua demanda por uma
outra relação com a cultura e com o Pai. Principalmente, ele não
suportou a suposta felicidade reinante entre os gentios.
Freud, em um
texto de 1930[8] , fala-nos sobre a renúncia
pulsional como necessária á organização cultural ocidental e
cristã e que, essa renúncia implica na hostilidade dos sujeitos
para com a cultura[9]. O autor localiza um dos motivos
associados a essa hostilidade, na dificuldade e mesmo intolerância
do europeu para com a pretensa felicidade dos nativos encontrados
nas terras descobertas durante as grandes navegações.
Acompanhando o
autor, acreditamos que a reação do europeu, a possível
felicidade dos nativos tupiniquins, e a sua impossibilidade em
alcançá-la sem abandonar sua ordem cultural e principalmente a
identificação operada com os ideais culturais por ela postos,
redundou na desqualificação e negação da cultura indígena.
Assim, a ordem cultural nativa, foi desqualificada e negada,
sendo reconhecida a ordem da natureza, dadivosa e pacífica. Esse
ato inaugural assume repercussões na tradição cultural do país
e na estruturação subjetiva dos descendentes dos gentios, já
que a narrativa e a memória construída sobre a história
brasileira apontam para a identificação do nativo com a
natureza, construindo um lugar diferenciado para a entrada do
sujeito na ordem cultural.
O sujeito se
caracteriza pela sua historicidade, pela história demarcada por
suas experiências imediatas e pela história inserida na tradição
da sua cultura. Inferimos a constituição do sujeito ancorada em
narrativas, aquelas construídas por ele sobre si mesmo e sobre o
mundo que o cerca e aquelas a ele legadas pela tradição
cultural da qual faz parte. A memória construída pelo sujeito
acompanha essas narrativas, de modo a ir constituindo sua
representação identitária através da qual ele vai se
reconhecer e reconhecer o outro.[10]
A narrativa construída sobre a história brasileira e a tradição cultural que a acompanha, assumem lugar de destaque na constituição do sujeito. Assim, interessa-nos saber, qual a ordem de mal-estar promovida pela inscrição do sujeito na ordem cultural brasileira? A angústia do mal-estar na civilização assume qual coloração no cenário nacional?
A cordialidade
como mal-estar.
As publicações
de Raízes do Brasil, de Sérgio B. de Hollanda, em 1936, e de
Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, em 1933, capitais ao
conhecimento da organização da cultura brasileira, ajudaram a
explicitar e disseminar a interpretação, presente no imaginário
nacional, do brasileiro como cordial, avesso a violência, capaz
de aceitar o convívio com outras raças e outros povos,
aceitando o diferente com facilidade. Essas interpretações,
predominantes na tradição cultural nacional, produzem seus
frutos, incluindo a representação do brasileiro como cordial e
avesso a discriminação.[11]
É muito freqüente
na história nacional, quando da organização pela população
de ações reivindicatórias, imediatamente erguer-se uma voz, a
denunciar a intromissão de elementos perigosos ou subversivos. A
justificativa utilizada é a de que o pacífico brasileiro jamais
se prestaria a atitudes de violência ou contestação. Trata-se,
é claro, argumenta a mesma voz, de agitação provocada por
elementos estranhos, sejam eles quais forem. Assim, num discurso
subjacente, se transmite a mensagem que cobra do brasileiro o
retorno à sua cordialidade, ou seja, às suas origens e existência
naturais[12].
Nossa atenção
recai sobre esses elementos estranhos. Por um lado,
pode-se entender que o estranho diz respeito a
características que não compõem a suposta identidade
do brasileiro. Por outro lado, pode-se entender que ele diz
respeito a estrangeiros reunindo em comum o fato de apresentarem
elementos diferenciados aos que constituem e caracterizam o
brasileiro.
Como sabemos, o
excluído tem força fundante na construção das identificações
pois, apesar de apartado da consciência- memória-, ele atua
sobre a própria constituição da memória e da narrativa. A
narrativa elaborada pelo sujeito sobre ele mesmo e sobre as situações
e fatos que o circundam sofre a força do excluído, ainda que
essa força se manifeste sob a forma de negação. Como vemos, o
explícito também diz do excluído, só assumindo esse lugar por
força da sua relação com este último.
O medo do
estranho, do diferente, pode emergir tanto da idéia de perda de
privilégios econômicos e sociais, como da perda da estabilidade
produzida pela ilusão identitária, conseguida através da
manutenção de representações cristalizadas sobre si mesmo,
sobre o outro e o mundo. Assim, a representação que aponta o
Brasil e os brasileiros como uma nação e um povo desprovidos de
preconceitos e aptos a lidarem muito bem com as diferenças,
sejam elas étnicas, econômicas ou sociais, diz muito mais
acerca de uma estratégia construída com o intuito de incutir
nas pessoas a representação de cordiais, avessas à violência.
A relação se estabelece, nesse caso, a partir do seguinte
raciocíno: se o brasileiro aceita muito bem as diferenças, ele
também aceita a diferença social.
Esse contexto
possibilita a produção no país de subjetividades orientadas
pelo dever ser alegre, cordial, por nós denominado
devir carnavalizado. Essas subjetividades seriam
pautadas pelo princípio da cordialidade, constituídas pela crença
que valoriza a exclusão dos redutos do eu da violência e
valoriza a necessidade de o eu realizar o controle de impulsos
violentos. O discurso produtor dessa crença pretende a exclusão
da violência na representação identitária dos brasileiros e
adota a idéia de que ela é nociva e desnecessária ao próprio
movimento da constituição subjetiva.
Entretanto,
acreditamos que a incorporação de uma memória e de uma
narrativa construída a partir da história oficial dá-se pela
interpretação seletiva e parcial. O esquecimento é seletivo,
nunca aleatório, e revela sua eficácia porque, além dos
interesses classistas envolvidos, também atende ao interesse dos
brasileiros em manterem afastadas situações e fatos frustrantes.
Porém, o mais importante, nesse processo, é que a incorporação
da memória oficial sobre a nação, produz subjetividades que se
reconhecem nesse passado e nas representações por
ele construídas.
Visualizamos as
estacas que sustentam a idéia da cordialidade nacional e
percebemos que elas permanecem pois, a cordialidade funciona como
modelo identificatório, produzindo uma representação identitária
valorizada e assumida pela maioria das pessoas. E mais: ela
contrapõe-se ao reconhecimento da extrema desigualdade social
observada no país, servindo como justificativa para
a convivência e a aceitação dessa realidade. Em outras
palavras, supomos que a presença de valores e aspectos a serem
valorizados, faz-se urgente para a manutenção da frágil auto
estima dos brasileiros. Assim, o processo de idealização da
cordialidade entra em cena, negando outros aspectos, como a
organização social, que poderiam conturbar ou desalojar a
consistência do valorizado.
Em suma, supomos
o lugar de recalque ocupado pela violência na memória nacional,
redundando na produção de modelos identificatórios associados
à cordialidade e na representação identitária do brasileiro
como pacífico e avesso a ações contestadoras e discriminatórias.
Entretanto, as práticas sociais presentes em nossa história
apontam para inúmeras manifestações e experiências que
atestam a presença e o uso da violência.
Assim, reconhecendo a atuação da violência na história nacional e na vida da maioria das pessoas, teremos que assumir o fracasso da injunção do devir carnavalizado? Não necessariamente, pois supomos a violência assumindo diferentes caminhos, sendo a cordialidade um dos possíveis. Nossa pergunta recai sobre os outros caminhos seguidos pela violência em nossa história. A quais representações as pulsões agressivas se ligaram [13]? Nossa suposição é a de que a representação do brasileiro como cordial responde por um desses caminhos. Além disso, acreditamos que uma outra trajetória indica o exercício da dominação como manifestação da violência e do impulso agressivo.
A dominação
como forma de manter a representação identitária.
A dominação é
uma marca recorrente em nossa história. Inúmeros autores nos
informam que o exercício dessa prática marcou as relações no
Brasil Colônia, atravessando a República e mantendo-se na
atualidade. As relações de domínio, quer sobre o índio, o
negro ou sobre o trabalhador livre, quer sobre o par amoroso,
constituem-se em experiências marcantes em nossa vida cultural e
social explicitando que, nas relações sociais ou nas relações
sexuais, encontramos o desejo de dominação do corpo do outro[14].
Segundo Ronaldo
Vainfas (1997), a rudeza e a falta de honra, atribuída às índias
e negras pelos portugueses, serviu de argumento para a sedução
e a sujeição a que elas foram submetidas. O autor afirma que o
argumento sobre a nudez dos índios, que revelaria
sua luxúria e incitaria os colonizadores, não se sustenta pois,
na Europa quinhentista, a nudez era comum em algumas situações,
como na prática de banhos coletivos. Além disso, o domínio do
senhor sobre o escravo, apesar da exuberância dos signos da
posse e do lugar ocupado por cada personagem na relação,
necessitou cada vez mais de um número infindável de signos que
reafirmassem esses lugares. Assim, Alencastro (1997) nos relata
que em 1858, apareceu na Praça do Comércio um branco de olhos
azuis e cabelos louros, solicitando dinheiro para comprar sua
alforria. Os presentes se escandalizaram e não acreditaram na
existência de um escravo branco. Depois de ele confirmar sua
condição, imediatamente foi levantada a quantia de 1600 contos
de réis para garantir a liberdade do cativo, tamanho o mal-estar
que essa situação causou nos presentes[15].
Nas situações
apontadas acima, a necessidade de manutenção da representação
identitária mobiliza o restabelecimento do lugar ocupado pelos
sujeitos em relações marcadas pelo exercício da dominação. A
atração pelo nativo, justificada pelo colono a partir da exibição
do seu corpo, revelaria não tanto o estranhamento do português
frente ao corpo nu, mas a dificuldade em manter a demarcação
das diferenças esmaecidas no contato sexual. Assim, a
necessidade de mediar esse contato através do domínio desse
corpo. Ainda, a intolerância ao se encontrar alguém detentor de
uma característica -cor da pele-, que supostamente garantiria um
lugar na relação senhor e escravo, desestabilizou a construção
identitária demarcada por esses lugares, obrigando os presentes
a repararem rapidamente essa situação. Essas situações
explicitam, tanto a dificuldade do europeu em sustentar a sua
representação como aculturado, cristão, e superior, frente ao
desejo despertado por uma índia ou uma negra, quanto a
dificuldade, vivenciada séculos depois, por brasileiros em
manterem sua representação como superior e livre, frente a um
branco na condição de escravo. No primeiro caso, a garantia da
ficção identitária foi oferecida pelo argumento de que o
desejo não emanava do europeu, mas sim era produzido por
uma fonte externa, pela lascívia do outro. No segundo caso,
a garantia era oferecida pela justificativa de que a escravização
era exercida sobre um inferior, marcando-se assim a diferença em
relação ao senhor branco.
Como vemos, a
crença de que se sucumbia a prática da dominação, nas relações
sexuais e sociais, frente a um outro coisificado,
buscava garantir o estranhamento na relação de domínio,
sustentando-a. A coisificação do escravo e do nativo (índio e
negro), e a instrumentalização do seu corpo e do seu desejo,
explicitavam o domínio como um exercício extremo de manutenção
da identidade. Ou seja, as relações entre construção identitária
e dominação, dizem respeito à manutenção da identidade, já
que o exercício da instrumentalização do outro pode funcionar
como recurso extremo para marcar a diferença entre dominador e
dominado [16].
Outrossim, a
cordialidade, ao forjar uma representação identitária que se
esquiva de lidar com a violência, funciona procurando anestesiar
o sofrimento psíquico gerado pelo mal-estar causado pelo
confronto do sujeito com esse conteúdo. Ou seja, o recalque da
violência na memória nacional procura dar conta do mal-estar
causado pela exacerbação de práticas violentas, funcionando a
cordialidade como contraponto dessa exacerbação.
A constituição
identitária associada a uma ordem cultural, que estabelece no
discurso fundador a coisificação do seu sujeito,
através da sua naturalização, conforme discutimos
anteriormente, produz seus frutos. Por um lado, a dominação
como forma de marcar identidade, dermarcando um sujeito desejante
que necessita controlar seu objeto, possuí-lo, para preservar
seu lugar diferenciado. Por outro lado, a cordialidade como forma
de sustentar um lugar identitário valorizado. Construções
complementares: o cordial, que reconhece e aceita o
estranho e o dominador, que não reconhece e coisifica o outro.
Duas refrações de um mesmo caleidoscópio, refletindo a luz da
violência recalcada.
Nós, profissionais, marcados pelo recalque da violência
[17] .
Constituímos uma
cultura e nos constituímos em uma cultura que produz a
cordialidade e a dominação como expressões do recalque da violência.
A entrada na ordem cultural orientada por esses caminhos seguidos
pela violência marca a nossa constituição identitária. Assim,
em nossa vida profissional (e claro, na nossa vida cotidiana),
elaboramos representações sobre o outro e sobre seu sofrimento,
marcadas por essa tradição cultural.
Em outras
palavras, pressupondo uma cultura produtora de modelos
identificatórios marcados pelo recalque da violência, e a
dominação e a cordialidade como produtos desse recalque, quais
as repercussões desse contexto em nossa subjetividade e,
consequentemente, em nossa prática profissional? A
institucionalização de práticas marcadas pela hierarquização
e pela adoção acrítica de teorias orientadas por modelos
definidos a priori, a necessidade de resguardar a universalidade
da constituição psíquica, sacramentando um modelo atemporal de
sujeito, poderiam definir um lugar de domínio sobre o outro.
Lugar simbólico de usufruto do sofrimento e do corpo do outro
que, à mercê do discurso psicoterápico ou psicanalítico, tem
seu corpo e seu desejo submetidos à doutrina do profissional [18].
O domínio sobre
o saber que o outro produz sobre si mesmo e sobre o mundo, é
apropriado, ou pretensamente apropriado, por teorias e por
profissionais que se arvoram em conhecedores a priori do
funcionamento psíquico do outro, supondo deter as respostas às
suas angústias. O saber construído sobre a universalidade do
psiquismo e sobre uma teoria e uma técnica que conhecem e
dominam a estrutura psíquica, funcionam como tentativas de
aplacar a angústia gerada pelo não saber sobre a singularidade
do sofrimento de cada um (e possivelmente sobre o próprio
sofrimento).
Além disso, o
saber aprioristico responde ao medo de se ver dissipada a
identidade do profissional, que supostamente garante o saber
sobre o outro e sobre si mesmo. O deixar-se afetar pelo outro,
produzindo conjuntamente conhecimento sobre o sofrimento, implica
na tolerância para suportar o desconhecimento sobre o outro a
nossa frente e sobre o outro que nos habita.
Por seu turno, a
extrema cordialidade pode ser encontrada em práticas psicoterápicas
que oferecem a visão do sofrimento como partilhada e anulada no
convidativo carnaval de hapennings realizados em finais de semana
em paradisíacas fazendas e hotéis. Mesmo no discreto consultório,
o relacionamento informal e acolhedor substitui o trabalho da
escuta clínica pelo da conversa superficial. Parodiando Hannah
Arendt[19], quando esta nos fala da banalização do
mal, a banalização do sofrimento pode configurar-se como um ato
de extrema violência. Assim, práticas que se deixam seduzir
pela idéia da cura fácil oferecem-nos a visão do
sofrimento esvaindo-se do corpo e da alma após a receptiva e
calorosa acolhida por parte do profissional.
A necessidade de
categorizar o sofrimento à nossa frente (e aquele que nos habita)
ou a necessidade de banalizar esse sofrimento, não seriam
sintomas da nossa entrada em uma ordem cultural marcada pela
cordialidade e pelo domínio? A dificuldade de alguns
profissionais em reconhecerem e lidarem com a transferência e
com a contratransferência, bem como a sua insistência em manter
a concepção de subjetividades universais e técnicas e teorias
estandardizadas, não seriam outros exemplos da mesma situação?
A própria
dificuldade da crítica ao instrumento de trabalho pode
acompanhar essas situações. A adesão irrestrita a alguma
teoria ou escola produz uma visão de mundo a partir da eleição
de um conhecimento capaz de suturar a marca da castração, e
aplacar a angústia produzida por essa condição. Essa maneira
de lidar com o saber psicanalítico e psicoterápico, implica a
produção da crença de um solo comum, que delimitaria e
caracterizaria as diversas correntes e as práticas analíticas [20].
Acreditamos que a
intervenção do profissional da saúde mental, implica na escuta
do outro e do seu sofrimento. Assim, ela pressupõe o trabalho
com a transferência e a contratransferência, bem como o
trabalho ancorado na produção de um saber conjunto sobre o
sofrimento psíquico, produzido pelo profissional e pela pessoa
ou pessoas atendidas [21]. Essa prática demanda o reconhecimento de
um sujeito singular e das suas relações com a tradição
cultural na qual encontra-se inscrito. Quais possibilidades se
abrem para essa área de conhecimento, orientada pela posição
ocupada pelo profissional e pelo saber, frente a ordem cultural
nacional e seus modelos identificatórios? Como pensar a
disseminação e implantação das práticas de saúde mental?
Salientamos que
nosso intuito não é ser contra ou a favor dessa ou daquela prática
psicoterápica mas, antes, discutir as demandas por essas práticas
e suas relações com a construção identitária e com os
modelos identificatórios presentes em nossa cultura. Interessa-nos
perguntar pelo trabalho com a transferência e com a
contratransferência que demanda a construção de um saber sobre
o sofrimento psíquico, implicando na tolerância do profissional
para com seu não-saber. Nessa posição, a construção de novos
sentidos para as experiências mobilizam o sentimento de
identidade, gerando medo nos envolvidos no trabalho com a
subjetividade mas, ao mesmo tempo, possibilitando-lhes
inscreverem-se em novas ordens simbólicas, produzindo novas
narrativas sobre si mesmo e sobre o mundo.
Não pretendemos responder a essas questões e nem acreditamos que exista uma resposta, no sentido de estabelecer uma solução. Interessa-nos reconhecer e problematizar as diferentes tradições culturais e, consequentemente, as tradições psicoterápicas e psicanalíticas. Interessa-nos ainda, perguntar sobre as relações entre a constituição identitária do sujeito e sua prática profissional, pois o trabalho clínico demanda o contato com o nosso sofrimento para podermos reverberar e escutar o sofrimento do outro.
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NOTAS
[1] A esse respeito ver artigo de França, J.M.C. A terra feliz sem lei nem rei. In: Folha de S.Paulo, Caderno Mais, 28 de dez. de 1997, p. 5-12.
[2] A literatura discute e aponta a presença da religiosidade e de cultos messiânicos e místicos entre as tribos indígenas nos séculos XV e XVI. A esse respeito consultar VAINFAS, R. Idolatrias luso-brasileiras: santidades e milenarismos indígenas In: VAINFAS, R. (org.) América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992; QUEIRÓZ, M. I. P. O messianisno no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.
[3] Assim, os olhos atentos dos padres enxergaram, mesmo que por dever de ofício e a contragosto, seu confrade, o Pajé, cumprindo a função de intermediar o contato entre a Divindade e o homem, e discerniram o mito do herói civilizador e legislador Jurupari, senhor do culto mais vasto, comum a todas as tribos, filho e embaixador do Sol, nascido de mulher sem contato masculino, reformador, regenerador, de rito exigente, e de precauções misteriosas. CASCUDO, L.C. Geografia dos Mitos Brasileiros.Brasília: José Olympio, 1986.
[4] VAINFAS, R. Moralidades brasílicas. In: História da vida privada no Brasil- cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
[5] Segundo Ginzburg (1992), a noção de identidade e de individualidade veio cumprir uma função na nova ordem econômica capitalista, no sentido de fortalecer o poder estatal que estabelecia um controle qualitativo sobre as pessoas, localizando-as e identificando-as a partir da determinação de traços específicos e únicos que as caracterizariam. Tratava-se de uma forma de exercício de poder e de controle. GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais. S.P.: Companhia das Letras, 1992.
[6] A discussão sobre a questão da identificação acompanha a obra freudiana. Podemos salientar os trabalhos Introduccion al narcisismo, de 1914 e Duelo y melancolia, de 1915, nos quais o autor discute que a escolha objetal do sujeito -no caso, a narcísica- relaciona-se às suas identificações com objetos anteriores e que, na melancolia, o sujeito incorpora o objeto, existindo uma identificação entre sujeito e objeto perdido. Quando da elaboração da segunda teoria do aparelho psíquico, encontramos o trabalho Psicologia de las masas y analisis del yo, de 1921, onde o autor discute a existência de três modalidades de identificação, apontando-nos que a identificação geralmente ocorre não com o objeto total, mas sim com algum traço seu. FREUD, S. Introduccion al narcisismo. Biblioteca Nueva: Madrid, 1973a; FREUD, S. Duelo y melancolia. Biblioteca Nueva: Madrid, 1973b; FREUD, S. Psicologia de las masas y analisis del yo. Biblioteca Nueva: Madrid, 1973c.
[7] Conforme o trabalho de COSTA, J.F. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1986 e, conforme a discussão realizada por BERRY, N. O sentimento de identidade. São Paulo: Escuta, 1991.
[8] FREUD, S.El malestar en la cultura. Editorial Biblioteca Nueva: Madrid, 1973.
[9] Neste ponto é necessário comentar que não adotamos a concepção da violência como necessária à gênese da cultura e, por conseguinte, do psiquismo. Freire Costa (1986) critica a adoção por Freud, em alguns trabalhos, da crença de que a violência é inerente a constituição psíquica do sujeito e, portanto, das relações sociais. Para Freire Costa, no estudo de Freud Por que a Guerra?, encontramos a defesa da idéia de que existe um impulso agressivo que pode coexistir perfeitamente com a possibilidade do homem empregar a violência (p.27). Amparado por essa idéia, Freire Costa defende que não existe um impulso de violência, ou seja, a violência não se confunde com os impulsos agressivos humanos. Dessa forma, ele define violência como o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. Esse desejo poder ser voluntário, deliberado, racional e consciente, ou pode ser inconsciente, involuntário e irracional...[...] ..Só existe violência no contexto da interação humana, onde a agressividade é instrumento de um desejo de destruição. Quando a ação agressiva é pura expressão do instinto ou quando não exprime um desejo de destruição, não é traduzida nem pelo sujeito, nem pelo observador como uma ação violenta(p.30). Finalizando, o autor pergunta porque a psicanálise, a revelia de seus referenciais teóricos e práticos, conclui que a violência produz cultura? Ele responde que é pela sobreposição equivocada entre poder e violência, que, para ele não se sustenta. FREIRE COSTA, J. À guisa de introdução: Porque a violência? Porque a paz? In: _______ . Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
[10] A esse respeito ver a discussão de BIRMAN,J. Um Futuro para a psicanálise? In:__________ Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Editora 34, 1997.
[11] Salientamos que essas obras não afirmaram e não criaram necessariamente, essas interpretações.. Esses trabalhos traduzem aspectos presentes na tradição cultural brasileira. Entretanto, a força da sua assimilação e apropriação, produziu esses estereótipos sobre a cultura e sobre o homem brasileiro.
[12] Tratando do
natural e da origem no Brasil, estes requisitos geralmente são
associados à docilidade, pureza e ingenuidade do índio,
que recebeu os portugueses de braços abertos. Podemos notar que
episódios envolvendo aspectos violentos, como a
deglutição do Bispo Sardinha pelos índios Aimorés, foram
praticamente banidos da memória nacional. Segundo DaMatta, a
benevolência da natureza, que brindou o país com a mais bela
geografia, também é associada à tranqüilidade e à mansidão
da nossa gente. Cf. DAMATTA, R. Conta de mentiroso-sete ensaios
de antropologia nacional. R.J.: Rocco, 1993.
[13] Utilizamos o conceito de pulsão de agressão pois Freud o utiliza de forma cambiável com outras denominações. A partir da publicação em 1920, de Além do princípio do prazer, se consolida a definição da pulsão de morte, que vai encampar as noções de pulsão de destruição, de agressão, destrutivas, etc. O autor afirma que a tendência agressiva é uma disposição instintiva inata e autônoma do ser humano. FREUD, S. El malestar en la cultura. Editorial Biblioteca Nueva: Madrid, 1973, p.3052. Em um texto, de 1932, o autor afirma a existência de duas classes de pulsões essencialmente diferentes, as pulsões sexuais e as pulsões de agressão, cujo fim é a destruição. FREUD, S. Nuevas lecciones introductorias al psicoanalisis. Biblioteca Nueva: Madrid, 1973, p. 3159. Ainda, em outra obra de 1932, afirma-se a pulsão de agressão como originando-se da pulsão de morte a pulsão de morte se torna pulsão de destruição quando, com a ajuda de orgãos especiais, é dirigido para fora, para os objetos. O ser vivente proteje em certa maneira sua própria vida destruindo a vida alheia. Porém uma parte da pulsão de morte se mantém ativa no interior do ser; temos tratado de explicar grande número de fenômenos normais e patológicos mediante esta interiorização da pulsão de destruição. FREUD, S. El porqué de la guerra. Biblioteca Nueva: Madrid, 1973, p. 3212 e 3213. Como vemos, trata-se de uma discussão complexa pois, inicialmente o autor a entendia como uma ação voltada para o exterior que se volta para o interior do próprio sujeito, a partir das relações que este estabelece com o objeto e consigo mesmo. Posteriormente, depois de 1920, ela é entendida a partir das relações entre diferentes instâncias, ou seja, do conflito entre supereu e eu. De qualquer forma, interessa-nos que o autor estabelece uma teoria da agressividade, amparando nossa discussão.
[14] A esse respeito encontramos a discussão de Calligaris (1993), na qual o autor aponta a presença, na vida social e sexual dos brasileiros, do domínio sobre o corpo do outro. CALLIGARIS, C. Por que rimar amor e dor. In Revista da Folha. S.P. ano 2, n. 59, junho de 1993.
[15] Um desses signos diz respeito ao impedimento feito ao escravo de usar calçados pois, na medida em que a escravidão se ampliava, passa a incorporar brancos e praticantes de artes e ofícios, englobando no estatuto da escravidão pessoas portadoras de sinais que anteriormente serviam para demarcar a separação entre senhores e cativos. Ainda, os argumentos brandidos pelos colonizadores sobre a lascívia dos corpos nus dos nativos e a facilidade e falta de honra das mulheres negras e índias, que provocariam a sua rendição frente aos apelos eróticos do outro, não resistem ao cotejo com a prática social.. ALENCASTRO, L.F. Vida privada e ordem privada no império. In: História da vida privada no Brasil: Império - a corte e a modernidade nacional. S. P.: Companhia das Letras, 1997.
[16] Seguindo esse
raciocínio, teríamos a ação da dominação como forma de
controlar o medo gerado pelo estranho, pelo diferente,
representado pelo negro. Esse estranho diz respeito, entre outros
aspectos, a prática da violência pelo negro em relação ao
branco, que desestabiliza a relação de dominação e os lugares
por ela instituídos. A libertação dos escravos no século XIX
é vista como marco da entrada do país na ordem do progresso e
da civilidade. Entretanto, a libertação dos escravos também é
analisada como uma reação do branco à violência do escravo
para com seus senhores.. Alencastro (1997) relata a história,
publicada nos jornais da corte, de uma escrava cozinheira que, após
envenenar seis pessoas de uma mesma família, foi vendida e
realizou dois novos envenenamentos na nova família, o que não
impediu que essa nova família alugasse a escrava a terceiros,
continuando a envenenar seus quitutes e seus comensais.
ALENCASTRO, L.F. Vida privada e ordem privada no império. In:
História da vida privada no Brasil: Império. S.P.: Companhia
das Letras, 1997. A questão do medo do negro pelo branco é também
discutida por AZEVEDO, C.M.M. Onda negra, medo branco: o negro no
imaginário das elites-século XIX. R.J.: Paz e Terra, 1987.
[17] A intenção, ao escrever nós-profissionais era a de me referir a nós como praticantes de uma profissão; entretanto, posteriormente percebi que esse nós poderia referir-se também ao intrincado, ao nó (ou aos nós) do difícil exercício da profissão voltada para o trabalho psicológico.
[18] Os debates sobre a questão da psicanálise inserida em uma tradição cultural geralmente vêm acompanhados por discursos que reafirmam o sujeito universal e a filiação dos psicanalistas a tradição européia, como que a demonstrar a garantia da identificação do sujeito tupiniquim com seus irmãos do norte. Exemplificamos com o debate sobre a identidade da psicanálise no Brasil, marcado pelo acirramento dessa posição frente a universalidade do psiquismo e consequentemente de uma pretensa identidade entre os psicanalista europeus e brasileiros. Revista Brasileira de Psicanálise. Psicanálise Brasileira? Vol. XXV, n. 01, 1991, p. 109 a 146.
[19] ARENDT, H. Da violência. In: Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1973; ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo; Perspectiva, 1992.
[20] FIGUEIRA, S.A. - Freud e a difusão da psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
[21] Encontramos a discussão sobre a transferência e a contratransferência no trabalho clínico em FÉDIDA P. Clínica Psicanalítica. São Paulo: Escuta, 1988.
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