Trovadorismo
 

- Trovadorismo -

  A produção artística vai estar impregnada, neste período, do espírito teocêntrico. As artes decorativas predominam, sempre deformando os elementos objetivos do mundo ou procurando simbolizar o universo espiritual e sobrenatural através do qual o homem interpreta sua realidade. O estilo gótico, com suas formas alongadas, ogivais e pontiagudas, parece expressar forte desejo humano de ascender a uma nova e eterna vida. A literatura, geralmente escrita em latim, não ultrapassa os limites religiosos em sua temática: a vida dos santos, a liturgia dos rituais cristãos. Mas em torno dos castelos feudais desenvolve-se também uma arte leiga que, mesmo, às vezes, chegando ao profano, redimensiona a visão de mundo medieval e aponta novos caminhos. É a arte dos trovadores e suas cantigas, das novelas de cavalaria.
  Em Portugal floresceram cantigas de tipos diversos quanto à temática:
  - Cantigas de Amigo - Nasceram no território português e constituem um vivo retrato da vida campestre e do cotidiano das aldeias medievais na região. Embora compostas por homens, procuram expressar o sentimento feminino através d pequenos dramas e situações da vida

amorosa das donzelas, geralmente, as saudades do namorado que foi combater contra os mouros, a vigilância materna, as confissões às amigas. Há nessas cantigas uma forte presença da natureza, sua linguagem é simples e sua estrutura apropriada ao canto e à transnissão oral apresenta refrão e versos encadeados e repetidos ou ligeiramente modificados (paralelismo).
   - Cantigas de Amor - Surgiram no sul da França, na região de Provença. Expressam o sentimento amoroso do trovador que se coloca a serviço da mulher amada. Aqui, o amor se torna tema central do texto poético, deixando de ser pretexto para a discussão de outros temas. Mas é um amor não realizado, não correspondido, que fica sempre num plano idealizado. E de outro modo não poderia ser, pois a mulher amada se encontra socialmente afastada do poeta: é a senhora, esposa do senhor feudal. São cantigas que espelham a vida na corte através de forte abstração e linguagem refinada.
  - Cantigas de escárnio e de maldizer - Reúnem a produção satírica e maliciosa da época. Enquanto as de escárnio são críticas e suas ironias feitas de modo indireto, as de maldizer, utilizando linguagem mais vulgar, às vezes obscena, referem-se direta e nominalmente a suas personagens. Os temas centrais destas cantigas são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente e que nos lembram os "desafios" de nossa literatura de cordel, as intimidades de alcova, a covardia ou a falta de jeito de alguns cavaleiros, as mulheres feias. É verdade que seu valor poético é pequeno, mas seu aspecto documental torna imprescindível seu estudo.
  - As novelas de cavalaria - Surgiram na França e na Inglaterra derivadas das canções de gesta e de poemas épicos medievais. Refletiam, de modo geral, os ideais da nobreza feudal: o espírito cavalheiresco, a fidelidade, a coragem, o amor servil. Mas estavam também impregnadas de elementos da mitologia céltica. As histórias mais conhecidas são aquelas que pertencem ao "ciclo arturiano", A Demanda do Santo Graal é uma das mais importantes deste ciclo, a qual reúne os dois elementos fundamentais da Idade Média quando coloca a Cavalaria a serviço da Religiosidade. Além das novelas do ciclo arturiano merecem destaque também "José de Arimatéia" e "Amadis de Gaula".

"Estes meus olhos nunca perderán,
senhor, gran coita, mentr'eu vivo fôr;
e dire-vos fremosa mia senhor,
destes meus olhos a coita que han:
choran e cegan, quand' alguen non veen,
e ora cegan por alguén que veen.

Grisado teen de nunca perder
meus olhos coita e meu coraçon,
e estas coitas, senhor, mias son:
mais los meus olhos, por alguen verr,
choran e cegan, quan' alguen non veen,
e ora cegan por alguen que veen.

E nunca já poderei haver ben
pois que amor já non quer nen quer Deus;
mais os cativos destes olhos meus
morrerán sempre por veer alguen:
choran e cegan, quand' alguen non veen,
e ora cegan por alguen que veen."
(João Garcia de Guilhade)