Monge Marcelo Barros
Cerca de 120 milhões de pessoas no mundo
vivem fora de seu país para sobreviver ao desemprego, à concentração
de terra e à tragédia das guerras e suas conseqüências.
O drama dos migrantes nos interpela a refazer as bases da convivência
social, a partir da solidariedade e abertura ecumênica que nos tornam
mais capazes de nos realizar como seres humanos.
A sociedade excludente e concentradora provoca
um aumento nas migrações. Nos países ricos do norte,
falam em "nova invasão dos bárbaros". A Assembléia
Geral da ONU em 18/ 12/ 1990 estabeleceu normas de tratamento igualitário
entre trabalhadores nacionais e estrangeiros. Atribuiu direitos fundamentais
a todos os trabalhadores migrantes, legais ou ilegais. Apesar disso, o governo
dos Estados Unidos construiu um novo "muro da vergonha", fazendo
da sua fronteira com o México um corredor da morte para os que se arriscam
a atravessá-lo buscando o mínimo de condições
de vida para sobreviver. Governos da Europa fazem leis restritivas contra
migrantes do sul do mundo, denominados de "extra-comunitários".
Este sistema excludente acaba favorecendo o tráfico de seres humanos.
Máfias subjugam e escravizam milhares de pessoas, atraídas por
promessas enganosas. Crianças são utilizadas para o comércio
de órgãos e as maiores para o trabalho escravo. Trabalhadores
são explorados através de contratos injustos, do confisco de
documentos pessoais e da cobrança de dívidas impagáveis.
Uma dificuldade para combater esta injustiça
é o pluralismo cultural e os preconceitos que ainda opõem as
religiões. O migrante deixa sua terra, mas leva consigo sua cultura
e valores religiosos. Para garantir sua identidade, em uma sociedade diferente
e hostil, muitas vezes, reforça os aspectos mais rígidos da
religião e cultura. Ou, despojados de suas referências de origem,
tornam-se facilmente vítimas de grupos religiosos oportunistas ou extremistas.
São levados a isso pelo isolamento a que são relegados e pela
falta de abertura ecumênica da cultura dominante que, assim, tem mais
um pretexto para os rejeitar: a intolerância religiosa. Isso acontece
na Europa e Estados Unidos com relação ao Islã e alguns
grupos orientais. Em países como o Brasil, os migrantes são
mais tentados por Igrejas neo-pentecostais.
A migração é um fenômeno
ecumênico porque envolve pessoas das mais diversas religiões
e leva cada cultura a conhecer e conviver com a outra. O escritor Mário
Vargas Llosa declarou: "A imigração de qualquer cor e sabor
é uma injeção de vida, energia e cultura e os países
deveriam recebê-la como uma bênção" (Folha
de S. Paulo, 1/9/96). Ao mesmo tempo, o mundo dos migrantes, quando não
acolhido e acompanhado, torna-se motivo de intolerância e fechamento.
No Brasil, 81% da população vive
nas cidades. A maioria, composta por migrantes de primeira, segunda e terceira
geração, vindos do campo. A pobreza endêmica e a seca
do nordeste continuam expulsando uma grande leva de nordestinos para o sul.
Sulistas se aventuram pelas novas fronteiras agrícolas do Oeste. Entre
o Brasil e o Paraguai, as condições de vida dos chamados brasiguaios
nos fazem sentir nas senzalas do século XIX. Em São Paulo, migrantes
bolivianos sobrevivem em trabalhos pesados como clandestinos, em situações
que beiram novas formas de escravidão.
Um dos serviços mais proféticos
da Igreja Católica no Brasil é a Pastoral dos Migrantes, espalhada
por todas as regiões do país. Muitos dedicam suas vidas ao estudo
do fenômeno das migrações, à acolhida e acompanhamento
dos migrantes e a formar na sociedade uma consciência nova com relação
a este problema. Estão em muitos países do mundo, insistindo
para que se apresse o dia em que todas as nações tenham portas
abertas a qualquer ser humano por ser irmão em humanidade e não
por ser branco ou negro, europeu, americano ou asiático. Já
no final do século XIX, João Batista Scalabrini, bispo profeta,
escrevia: "A migração alarga o conceito de pátria
para além das fronteiras geográficas e políticas, fazendo
do mundo a pátria de todos".
Esta convicção leva a CNBB a celebrar
de 18 a 24 de junho a Semana do Migrante. O tema deste ano: "Escolhe
o caminho da vida" (Dt 30, 19), dito ao coração de cada
pessoa humana, de qualquer religião e cultura, pode levá-la
a unir-se aos que migram para viver melhor e fazer todos se sentirem cidadãos
da mesma pátria comum: a terra.
Contam que Darcy Ribeiro atravessava a fronteira
entre dois países. Um policial lhe perguntou: - Qual a sua nacionalidade?
Darcy abriu os braços e respondeu: - Humana.