O
HOMEM PREDADOR
Entrelaça
a aranha em qualquer parte 
Uma
teia simples com destreza e arte 
E
apesar de tudo subtil e forte
Onde
incauta presa encontra a morte 
E
assim a aranha vai mantendo a vida 
Até
que um dia é também comida 
E
todo o animal, segundo a natureza
É
simultaneamente predador e presa 
Numa
luta perpétua, severa, irracional
Que,
apesar de tudo, ainda assim, é natural
Mas
onde cada ser se ataca ou se defende 
Conforme
pode, ou conforme entende
Uma
vez que não tem outra saída
Que
lhe permita aqui continuar a vida 
Assim
as águias, nas altaneiras brenhas 
Espreitam
cá em baixo, as cobras entre as lenhas 
Caçando
o mourão, o gafanhoto, o rato 
Que
por sua vez, caçam também no mato
E
na selva bruta ninguém é diferente 
Comer
ou ser comido é simplesmente 
Continuar
a vida ou ficar sem ela 
Por
isso é que o leopardo devora a gazela
E
o leão, o lobo, o tigre, o jaguar 
Deixam
de viver se não puderem matar
Esta
é a Moral da Natureza-mãe 
Que
o Sistema humano acolheu bem 
Mas
se o irracional à força bruta 
Junta
a experiência em prol da luta 
O
Predador humano vai muito mais além 
Equipado
com os dotes racionais que tem 
E
faz o que jamais alguma besta fez 
Que
é matar aos milhões de cada vez 
E
desce mais ainda na sua predação
Matando
a própria espécie, enquanto a besta não
O
seu intelecto em vez do elevar 
E
nobrece a besta por não raciocinar
      
E este Predador ainda agora 
Acaba
de aumentar os meios de outrora 
 Percebendo
que a sua linguagem 
Lhe
podia trazer maior vantagem 
Que
além de guerras brutas e sinistras
Podia
usar palavras altruístas 
E
prègar o Bem e a Humanidade 
Condições
que a besta não tem capacidade
Nem
como ele a arte e os motivos 
Para
comerciar mortos e vivos 
E
no topo da cadeia alimentar 
Com
o queijo e a faca para o cortar 
Trocou
a palavra Guerra por Defesa 
Para
enganar assim melhor a presa 
E
na sua avidez seguiu em frente
Sempre
atrás da besta moralmente 
Impondo
velhos mitos bafientos 
Cobertos
na poeira de outros tempos 
Quando
a espada era a mãe da guerra 
E
o Sol andava ainda em redor da Terra 
Com
a teologia estulta e soberana 
A
jurar-nos que ela era plana 
E
que um deus nos via lá do céu estrelado 
Com
um diabo que foi seu empregado
Falando
de milhões de milagres e santos
Que
apareciam na Terra por todos os cantos 
Gente
que morria e que depois de morta 
Aparecia
por cá batendo à porta 
Foi
nesta altura que muitos predadores 
Passaram
a chamar-se bispos e pastores 
Agarrados
a reis e a tiramos   
E
a outros predadores também humanos 
Queimando
e calando os que disseram 
As
coisas tal e qual como elas eram 
E
que gritam agora contra a depravação 
Do
Sistema que fizeram com a sua própria mão
Porque
os velhos mitos já não trazem oiro 
Nem
carne de porco, nem chouriço moiro 
Nem
galinhas gordas, bom vinho e bom pão 
Talhas
de azeite e meio-alqueires de grão 
Presa
dum Sistema sem freio e sem medidas
A
predação humana é o velho Midas 
E
as suas presas as peças de um tesoiro
Que
dia a dia querem fazer em oiro
Alquimista
velho de sonhos infantis
Manipulador
boçal de metais vis 
 Ilusório
ente dum sonho passado 
Ontem
no Trabalho, hoje no Mercado 
O
Sistema foi sempre o deus da lenda antiga 
Com
os olhos maiores do que a barriga
Mas
ao invés da teia da pequena aranha
Que
surpreende e prende a presa que apanha
O
Predador humano caiu e se prendeu 
No
próprio fio da teia que teceu 
Cego
do Valor e cego da Grandeza 
Acabou
passando de predador a presa 
Presa
de ele próprio, caduco e incapaz
De
andar em frente ou de voltar atrás 
Debate-se
agora coma um pequeno insecto 
Preso
no perverso Valor do seu projecto
Autófago
Valor, insano, irracional 
Contra
o qual agora nada pode e vale
Vendo
fugir-lhe a vida e fugir-lhe a  espécie
E
revoltar-se a Terra onde a Vida cresce 
Num
rumo abrupto e adverso à Paz 
Com
o Mercado à frente e a Guerra atrás
Derradeiros
e vis escravos do Valor 
Que
é deveras do Mundo o Predador.
Quem
sabe a besta silenciosamente 
À
noite, lá na selva, não se ri da gente!
Leonel
Santos 
Lisboa,
Setembro 2008