O
COLAPSO
Morreu
o trabalho, o Sistema morreu
A
miséria despiu a roupa que a cobria 
Rasgaram-se
as nuvens que ensombravam o céu 
E
a luz fere a retina que a treva obstruía 
Tudo
o que se disse e o que se escreveu
É
obra dum mundo que dantes existiu
Porque
ouço eu ainda as palavras que ouvia 
E
vejo igual ganância e vejo igual peleja 
A
mesma disputa e a mesma teimosia
Políticos
que berram como gente de igreja 
Vendendo
o mesmo Céu e a mesma hipocrisia 
Quando
o bem nos falta e quando o mal sobeja
Chamaram
os antigos os deuses de outro mundo
Os
modernos sonharam um salvador humano
Mas
os deuses não desceram lá do céu rotundo
E
a Terra só pariu, tirano após  tirano
Até
que o sonho humano acabou no fundo
Deste
Sistema imundo e deste abismo insano
Ficou-nos
a vergonha, além da decepção 
Gravadas
a fogo nas sombras da memória
Dos
altos-de-fé, dos mares de escravidão
De
crimes e guerras que ensaguaram a História
Sopramos
os ventos da destruição
Como
colher agora frutos de glória
Temos
crise, mas que crise? A crise é quem?
Deixou
a Terra acaso de girar?
E
a luz do Sol já não sorri nem vem
Acordar
as florestas para as aves cantar?
Não. O Sistem exangue já não tem
Pernas com que possa caminhar!
Que
nos resta agora após a derrocada 
Prosseguir
na barbárie e na escuridão
Ou
usar a razão que nos foi doada
Por
milhões de anos de evolução
E
caminhar por uma nova estrada 
Feita
de luz e de emancipação?
Prosseguirmos
na selva já incendiada 
E
redobrar a guerra, a ganância, a fome
Retomar
o crime, o roubo, a peste irada 
Que
apavora o Mundo e que o consome 
E
calcar a Verdade espezinhada 
Que
sempre usada foi com falso nome
Ou 
vamos acusarmo-nos mutuamente 
Num
Sistema feroz e sem sentido
Deixando
o valor reger a gente
Quando
por nós deve ser banido
E
arrastar-se no chão como a serpente
E
os vermes num corpo apodrecido
Onde
está, me dizei, toda a grandeza 
Da
nossa inteligência… e o futuro
Quando
à nossa frente paira a incerteza 
E
a nossa incerteza, chama-se o escuro 
Enquanto
a besta tem a luz acesa 
E
um buraco, talvez, bem mais seguro
Desculpem-me
os mestres da Moral 
E
feitores desta selva emaranhada
Chamada
de Sistema Social 
Porque
a selva da besta comparada
Com
a nossa selva racional
 Está
bastante mais moralizada
Enquanto
houver seja onde for
O
osso duma presa que se roa 
A
sociedade rapace do Valor
Achar-se-á
correcta, honesta e boa 
E
por ele tomada de furor 
Lutará
como cães, mordendo à toa
Lisboa,
Fevereiro de 2009
Leonel Santos