A MORTE DO TRABALHO

Morreu o trabalho esse deus falho e insolente

Esse gigante, balofo e pedante e já de cadente

Que presumia que sempre existia sem cair mais

Na vala da vida, que engole insofrida, os outros mortais

Morreu afinal, deixou de existir, está enterrado

Já não tem mais as honras reais de rei do Mercado

Pai do Valor, foi presa da vida que um dia gerou

À morte que o queria, dizer não podia, agora não vou

Não chamem por ele, não gritem, não chorem, é tempo perdido

Nem é racional, chamar afinal, quem tinha morrido

Matou aos milhões, roubou, explorou, pisou, reprimiu

Em nome dum bem, que o Mundo não tem, nem nunca existiu

Escravizou milhões e milhões sem freio nem medida

Padres e reis, chamaram-lhe as leis sagradas da vida

Nesses bons tempos de altos proventos e mão escrava

Era ele, esse espantalho do bom trabalho que cá mandava

Novos e velhos, jovens, crianças, tudo bulia

Nenhum vivente, nem besta nem gente, fugir-lhe podia

Jurisconsultos sábios e cultos, deram-lhe leis

A bem dos senhores, fidalgos, doutores, padres e reis

Tinha chicotes, tinha garrotes, tinha tiranos

E a quem morria, o céu garantia, direitos humanos

Navios negreiros, zarpavam ligeiros, pejados de gente

Enquanto o padre benzia, essa  economia, piedosamente

Porquê tantos suores, tantos labores, se ainda agora

Morto o Trabalho, nenhum enxovalho, se foi embora

A fome e o frio, nada fugiu, tudo é igual

E ainda a guerra, que assola a Terra, é mais brutal

O crime é hoje um negócio, tornado sócio, do mundo inteiro

E a religião rebusca e fareja, um deus que a proteja, chamado dinheiro


O orçamento galopa, a guerra a tropa, se moderniza

Mas, na mira do perigo, o inimigo, se não divisa

Sucede que o bom trabalho, usou de um baralho já viciado

E após morrer deixou, o poder que o matou, nas mãos do Mercado

Chegamos então, à contradição e ao disparate

Do terrorismo a nascer do abismo que o combate

E dum monstro abrupto, absoluto e irracional

Chamado VALOR, pôr e dispor, da vida real.

 

Leonel Santos

Lisboa, Abril de 2008