O ACORDO DE 1998 ENTRE O FMI E O GOVERNO BRASILEIRO

O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das instituições financeiras mais poderosas do mundo. Criado em julho de 1944, durante a Conferência de Bretton Woods nos Estados Unidos, o FMI buscava acima de tudo evitar que se repetisse o caos econômico que resultou da Grande Depressão, no final da década de 20. Na criação do Fundo, entre seus compromissos, estabeleceu-se oficialmente que o organismo deveria prover recursos aos países "para corrigir desajustes em sua balança de pagamento sem recorrer a medidas destrutivas à prosperidade nacional". (Revista "O Impacto do FMI na Educação Brasileira, Grupo "Ação Educativa", 1999)

"O FMI é uma das mais poderosas instituições internacionais e ao mesmo tempo uma das menos transparentes e prestadoras de contas. O poder político no Fundo é determinado pela força econômica, marginalizando países em desenvolvimento. Os Estados Unidos respondem por 18% dos votos no Conselho do FMI, mais do que a América Latina, Sul da Ásia e África subsaariana juntos. Uma grande preocupação tem sido a politização dos empréstimos concedidos. As condições dos empréstimos para privatizações e reformas financeiras amplas se distanciam de questões estritamente monetárias, para se aproximar dos interesses dos países mais poderosos no FMI, particularmente dos EUA." (op. Cit.)

Hoje, o FMI tem atuação e influência mais pronunciadas nos países do chamado Terceiro Mundo, os que mais necessitam de apoio financeiro. No entanto, verificou-se ao longo dos anos que a intervenção do FMI, na forma de empréstimos, vem acompanhada de uma série de medidas austeras que, ao contrário da finalidade estabelecida originalmente, prejudicam muito a prosperidade nacional. (op. Cit.)

"O FMI desenvolveu uma receita padrão de ajuste para o Terceiro Mundo: contenção do crédito, do gasto público e dos salários, o que produz recessão (= baixo crescimento da economia). Com ela, as contas externas voltam ao equilíbrio e a inflação cai. Mas muitas empresas quebram e o desemprego sobe." (O Mundo Financeiro, Paul Singer, Ed. Contexto, SP, ano 2000)

"Após a crise das dívidas externas, sobretudo na América Latina, noa s anos 1980, o FMI liderou operações de resgate dos países incapazes de honrar seus compromissos financeiros externos em associação com os bancos internacionais privados. As dívidas renegociadas e consolidadas salvaram os bancos da bancarrota, mas os países devedores amargaram uma década perdida, com empobrecimento e marginalização de parte de sua população." (op. Cit.)

CARACTERÍSTICAS DO ACORDO

(Revista "O Impacto do FMI na Educação Brasileira")

"Em dezembro de 1998, depois de cerca de seis meses de negociações, foi aprovado pelo FMI um Acordo com o governo brasileiro. Esse Acordo previa um pacote de empréstimos da ordem de US$ 41 bilhões, vinculado a uma série de condições que tangem a macroeconomia do País....."

"No período de negociação com o FMI, foi possível verificar de maneira precisa o efeito do Acordo no Orçamento da União. Isso porque foram encaminhados ao Congresso Nacional dois projetos de Lei Orçamentária para 1999, um antes da negociação e o outro, depois. Este último, aprovado, sofreu grandes cortes em relação ao original."

"Uma manobra possibilitada pelas condições presentes no Acordo, entre as quais destaca-se o compromisso do Brasil em gerar um superavit primário (= receitas menos despesas, sem considerar os juros e encargos da dívida) equivalente a 2,6% Produto Interno Bruto (PIB) (= indica as riquezas produzidas em um país) em 1999."

"Para tanto, o governo comprometeu-se a elevar receitas e cortar gastos..."

"As condições impostas à União são transferidas também para estados e municípios, esferas de governo que configuram os principais provedores da educação básica, portanto, afetando diretamente esta área social..."

"O Acordo com o FMI e sua negociação apresentam problemas estruturais, em três planos: econômico, político e social."

"No primeiro, encontra-se a própria política macroeconômica adotada pelo governo brasileiro, que conduziu o País rumo à negociação de um empréstimo emergencial junto ao FMI. Nota-se que a natureza do Acordo é coerente com a própria política econômica que vem sendo implementada pelo governo."

"No plano político, a estrutura do FMI, na qual o poder político é determinado pelo poder econômico, faz com que os interesses dos países mais pobres, justamente os alvos principais do FMI, não sejam devidamente considerados. Além disso, no caso do Brasil, o controle da sociedade sobre o seu representante no FMI é muito pequeno: a participação do Legislativo em tomadas de decisão é ínfima, assim como a participação da população junto ao Legislativo. O poder exercido pelo FMI....... é tão grande que invade a área de decisões políticas do País. Chama a atenção que estados e municípios não participem de tomadas de decisões que os afetam diretamente. Verificamos, assim, um grande desequilíbrio de poder entre Primeiro e Terceiro Mundo, União e estados/municípios e entre Executivo, Legislativo e sociedade civil."

"As condições macroeconômicas fixadas pelo Acordo também tiveram conseqüências no plano social, agravando uma situação já muito precária e fragilizada. Ainda que tenha sido negociada uma Rede de Proteção Social para atenuar os efeitos adversos do Acordo com o FMI, verifica-se seu caráter secundário e sua ineficácia..."

"A política econômica adotada no Brasil desde 1994 tem como característica principal a tentativa de estabilização da moeda associada ao câmbio sobrevalorizado e à abertura comercial acelerada."

"Essa política gerou um permanente déficit na conta de transações correntes ( = medem as trocas de bens e serviços do país com o resto do mundo) e segue subindo, atingindo 4,85% do PIB em junho de 1999 (aproximadamente US$ 32,5 bilhões). Este déficit acaba sendo financiado pela entrada de investimentos estrangeiros, o que aumenta a dependência financeira do Brasil em relação ao capital internacional."

"Desde o início do Plano Real, a atração desses capitais estrangeiros – necessários para fechar as contas dentro dos marcos da política econômica adotada – se deu através da oferta de remunerações atrativas, especialmente taxas de juros extremamente elevadas, além de um mercado de bolsa de valores que favorece ganhos rápidos, ou ainda a oportunidade de comprar patrimônio valioso a preço baixo, como no caso das privatizações.

Assim, a política econômica adotada no País foi driblando as dificuldades e turbulências que surgiam no cenário internacional desde 1994, quando se iniciou o Plano Real."

"A oferta de taxas de juros elevadíssimas aos capitais internacionais acabou, de um lado, gerando uma dívida pública ( = Dívida assumida pelos vários níveis da administração podendo ser externa ou interna) que quintuplicou ao longo dos últimos cinco anos, passando de aproximadamente US$ 60 bilhões em julho de 1994 para cerca de US$ 300 bilhões no primeiro trimestre de 1999."

"A partir do segundo semestre de 1998, tornou-se evidente que os malabarismos da administração pública para tapar os buracos das contas do País no exterior haviam chegado a um limite.

A intensa fuga de capitais que ocorreu entre julho e setembro de 1998 – cerca de US$ 30 bilhões migraram do País – provou, de forma contundente, que a fase das manobras mirabolantes chegara ao fim. Os capitais estrangeiros vieram, valorizaram-se num curtíssimo prazo e se foram. Os gestores da política econômica preferiram não colocar barreiras a esta mobilidade dos capitais internacionais privados, apesar dos efeitos danosos à economia nacional."

"Enquanto isso, a dívida externa ( = Dívida feita junto a não residentes que podem ser estrangeiros ou instituições no exterior) brasileira crescia sistematicamente, chegando a ultrapassar US$ 235 bilhões no final de 1998..."

Fica evidente que a política econômica atual é de difícil sustentação e tem para o País um custo social altíssimo, além de agravar seu endividamento externo."

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"Pode-se ter a impressão de que, antes de 1998, o FMI não estava tão presente no País e que as autoridades monetárias brasileiras estavam livres de sua supervisão. No entanto, essa visão é apenas parcialmente verdadeira."

"De fato, o FMI manteve, desde o início do Plano Real, em 1994, um monitoramento da política econômica levada a cabo no País, já que o Brasil estava sob a égide da renegociação da dívida externa. Esta renegociação havia se estabelecido com o Fundo pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, tendo como negociador atual o ministro Pedro Malan."

"Esses acordos foram negociados entre o final de 1993 e início de 1994 e implicavam pesados pagamentos por parte do Brasil. No entanto, o governo negava a possibilidade de solicitar novos empréstimos ao FMI, que se mantinha relativamente fora do debate público. Porém, no segundo semestre de 1998, com o agravamento do quadro financeiro, o FMI voltou ativamente à cena pública, comandando a negociação do pacote de sustentação financeira do País."

"Ao longo da década de 80, os acordos firmados entre Brasil e FMI davam grande ênfase à geração de saldos em dólar na balança comercial, que deveriam ser transferidos ao exterior pelo pagamento dos juros da dívida externa. Estima-se que o Brasil tenha pago mais de U$ 90 bilhões a título de juros dessa dívida, nos anos 80. Essa ênfase era compatível com o funcionamento da economia internacional, pelo qual os países mais endividados do Terceiro Mundo transferiam aos principais centros financeiros do capital internacional amplo volume de recursos."

"O Acordo firmado com o FMI em 1998, por outro lado, coloca ênfase no chamado ajuste fiscal. No contexto atual, o ajuste fiscal tem um sentido diferente do que teve ao longo dos anos 80, em nenhum dos casos se tratando efetivamente de um equilíbrio das contas públicas...."

"Assim, os textos desse Acordo com o FMI, bem como as revisões que se seguiram, apontam para a necessidade do ajuste fiscal como forma de garantir, não o ajuste das contas públicas, mas a regularidade em relação aos pagamentos aos credores da dívida pública interna."

Metas Sociais Descumpridas

"O Memorando de Política Econômica enviado em 13 de novembro de 1998 pelo Ministro Pedro Malan e pelo então Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, ao Diretor Gerente do FMI, Michael Camdessus, destacava o compromisso do Brasil em elevar receitas e cortar gastos. O Memorando destaca que "de maior importância foi a apresentação pelo governo ao Congresso, em 9 de novembro de 1998, de um orçamento revisto para 1999, incluindo cortes na conta de gastos de custeio e de despesas de capital em bens e serviços que, comparados com o orçamento apresentado anteriormente, totalizam 20% desses gastos e representam quase 1% do PIB...."

"Do ponto de vista dos gastos, o governo fala permanentemente em superávit primário ( = Saldo positivo do resultado primário. Não considera os juros e encargos da dívida) . Isso significou uma brutal contenção de gastos em todas as áreas possíveis. Ou seja, apesar da previsão de verbas alocadas no orçamento aprovado pelo Congresso, não necessariamente foram liberadas pelas autoridades orçamentárias da União. Portanto, é necessário analisar que a meta de superávit primário pode ter sido atingida às custas de grandes cortes no orçamento e contingência severa nos gastos."

"O Memorando de Política Econômica do governo destaca que deveriam ser preservados tanto quanto possível os gastos com saúde, educação e proteção social. O Acordo com o FMI, que previa para 1999 uma diminuição do crescimento econômico – gerando, como sabemos, mais desemprego e pobreza – assinala que "o governo federal minimizará os cortes orçamentários nos programas sociais que beneficiem os pobres, esforçando-se para melhorar seu direcionamento e eficiência". O documento ressalta ainda que "estes esforços devem receber o apoio do Banco Mundial e do BID".

"No entanto, apesar das declarações governamentais, a participação da União em Programas de Garantia de Renda Mínima e no Apoio ao Combate ao Trabalho Infantil, por exemplo, sofreu significativos cortes na versão final do Projeto de Lei Orçamentária. O Programa de Renda Mínima foi reduzido em cerca de 80%, enquanto o Combate ao Trabalho Infantil sofreu cortes de 50%, impactando gravemente a Educação."

"Acordo com o FMI foi negociado pela União e autorizado pelo Senado Federal. No entanto, o objeto da negociação extrapola o âmbito do governo federal, já que se trata de um ajuste econômico que visa a geração de superávites primários de estados e municípios, principais responsáveis pela educação básica no Brasil.

Ou seja, o Acordo negociado pelo governo e aprovado pelo Senado trata de questões fora de sua governabilidade, pois diz respeito aos estados e municípios, que não foram consultados e nem tiveram oportunidade de aprovar o Acordo em suas instâncias legalmente constituídas: as Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores......."

"O governo federal força os estados e municípios a se subordinarem à mesma política econômica, honrando necessária e prioritariamente suas dívidas. Vários, aliás, discordam da priorização dos compromissos com o mercado financeiro em detrimento ao atendimento das demandas da população ou de seus eventuais compromissos de campanha. Assim, resistem à política de ajuste levada adiante pelo governo federal. A chamada "Lei de Responsabilidade Fiscal", ora em discussão no Congresso Nacional, é um dos mecanismos elaborados pelo Executivo Federal para obrigar estados e municípios a seguirem sua política de gestão financeira e suas prioridades...."