POLÊMICA: DIMINUIÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

POSIÇÕES CONTRA E A FAVOR

Artigos do Jornal "Folha de São Paulo"

 

Redução da jornada de trabalho divide opiniões – agosto de 2000

 

Em sua visita à França, o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu "estudar" o exemplo francês, de incentivos fiscais às empresas que reduzem sua jornada. Entretanto, para ele, o governo deve intervir cada vez menos na questão.

Os sindicatos defendem a redução da carga horária como sua principal bandeira, diferentemente dos empresários, que encaram a questão como aumento de gastos. Segundo alguns especialistas, se malfeita, a redução da carga horária pode não surtir efeito algum.

O governo federal deseja intervir cada vez menos na questão trabalhista. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, ao levantar a questão da redução da jornada, ressaltou que o assunto deveria ser discutido entre os empresários e seus funcionários.

A Constituição atual permite a livre negociação da jornada de trabalho, impondo somente o limite máximo semanal (44 horas).

"Em alguns casos, a redução da carga horária pode implicar aumento de empregos. Em outros, pode implicar aumento da informalidade. Por isso, ela deve ser decorrente de negociação e não de legislação", disse o Ministério do Trabalho em nota oficial divulgada segunda-feira.

A reforma trabalhista, apresentada pelo ministro Francisco Dornelles em 1999 e ainda em discussão, propõe a retirada de regras trabalhistas da Constituição. A alteração deixaria em aberto a definição da jornada de trabalho, a participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho e a remuneração de horas extras.

Sindicalistas defendem jornada menor

A redução da jornada de trabalho é a principal bandeira do sindicalismo brasileiro na atualidade. Desde o 1.º de Maio, as centrais sindicais vêm realizando manifestações por uma carga máxima de 40 horas semanais.

Cálculos do Dieese apontam que a redução poderia criar cerca de 1,7 milhão de empregos em todo o país.

O presidente da Federação Estadual do Metalúrgicos, Paulo Sérgio Ribeiro Alves, argumenta que as empresas não sairão perdendo porque terão aumento na sua produtividade. Ele avalia, contudo, que o governo precisa abrir mão de encargos tributários para estimular a contratação.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) realiza um ato pela redução da jornada diante do prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) nesta quarta-feira. O protesto tem início às 7h e deve se prolongar por 36 horas.

Para empresários, medida só traria problemas

Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), acredita que as prioridades do Governo e das empresas deveriam ser outras: "Essa discussão neste momento é, no mínimo, inoportuna. A indústria tem pelo menos dez coisas mais importantes para discutir, como uma nova política industrial."

Para Piva, as declarações de FHC têm "um bom apelo junto às centrais sindicais, mas seu efeito para reduzir o desemprego é mínimo". Se a redução ocorresse, o empresário acredita que a opção da maioria das empresas seria pela ampliação das horas extras e não por contratações.

"O mais razoável é avançar primeiro na discussão da desoneração da produção por meio de instrumentos clássicos, como mudanças na legislação trabalhista", defendeu.

Mudar as regras trabalhistas e reforma da Previdência também foi a exigência de Alencar Burti, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Paulo. "Do contrário, o custo dos produtos teria aumentos significativos e alguém teria de pagar essa conta", disse.

Caso contrário, para Burti, as empresas ampliariam o número de trabalhadores informais já que "contratar é mais caro e mais problemático".

Já o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio da Costa, vê uma saída: "Aceitamos a redução da jornada desde que haja uma compensação equivalente no custo de produção. E reduzir a jornada sem reduzir o salário pode ser um tiro no pé da indústria", afirmou.

"Malfeita, redução de jornada gera desemprego", afirmam especialistas

A redução da jornada de trabalho pode gerar mais desemprego ou não provocar alteração alguma, analisam especialistas.

Márcio Pochmann, professor de economia da Unicamp, avalia que a redução da jornada pode ter um impacto negativo se acompanhada de uma redução de salários. O menor poder de compra dos trabalhadores causaria retração no mercado e as indústrias passariam a produzir menos.

Contudo, Pochmann acredita que os ganhos de produtividade da economia brasileira nos últimos anos são suficientes para permitir a redução da jornada com manutenção do salário.

Lutar pelo fim da "cultura" da hora extra é outro aspecto fundamental na opinião do professor. "A jornada de trabalho é mal distribuída no Brasil", diz.

De acordo com o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio, a redução da carga de trabalho semanal de 48 para 44 horas na Constituição de 1988 não alterou a probabilidade de um trabalhador perder o emprego. Camargo concluirá nas próximas semanas um estudo que avalia o risco de desemprego para os trabalhadores antes e depois da mudança na lei.

Jornada menor pode não elevar emprego

MARCOS CÉZARI - 28/08/2000

A redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais vai aumentar o emprego no país? A resposta a essa pergunta não encontra unanimidade entre sindicalistas, empresários e economistas _nem para o "sim" nem para o "não".

A divergência de opiniões ficou evidente durante debate sobre o tema realizado pela Folha no início deste mês. Participaram os sindicalistas Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical, e Kjeld Jakobsen, presidente da CUT, o empresário Manuel Henrique Ramos, vice-presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, e os economistas Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Unicamp, e José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro. O mediador do debate foi Vinicius Mota, editor de Opinião da Folha.

Pochmann diz que o resultado "dependerá das condições em que será feita a redução". Sob o aspecto macroeconômico, a redução da jornada com diminuição proporcional dos rendimentos pode levar à queda do nível de atividade. Resultado: aumento do desemprego, pois quem ganha menos também consome menos. Com o consumo menor, menos pessoas estarão trabalhando.

A redução da jornada pode ampliar o emprego, segundo o professor, desde que aconteça num quadro de expansão da produtividade e de crescimento econômico, mas sem redução salarial.

Nesse caso, trabalhando menos mas ganhando o mesmo que antes, as pessoas manterão o nível de consumo. Mantendo o consumo, será mantido o nível de produção. Isso levará as empresas a contratar mais trabalhadores para manter o volume de produção antes da redução da jornada.

Ramos disse que "a Federação do Comércio é contra a redução da jornada". Para ele, não basta apenas reduzir; é preciso gerar empregos.

"A economia global nos obriga a implantar tecnologias e a automatizar, produzindo mais e reduzindo os postos de trabalho."

Ramos lembrou que em pouco mais de uma década o país dobrou o desemprego. Segundo o IBGE, em 86 o desemprego era de 3,59%, com jornada de 48 horas semanais. Em 99, foi de 7,46%, com 44 horas.

Uma possibilidade de aumentar o emprego, segundo o representante do comércio, é investir nas micro e pequenas empresas.

Nos Estados Unidos, segundo Ramos, foram criados mais de 20 milhões de postos em apenas oito anos de investimento nas empresas de pequeno porte. "As micro e pequenas empresas são um dos instrumentos mais viáveis para aumentar o emprego."

Paulinho foi enfático: a redução da jornada aumenta o emprego. "Reduzindo 10% a jornada _de 44 para 40 horas semanais_, a empresa será obrigada a contratar para suprir a produção que deixou de ser feita."

Mesmo que compre tecnologia (novas máquinas, por exemplo), a empresa estará gerando mais empregos em outras setores da economia, avalia o sindicalista.

A globalização fez as empresas elevarem a produtividade em cerca de 20%, disse Paulinho. "Até agora, só as empresas ganharam com a globalização, pois a tecnologia fez as indústrias crescerem com menos empregados."

Esse "lado bom da globalização", na visão do sindicalista, precisa ser dividido com o trabalhador. "Como elas ganharam, precisam repartir conosco. Metade do que elas ganharam já está bom."

Essa metade significaria algo em torno de 10%, ou seja, de 44 para 40 horas, sem a redução salarial.

Jakobsen também diz que a redução da jornada vai gerar mais empregos no país. "Mas, mesmo que não gere mais empregos, a redução da jornada de trabalho vai melhorar as condições das pessoas que estão empregadas. Só por isso já valeria a pena a luta por parte dos trabalhadores."

O professor Camargo entende que é preciso verificar qual a probabilidade de aumento do desemprego após a redução da jornada.

Se o trabalhador afetado pela jornada menor tiver aumento na probabilidade de ficar desempregado em relação àquele que não teve redução, então a redução da jornada tende a gerar mais desemprego. Com probabilidade menor de ficar desempregado, a redução da jornada terá o efeito de aumentar o emprego.

Ele lembra que após a Constituição de 88, quando a jornada caiu de 48 para 44 horas, a probabilidade de o emprego crescer ou diminuir na região metropolitana de São Paulo teve efeito zero.

O tema é muito polêmico. Por isso, é preciso que os trabalhadores, empresários e governo discutam a fundo o assunto antes de adotarem uma decisão definitiva.

 

Força Sindical consegue reduzir jornada - 01/08/2000

LÁSZLÓ VARGA

A Força Sindical pouco a pouco tem conseguido o que muitos empresários consideravam inviável. Desde maio, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado àquela central, deflagrou um movimento para a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas e conseguiu até hoje a adesão de 26 empresas.

Não é um número extraordinário e apenas 13 mil de um total de 190 mil metalúrgicos de São Paulo foram beneficiados. Mas a estratégia do sindicato é minar pelas bordas a resistência. "Toda semana fazemos mobilizações em 10 indústrias. Se os empresários não negociam, fazemos greves-relâmpago", explicou ontem o vice-presidente do sindicato, Ramiro Pinto. Ocorreram casos de paralisações de três horas.

É verdade que a maioria das empresas que cedem não adota imediatamente a redução, mas concorda em fazer diminuições homeopáticas.

A indústria Lorenzetti, por exemplo, fechou um acordo que beneficiará todos os 1.500 funcionários somente em novembro de 2002.

"Com esse prazo poderemos absorver aos poucos o aumento dos custos de produção", disse o diretor de recursos humanos da companhia, Eduardo Coli. Os 400 trabalhadores da linha de produção, porém, já serão beneficiados com o corte total em março.

Coli afirmou que aceitou diminuir o tempo da jornada devido à forte pressão do sindicato e às antigas reivindicações dos funcionários, que reclamavam do excesso de trabalho. "Há também uma tendência de adotar a redução."

É verdade que a maioria das montadoras, por exemplo, adota há anos as 40 horas semanais, mas indústrias ligadas diretamente a essas empresas, como as de autopeças, não pretendem abrir mão tão facilmente de um expediente mais longo.

"As 40 horas aumentariam os custos em cerca de 19%, porque os salários permaneceriam os mesmos e as horas extras e benefícios dados pelas companhias ficariam mais caros", declarou Dráuzio Rangel, advogado do Sindipeças. Segundo ele, isso teria de ser repassado aos preços.

De qualquer maneira, a entidade tem reunião marcada para o próximo dia 7 com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligado à CUT, para iniciar conversas sobre a redução. "É uma questão de negociação. Podemos aceitar a redução se houver diminuição dos encargos trabalhistas. Mas o governo teria que participar dos entendimentos", ressaltou Rangel.

Até agora, o Palácio do Planalto afirmou que não pretende se intrometer no assunto.

Apesar do encontro marcado com o Sindipeças, o sindicato do ABC, que também deflagrou uma mobilização pelas 40 horas, não conseguiu até agora a adesão de nenhuma empresa.

Segundo sua assessoria, os industriais reclamam que a redução beneficiaria os concorrentes e, por isso, a entidade partiu para a negociação em conjunto.

Além disso, metade dos 110 mil trabalhadores da base já trabalha menos de 44 horas.

Já o sindicato de São Paulo pretende que 50% de sua base esteja com acordos de 40 horas até novembro, para então forçar um acordo coletivo nesses termos.

 

Empresário não quer a redução de jornada - 21/07/2000

75% são contra, diz Fiesp

Os empresários paulistas são contrários à redução da jornada de trabalho como forma de aumentar os níveis de emprego.

Pesquisa realizada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) com 401 empresários paulistas mostrou que a maioria _75%_ não acredita que uma redução de jornada teria efeitos positivos.

Segundo a pesquisa, 44% dos empresários afirmaram que a redução de trabalho não é uma discussão prioritária e 17% disseram que negociariam diminuição de salário para reduzir custos.

Outros 7% afirmaram que uma redução de jornada diminuiria o nível de produção na indústria e não teria nenhum efeito sobre o nível de emprego.

Apenas 6% dos pesquisados acreditam que haveria geração de empregos. Para 10%, haveria aumento de produtividade e incentivos à produção.

A pesquisa ainda revelou que os pequenos e médios empresários são mais resistentes à redução de jornada. As respostas foram separadas segundo o porte das empresas. No grupo de grandes empresários, 15% acreditam que pode haver expansão do nível de emprego. No caso dos pequenos e médios, a proporção cai para 7% e 5%, respectivamente.

Jornada menor causa redução de desemprego - 09/07/2000

DE PARIS

A França registra seus melhores resultados no combate ao desemprego, obtidos desde o início dos anos 90.

Os dados mais recentes, relativos aos meses de abril e maio, indicaram que o índice de desempregados ficou abaixo do patamar dos 10% da população economicamente ativa (são 9,8%, atualmente), o que não acontecia desde 1991.

A tendência de diminuição do número de pessoas procurando emprego vem se mantendo a mesma desde o início do ano.

De acordo com dados do Ministério do Emprego, em março foram 51,2 mil desempregados a menos no país; em abril, outros 76,9 mil encontraram trabalho; e em maio, 53,3 mil pessoas conseguiram emprego.

Ao longo de um ano, o país teve entre 483 mil e 492 mil desempregados a menos.

As razões do "milagre" se devem, segundo especialistas e o próprio governo, ao aquecimento da economia _que cresce a um ritmo de 3,5% por ano_ e, principalmente, à chamada Lei das 35 Horas.

Adotada no final do ano passado, a lei reduz a carga de trabalho (limitada a 35 horas por semana) e, consequentemente, cria novos postos de trabalho.

O Ministério do Emprego acredita que a lei possibilitou, até agora, a criação ou manutenção de cerca de 205 mil empregos.

A lei, que provocou muita polêmica e ainda é contestada pelo patronato, começa a encontrar defensores no próprio Medef, o sindicato das empresas da França.

O presidente do Medef, Ernest-Antoine Seilliere, admitiu que no sindicato há empresas "bastante contentes" com os resultados da lei.

Trabalho e democracia - 04/07/2000

EMIR SADER

Uma sociedade justa, democrática, hoje, é, antes de tudo, uma sociedade do trabalho. Isto é, uma sociedade em que o direito ao trabalho é garantido para todos, que todos vivam de seu trabalho, sem explorar o trabalho alheio. Um dos sintomas da profundidade da crise social brasileira foi expresso nas declarações do presidente da República de que há milhões de "inimpregáveis" no país. Agora, ele, de passagem pela França, aparentemente se associa à luta pela diminuição da jornada de trabalho como forma de combate ao desemprego. O aspecto positivo é o de estender a discussão sobre a justa reivindicação dos sindicatos. O negativo é a forma de escamotear o problema.

A política do governo francês de combate à inflação vale como uma denúncia da falácia da expressão "desemprego tecnológico", usualmente utilizada pelos governos _inclusive o brasileiro_ como justificativa de sua inação diante dos milhões de "inimpregáveis". Porque a tecnologia, por si mesma, não desemprega ninguém. Ela simplesmente permite que, por exemplo, uma mesma mercadoria possa ser produzida em metade do tempo. Três situações diferentes podem decorrer das novas condições de produção: produzir o dobro de mercadorias; diminuir a jornada de trabalho e seguir produzindo a mesma quantidade de mercadorias; mandar embora a metade dos trabalhadores e manter o nível de produção. O triunfo de alguma dessas alternativas depende das relações de força sociais e políticas.

A tecnologia não define, por si só, as relações sociais. Ela o faz intermediada pela luta social. Assim, quando foi inventada a luz elétrica, poderia ter significado bem-estar maior na casa de toda a população, mas significou, antes de tudo, a introdução da jornada noturna de trabalho, com maior exploração dos trabalhadores em jornadas mais longas, inclusive para mulheres e crianças. Não se pode atribuir à luz elétrica ou a Thomas Edison a responsabilidade pela jornada noturna. Quem se apropria das inovações tecnológicas aumenta ou diminui a taxa de exploração.

No caso da jornada de trabalho, um governo de esquerda social-democrata, mas não da "Terceira Via", como o de Leonel Jospin, optou pela diminuição. Ela vem permitindo a diminuição, ainda que lentamente, do desemprego. Mas não significou qualquer fuga de capitais para outros países como a Inglaterra, por exemplo, que optou pelo modelo norte-americano de flexibilização do mercado de trabalho e pelo ataque frontal ao poder aquisitivo dos salários.

Consciente de que o mercado não distribui renda, não produz relações sociais harmônicas, mas, ao contrário, concentra e exclui, Jospin se valeu da maioria que seu governo dispõe no Congresso e fez aprovar uma lei de redução da jornada de trabalho. As pequenas e médias empresas têm essa redução subsidiada pelo governo, enquanto as outras têm que negociar diretamente com os trabalhadores as condições dessa redução por conta própria.

Tendo aderido ao modelo norte-americano de flexibilização laboral, FHC, igualmente com maioria no Congresso _porém maioria de direita_, propõe que a redução seja negociada entre patrões e trabalhadores, isto é, remete às relações extremamente desfavoráveis aos trabalhadores numa economia com desemprego estrutural a negociação da redução da jornada. Isenta-se de qualquer ação governamental, como se não se tratasse de uma responsabilidade do setor público. Essa a diferença essencial entre um governo de esquerda e um de direita, entre um governo apoiado pelos sindicatos, que força os empresários à negociação, e um governo de direita que assume como sua função essencial favorecer as condições de acumulação de capital e não ousa se opor, ou ao menos pressionar, às grandes empresas.

A luta pela redução da jornada de trabalho e pelo direito universal ao trabalho é uma das lutas fundamentais para uma sociedade democrática que possa, por sua vez, servir de fundamento para uma democracia política.

Emir Sader, 56, é professor de sociologia da USP e da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Autor de "Século 20: uma biografia não-autorizada" (Ed. da Fundação Perseu Abramo).

 

Jornada de trabalho e produtividade - 02/07/2000

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Nas últimas semanas, ocorreram várias manifestações propondo mudanças na jornada de trabalho e fim das horas extras. Elas incluem desde declarações do presidente Fernando Henrique Cardoso e de outras autoridades até ações organizadas e artigos publicados na imprensa por dirigentes sindicais. A justificativa é que tais medidas resultariam na geração automática de empregos no país. Tenho a convicção, entretanto, de que nos termos em que a questão está sendo colocada, isto é, a imposição da redução da jornada e a abolição das horas extras por meio de lei ordinária ou emenda constitucional, os ganhos na criação de novos postos de trabalho não apenas seriam ínfimos, como resultariam numa ameaça à competitividade da economia, podendo provocar, até mesmo, efeitos contrários aos pretendidos.

A redução da jornada de trabalho não pode ser predeterminada e submetida a uma camisa-de-força, sob pena de se tornar um elemento engessador da economia, ao contrário do que preconizam seus defensores. A negociação livre entre trabalhadores e empregadores em torno do número de horas trabalhadas semanalmente é o instrumento mais eficaz e democrático de se tratar a questão, pois permite encurtar ou aumentar o tempo de trabalho, de acordo com a necessidade. Nesse sentido, pode-se invocar o exemplo das montadoras de automóveis, que haviam reduzido a jornada para 40 horas ou menos e atualmente estão trabalhando com as chamadas jornadas turbinadas, que incluem até os sábados e os domingos, o que teria sido impossível caso a redução tivesse sido estabelecida por lei. O mesmo raciocínio pode ser aplicado com relação à eliminação das horas extras, um recurso importante para as empresas que precisam ajustar sua produção às demandas de pico ao longo do mês e às flutuações sazonais ao longo do ano.

O aumento do número de empregos na França como consequência da redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, frequentemente referida, também merece uma análise mais cuidadosa. Há vários equívocos nesse campo. Em primeiro lugar, a França ingressou numa fase de forte crescimento econômico, o que responde por mais de 90% das vagas criadas. Acresce que a redução da jornada só foi implementada após uma adaptação das empresas, mediante negociação, segundo a qual os trabalhadores concordaram em encurtar os dias de férias e várias paradas anuais, assim como trabalhar de forma mais flexível, incluindo sábados e domingos quando necessário. No final das contas o impacto sobre a jornada anualizada foi mínimo. Nesse sentido, a redução da jornada nada mais fez do que provocar uma expansão dos empregos temporários e de tempo parcial e um encolhimento dos empregos fixos e de tempo integral.

Por sua vez, parece tentador demonstrar que a jornada de trabalho no Brasil pode ser reduzida em face dos inegáveis e excepcionais ganhos de produtividade da indústria, comprovados inclusive pelos estudos divulgados mensalmente pela própria CNI. Essa argumentação, contudo, não se sustenta, por diversas razões.

Inicialmente, apesar de os ganhos de produtividade serem amplos, há grande diversidade no setor industrial, com diferenças marcantes entre setores e mesmo entre diferentes empresas de um mesmo setor. Além disso, os ganhos de produtividade do setor industrial não podem ser generalizados para a economia como um todo. A prova é o crescimento muito reduzido do PIB por pessoal ocupado no mesmo período. Outro aspecto a considerar é que os ganhos do setor industrial refletem o esforço das empresas industriais para se manterem competitivas em face da pressão do mercado com a abertura comercial dos anos 90. Isso não significou aumento de lucratividade das empresas, mas redução de preços aos consumidores e manutenção (parcial) do emprego no setor. Finalmente, é indispensável, para a manutenção e aumento da competitividade dos produtos brasileiros, reduzir o custo de produção de modo a dar melhores condições às empresas nos mercados doméstico e internacional. Com isso, pode-se manter e até aumentar a geração de empregos de forma mais permanente.

Qualquer discussão sobre jornada de trabalho e horas extras, portanto, deve necessariamente manter o foco na eficiência produtiva e na competitividade da economia e das empresas brasileiras, considerar a diversidade dos setores, atividades e empresas e, principalmente, ter como premissa a base negocial. Ou seja, jornadas menores e proibição de horas extras não podem ser impostas de forma obrigatória. Tais providências precisam levar em conta casos concretos e incluir a discussão sobre a remuneração proporcional. Fora disso, estaremos nos envolvendo num pseudodebate, estéril e sem objetivos.

Carlos Eduardo Moreira Ferreira, 61, é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e deputado federal (PFL-SP). Foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

 

Emprego industrial em SP sobe 0,22% em maio - 14/06/2000

O nível de emprego industrial no Estado de São Paulo apresentou variação de 0,22% em maio, em relação a abril, o que significa a recuperação de 3.523 postos de trabalho. No ano, o índice acumula alta de 0,76% e nos últimos 12 meses, de 0,54%. Os dados são da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) .

Segundo o diretor-adjunto do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Roberto Faldini, os melhores resultados foram alcançados pelas indústrias automobilística, de autopeças, têxtil e de calçados.

Em compensação, no ano, os setores industriais de alimentos e bebidas respondem com quedas acumuladas até maio _a indústria de bebidas registrou baixa de 1,1% no número de empregados.

A Fiesp sinalizou que não deve abrir mão da redução dos salários no caso de concordar com a diminuição da carga semanal de trabalho. Para Faldini, "seria maravilhoso reduzir a jornada caso a sociedade aceite pagar o aumento de custos para o setor produtivo".

Ele alertou que a proposta da CUT de redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 ou 36 horas só trará aumento de salários quando forem corrigidas as deformações contidas nas leis trabalhistas.

 

KEYNES E O DESEMPREGO - 09/06/2000

A proposta de redução da jornada de trabalho é uma discussão de Primeiro Mundo, mais especificamente da Europa social-democrata. Lá, o trabalhador desempregado é de alguma forma amparado pelo Estado, de modo que o poder público pode destinar recursos à manutenção do valor nominal dos salários, mesmo com menos horas trabalhadas, como o fez recentemente a França. Esse gasto pode tornar-se uma economia na outra ponta, a do salário-desemprego.

No Brasil, onde o sistema de seguridade social é tímido, para dizer o menos, uma eventual redução da jornada de trabalho implicaria ou bem a diminuição da massa salarial, acarretando um novo e grave problema social, ou então produtos mais caros, com perda de competitividade internacional e mais pressão sobre as contas externas. Instrumentos essenciais para a ação do Estado na atual conjuntura são políticas de estímulo ao crescimento.

A questão do desemprego, provocado estruturalmente, entre outras razões, pelo avanço tecnológico, é sem dúvida um dos mais sérios desafios do mundo contemporâneo. Na versão pessimista, é um problema insolúvel e tudo o que se pode fazer é encontrar paliativos, dos quais a redução da jornada é o mais óbvio.

Na análise otimista, preconizada, entre outros, por John Maynard Keynes (1883-1946), o desemprego tecnológico não é tão assustador. Ele só seria uma dificuldade durante uma fase de transição, pois o avanço científico com suas repercussões sobre a produção significaria, na verdade, a solução do "problema econômico da espécie humana", ou seja, a necessidade de trabalhar para sobreviver. A idéia é que, no limite, tudo o que todos necessitam seja produzido por um apertar de botão, se tanto.

Keynes, que não era socialista nem ingênuo, não ignorava as enormes complicações da transição, que vão do presente desemprego à necessidade de uma completa reestruturação psicológica do homem. E isso sem falar em questões como a da distribuição da riqueza.

O paradoxo é que o mesmo processo que significa um grande avanço para a humanidade _as novas tecnologias_ tem um efeito desastroso em curto prazo para os muitos cidadãos que perdem o emprego.

 

Em defesa dos direitos - 25/03/2000

As leis trabalhistas deveriam sofrer uma flexibilização?

NÃO

Em defesa dos direitos

JOÃO ANTÔNIO FELÍCIO

As propostas de emendas à Constituição que visam mudar a legislação trabalhista estão centralizadas em dois pontos. O primeiro é retirar da Carta os direitos sociais fundamentais, submetendo-os à negociação direta entre sindicatos patronais e dos trabalhadores. Os principais direitos são o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), multa de 40% sobre o saldo do FGTS, férias remuneradas com pelo menos um terço acima do salário,13º salário, DSR (descanso semanal remunerado), hora extra com remuneração no mínimo 50% superior ao salário, entre outros. O segundo ponto é a instituição de regime jurídico diferenciado para empregados de pequenas e microempresas.

Os falsos argumentos que levam o governo a apresentar essas propostas não são novos. Na verdade, não passam de mais uma tentativa de flexibilização do mercado de trabalho brasileiro com a justificativa de ele ser extremamente rígido e possuir alto custo de mão-de-obra. Mas o governo já tentou, por outros meios, flexibilizar o mercado, como na lei que instituiu o contrato de trabalho por prazo determinado, em janeiro de 1998.

O governo afirma que nos países que tomaram iniciativas de desregulamentação do mercado de trabalho as taxas de desemprego têm se comportado em níveis aceitáveis e baixos. É um argumento falso, pois a justificativa carece de fundamentos reais.

O mercado de trabalho já é bastante flexível. Basta observarmos a grande informalidade e rotatividade da mão-de-obra. Os custos de admissão e demissão, bem como os encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento, não são altos como se quer fazer crer. Cerca de 30% dos assalariados em 1997 ficaram menos de um ano no emprego. Estendendo esse período para três anos, o índice chega a 54,5%.

Isso evidencia que a alta informalidade não está vinculada ao marco legal que pretensamente torna rígido o mercado de trabalho.

O modelo econômico adotado desde o início da década de 90 em boa parte da América Latina caracteriza-se pela busca de inserção externa por meio da desregulamentação dos mercados financeiros de bens e serviços.

Esse desenho de política econômica repercute no mercado de trabalho: há setores empresariais que estão exigindo uma maior flexibilização das relações de trabalho. O argumento empresarial é tornar a produção nacional mais competitiva pela redução dos custos da mão-de-obra e diminuição dos encargos sociais. Porém o peso dos encargos sociais no preço total da mão-de-obra não é mais elevado no Brasil se comparado a outros países.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no setor manufatureiro os custos da mão-de-obra brasileira são bastante baixos se comparados aos dos países desenvolvidos. Além disso, a flexibilização do mercado de trabalho não significa necessariamente aumento do número de empregos. A Espanha criou 14 tipos de contratos especiais de trabalho sem conseguir reduzir a taxa de desemprego (aproximadamente 22%).

Na Argentina, onde também houve flexibilização, o desemprego chegou a atingir 17% da População Economicamente Ativa (PEA). No Brasil, as tentativas de flexibilização (pelo contrato de trabalho por prazo determinado) tiveram impacto praticamente nulo.

No Brasil não existem grandes dificuldades para demitir, pois a legislação trabalhista é muito flexível e a proteção ao emprego restringe-se a multas de 40% sobre o FGTS, aviso prévio, férias proporcionais e 13º salário. Os demais custos referem-se a encargos sociais sobre a folha de salário e fazem parte da rotina normal de definição do custo do emprego na mão-de-obra assalariada, que é obrigação do empregador, independentemente do ato da demissão.

A inexistência de barreiras às demissões faz que as empresas contratem no período de maior produção e demitam na queda. Mesmo que o empregador volte a contratar dentro de três ou quatro meses, ele prefere demitir em lugar de manter o trabalhador, pois os valores gastos com a demissão são inferiores aos meses de salário de um trabalhador ocioso. O custo de demissão é menor quanto menor for o tempo de serviço do trabalhador: aumentando o tempo de serviço eleva-se o custo de demissão.

Gerar empregos resulta em grande medida da combinação de vontade política com a adoção de políticas industrial, agrícola, agrária e de geração de emprego e renda.

Há importantes iniciativas, que dependem do posicionamento do Congresso Nacional e das relações capital-trabalho, que podem ter implicações positivas na geração de emprego e renda, especialmente a redução de jornada de trabalho associada à limitação de horas extraordinárias.

O governo poderia começar pela revisão da sua decisão de reajustar o salário mínimo para R$ 151. Esse valor é inaceitável e esperamos que os partidos no Congresso cumpram o seu dever de representar os interesses do povo brasileiro.

João Antônio Felício, 49, professor da rede pública estadual

 

Tempo de trabalho cai, mas não para todos - 30/05/1999

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Vamos trabalhar menos no futuro, com prevêem alguns teóricos? Provavelmente sim. Mas essa previsão não valerá para todos.Os dados mostram que, ao longo deste século, a carga de trabalho média caiu a dois terços ou mesmo à metade, dependendo do país. O problema é saber quem vai se beneficiar dessa tendência. Para entender melhor a situação, vale lembrar a velha piada: se uma pessoa comeu um frango e a outra, nenhum, na média ambas comeram meia ave. Do mesmo modo, a regra secular de diminuição da jornada de trabalho exclui uma parte significativa da humanidade. Um número crescente de pessoas simplesmente não vai trabalhar (os desempregados). Um segundo contingente, cada vez maior, vai ter uma (ou mais de uma) ocupação em tempo parcial. No outro prato da balança está um grupo emergente de trabalhadores que é frequentemente instado a fazer horas-extras para atender ao aumento da demanda de produção em seus setores. No meio, está o grupo de trabalhadores com jornada plena (44 horas semanais). De todos, é o único que está diminuindo de tamanho. É o que mostram dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) compilados pelo economista Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas, em um amplo estudo sobre a jornada de trabalho. A pesquisa abrange o Brasil e outros países.

O professor da Unicamp diz que todos esses movimentos estão conectados com a flexibilização do uso do trabalho. Ou seja: a adequação do tempo de trabalho ao volume da produção. Ela substitui a prática anterior de fazer o ajuste pela quantidade de empregados. Em 20 anos, o percentual de desempregados no Brasil foi multiplicado por três. Já o percentual dos empregados que trabalham até 39 horas por semana dobrou de 14,2% para 24,8%, enquanto o dos que têm jornadas maiores do que prevê a Constituição saltou de 34,6% para 41,2% da PEA (População Economicamente Ativa).A alta do desemprego no Brasil está ligada à estagnação econômica das duas últimas décadas, à abertura comercial implantada nos anos 90 (que levou à troca da produção pela importação) e à reestruturação das grandes empresas (novas formas de gestão e inovações tecnológicas).O aumento das pessoas em jornada parcial reflete a precarização do mercado de trabalho: a difusão do emprego sem registro e "bicos''.Já a variação do contingente de trabalhadores que têm jornada estendida acompanha o ritmo da economia. Se há aquecimento, as empresas, em vez de contratar mais empregados, aumentam as horas-extras dos já contratados.Uma outra causa provável, lembra Pochmann, é a transformação de assalariados em trabalhadores autônomos, ou por conta própria. Muitas vezes eles são obrigados a trabalhar mais para obter uma renda equivalente à que tinham quando eram contratados.Na média, entretanto, a carga de trabalho no Brasil está em queda desde quando as estatísticas alcançam. Em 1913, um brasileiro médio trabalhava 3.016 horas por ano.Para se ter uma idéia de quanto isso significa, nem seria possível dividir esse tempo em jornadas de 8 horas porque seriam necessários mais dias (377) do que há no ano para completá-la. Se a pessoa trabalhasse todo dia, os sete dias por semana, sua jornada média seria de 8 horas e 15 minutos. Desde então a lei instituiu a jornada de 44 horas semanais, as férias remuneradas de 30 dias por ano e outros benefícios que forçaram a queda desta média. Em 1996, ela já era bem menor: 2.102 horas/ano (o equivalente a trabalhar 8 horas durante 263 dias por ano). Ou, se se trabalhasse todos os dias do ano, a média diária seria de 5 horas e 45 minutos. "MITO DE MACUNAÍMA"A comparação desses dados com os de outros países afasta o "mito de Macunaíma", de que o brasileiro é preguiçoso. Na verdade, a média de horas trabalhadas no país é maior do que a de países europeus, Japão e Estados Unidos. E não se trata de um fenômeno recente. Em 1913, como mostra o estudo de Pochmann, o trabalhador brasileiro ainda enfrentava uma jornada anual na casa das 3.000 horas _um patamar já deixado para trás pelos países desenvolvidos desde antes de 1870.A queda da carga de trabalho prosseguiu em todos os países nas décadas seguintes, mas o brasileiro continuou trabalhando mais. Em 1938, a jornada mais próxima da brasileira era a alemã e, mesmo assim, ainda era 18% menor. A essa altura, já havia mais de 30 anos que a Europa tinha instituído a jornada diária de 8 horas. No Brasil, embora prevista na Constituição de 1934, ela só seria disciplinada em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho. A tendência universal de queda no tempo trabalhado continuou até o início dos anos 80, quando estancou em vários países e foi invertida em outros. Essa mudança tem razões distintas em cada país. Nos EUA, por exemplo, a carga horária de 1996 é maior do que a de 1983, que por sua vez supera a carga horária de 1970. O motivo, afirma Pochmann, está ligado ao uso intensivo de horas-extras, ao trabalho autônomo e à terceirização." Em vez de contratar mais mão-de-obra, como faziam até então, as empresas optaram por duas novas estratégias: obrigar seus funcionários a estender sua jornada, ou lançar mão da subcontratação'', diz. É o caso, por exemplo, da UPS (serviços postais), que em lugar de contratar novos entregadores segundo as normas previstas no contrato de trabalho assinado junto ao sindicato da categoria, preferiu usar trabalhadores terceirizados. Esses trabalhadores são contratados por outras empresas e estão sujeitos a jornadas maiores, pois não se beneficiam do contrato coletivo dos funcionários da UPS.

No caso oposto, dos países que continuaram a registrar queda na carga horária, o melhor exemplo é o da Holanda, que hoje apresenta uma taxa de desemprego de apenas 3,6%. Em grande parte, a redução da jornada holandesa nas duas últimas décadas se deveu à maior presença dos trabalhadores com emprego de tempo parcial.Em 1973, apenas 13% dos ocupados holandeses tinham um emprego de até 30 horas semanais. Esse percentual praticamente triplicou até 1996, quando já somava 37% dos empregados naquele país."Isso foi fruto de pactos feitos entre os sindicatos patronais, de trabalhadores e o governo para combater o desemprego e atender à demanda das empresas. Elas queriam maior flexibilidade para compatibilizar o tempo de trabalho de seus funcionários com o ritmo de produção'', diz Pochmann.As diferenças entre EUA e Holanda mostram que o aumento da heterogeneidade é a tendência para o futuro da jornada de trabalho.Infelizmente, teóricos como o sociólogo italiano Domenico De Masi estão certos apenas no que se refere a uma parte dos trabalhadores, para os quais haverá uma redução da jornada de trabalho _como os funcionários da Volkswagen alemã, que já trabalham menos de 29 horas por semana.Mas há um aumento das desigualdades. Ela cresce entre os países, entre os ocupados e os desempregados e entre aqueles que ainda conseguem manter seu emprego assalariado e os que estão sujeitos às novas e mais flexíveis regras do mercado. Para os últimos predomina a perda de direitos que, como a jornada de 8 horas semanais, existiam havia mais de um século.

Jornada de 28 horas elimina desemprego - 30/05/1999

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Atualmente, as pessoas com algum tipo de ocupação no Brasil trabalham em média 43 horas e 48 minutos por semana. Se a jornada semanal fosse reduzida para 28 horas e 6 minutos seria possível empregar todos os brasileiros com mais de 14 anos de idade. O cálculo, feito pelo economista Márcio Pochmann, baseia-se na premissa de alguns teóricos da sociologia do trabalho, como Domenico De Masi. O italiano defende que, na sociedade pós-industrial, é tão importante redistribuir o trabalho já existente quanto criar novas oportunidades de emprego. Em recente entrevista à Folha, o professor da Universidade de Roma citou países onde há um grande percentual de trabalhadores em meio período e o desemprego é baixo. Na Holanda, 36,5% de trabalhadores têm jornada parcial e há só 3,6% de desempregados. Se em tese seria possível empregar todo mundo, na prática a teoria é outra. A redução da jornada sem diminuição dos salários interessa aos trabalhadores porque aumenta as oportunidades de emprego e valoriza o trabalho. Mas o mesmo raciocínio não vale do ponto de vista das empresas.

No passado, os ganhos de produtividade foram repassados aos trabalhadores, mesmo que minimamente, por meio da redução de jornada. Entre 1870 e 1996, enquanto a produtividade cresceu 2,9% ao ano, na média dos países pesquisados por Pochmann, a jornada caiu ao ritmo anual de 0,36%.No Brasil, durante o mesmo período, a aumentos médios anuais de produtividade de 3,15% correspondeu uma redução na jornada de trabalho de 0,32% por ano. Nas duas últimas décadas, porém, os aumentos de produtividade têm sido muito baixos. No Japão, por exemplo, a produtividade, que cresceu a taxas anuais de 9% entre 1960 e 1973, passou a aumentar 1% ao ano na década de 90.Se antes já era difícil reduzir as jornadas, agora, portanto, a tarefa ficou muito mais difícil. O problema, entretanto, não pára por aí. Outro estudioso do assunto, o ex-secretário do Trabalho dos EUA Robert Reich ressalta um aspecto negativo da redução da jornada de trabalho: ela resulta em oportunidades desiguais, já que o aprofundamento da competição leva a maiores disparidades sociais e de renda. Reich divide os trabalhadores na era pós-industrial em três categorias: analistas simbólicos (com trabalho intelectual, baseado em informação e na produção de idéias), trabalhadores manuais ligados diretamente à produção, e prestadores de serviços pessoais. Dessas categorias, apenas a primeira deve se beneficiar das novas oportunidades de emprego e melhor remuneração. Principalmente porque, segundo Reich, as nações mais competitivas serão aquelas com maior capital humano. Ou seja: os tais analistas simbólicos.Mesmo para eles, lembra Pochmann, a jornada ainda é uma questão central. Nem tanto pelo tempo, mas pela intensidade do trabalho. "No trabalho criativo, o conceito de tempo é completamente diverso do que no repetitivo. Neste, o tempo equivale a resultado. Mas no criativo o resultado é desconectado do tempo'', diz De Masi.

Para financistas, publicitários e executivos, por exemplo, a tendência é que o controle do período de trabalho seja transferido para o próprio trabalhador. Sai o relógio de ponto e entram as metas de produção. Ele tem de cumprir tarefas, não importa quando (se à noite, no fim-de-semana), onde (se em casa) e quantas horas trabalha. Se por um lado isso permite jornadas mais flexíveis, por outro transfere para o trabalhador controle de sua própria produção.A pressão para atingir as metas se transforma, por vezes, em estresse, jornadas mais longas do que o previsto no contrato de trabalho e, no limite, depressão e desinteresse. No Japão, a situação chegou a tal ponto que foi até criada uma expressão para designar o problema: "karoshi'', algo como "morte por excesso de trabalho'', que atinge indistintamente os trabalhadores de todas as categorias." Apesar de vivermos o dobro do que nossos antepassados imediatos, trabalhamos menos. Temos à nossa disposição um tempo enorme de não-trabalho, mas, apesar disso, temos a impressão de não termos tempo'', constata De Masi. Os números lhe dão razão. Em 1900, os brasileiros viviam em média 300 mil horas. Desse tempo, 30% era ocupado pelo trabalho. Hoje, a expectativa de vida é quase o dobro, e a jornada de trabalho ocupa só 16% de nossas vidas _praticamente a metade do que no início do século. "Mesmo que no futuro a jornada de trabalho atual seja mantida, o tempo de trabalho em relação ao total da vida deve diminuir'', diz Pochmann. Projeção feita por ele aponta que, em 2010, os brasileiros deverão viver por cerca de 720 mil horas, das quais apenas 12% serão ocupadas pelo trabalho. O resto será preenchido por atividades burocráticas _como pagar contas no banco ou ir ao supermercado, pelo sono, estudo, lazer e aposentadoria. Um dos pioneiros no diagnóstico dessa dinâmica, De Masi tornou-se famoso _e polêmico_ por defender a sociedade do não-trabalho. "O ócio é nosso parceiro de amanhã: o lugar e o tempo no qual teremos a possibilidade de pensar e de criar para nós e para o próximo'', prevê. O problema é que, sem equalizar o problema do acesso universal ao trabalho, o ócio pode ser também nosso inimigo de amanhã: o ócio total, proporcionado pelo desemprego, está mais próximo da marginalização, criminalidade e violência do que do bem comum.(JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)

Empresários franceses não aprovam taxa - 19/05/1999

Empresários franceses não aprovam taxa de Paris O empresariado francês reagiu ontem à proposta do governo socialista do premiê Lionel Jospin de redução da contribuição do social dos empregadores para compensar a diminuição da jornada de trabalho de 39 horas semanais para 35 horas. A compensação sugerida ao premiê por seus ministros do Emprego, Martine Aubry, e da Economia, Dominique Strauss-Kahn, no entanto, não agradou o empresariado porque prevê o seu financiamento por meio da criação de uma nova taxa _sobre produtos poluentes_ e do aumento da contribuição das grandes empresas (com faturamento anual superior a US$ 8 bilhões por ano)."É o cúmulo do paradoxo: o governo propõe compensar a alta de custos provocada pela passagem às 35 horas com novos impostos", disse à imprensa o presidente do Movimento das Empresas Francesas, Ernest-Antoine Seillière. A partir de 1º de janeiro de 2000, a jornada de trabalho legal na França cai em quatro horas para empresas do setor privado com mais de 20 empregados. O principal objetivo da medida é reduzir o desemprego, hoje em 11,5% dos trabalhadores da ativa. O projeto permite a redução proporcional dos salários, mas não do mínimo, provocando aumento automático de 11,4%. O governo acredita que esse aumento pode ter o efeito contrário de favorecer o desemprego e por isso quer compensá-lo.Pelo projeto apresentado na segunda-feira, fruto de um acordo entre os dois ministérios, o aumento dos custos das empresas seria compensado pela redução da contribuição social. As empresas poderão reduzir em cerca de US$ 3.500 os custos anuais em contribuição sobre o salário de cada trabalhador que ganhe até 1,8 salário mínimo (cerca de US$ 1.700).O governo espera arrecadar cerca de US$ 4 bilhões com a ecotaxa.

 

 

França reduz jornada para 35 horas - 20/05/98

Os deputados franceses aprovaram ontem a lei que reduz a jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas semanais.

A redução da jornada é válida a partir do ano 2000 para as empresas com mais de 20 assalariados e, a partir de 2002, para aquelas com menos de 20 funcionários.

A lei é a solução encontrada pelo governo do primeiro-ministro Lionel Jospin para combater o desemprego, hoje em 12,4% da população economicamente ativa. A proposta foi, inclusive, uma promessa eleitoral de Jospin, que chegou ao poder no ano passado.

A maioria dos deputados de esquerda (socialistas, comunistas) aprovou o texto, contra o voto da oposição de direita (liberais).

A previsão do governo é que a diminuição da jornada reduza a taxa de desemprego em 1,2 ponto percentual até o ano 2000 e que crie até 480 mil empregos. Mas o resultado está condicionado à porcentagem do salário que será reduzido de cada trabalhador.

Se todos trabalhassem menos horas haveria mais emprego? - 01/05/98

Reduzir jornada de trabalho para empregar mais pessoas pode produzir efeito oposto; alguns países adotam contratos de meio período como forma de expandir vagas

do Conselho Editorial

Em francês ou em inglês, em espanhol ou até em grego, o movimento sindical europeu canta um cântico único: "Trabalhar menos para que todos possam trabalhar".

É a pauta musical para defender a redução da jornada de trabalho das 40 horas semanais, hoje mais ou menos generalizadas, para 35 horas (ou até 32 horas, em certos casos ou países).

Seria a resposta para o desemprego, na visão do sindicalismo europeu e também brasileiro.

Será mesmo? Nem os sindicalistas exibem consenso a respeito. Embora a maioria defenda a tese, Nicole Cotat, secretária-geral da CFDT (Confederação Francesa de Trabalhadores), acha que a redução da jornada pode servir para outras finalidades, "mas, como arma antidesemprego é publicidade enganosa".

Por quê? Responde Jennifer Hunt, especialista da Universidade de Yale em trabalho/emprego: "Não há evidências de que a redução da jornada reduza também o desemprego. Os empregadores acham o sistema ineficiente e compensam a redução com o corte dos custos, inclusive na folha de pagamentos" (dispensando empregados, portanto, em vez de contratá-los).

O patronato, como é natural, concorda com a análise de Hunt, como o demonstra a reação de Jean Gandois, o principal dirigente empresarial francês quando do anúncio, no final de 97, do projeto de lei que reduz a jornada de trabalho para 35 horas. Gandois demitiu-se da central patronal, dizendo que a nova lei "será muito ruim para o emprego e vai criar considerável desemprego".

Dúvida européia

O governo socialista francês passou por cima da reação e encaminhou ao Legislativo o projeto que prevê uma jornada de 35 horas a partir de janeiro do ano 2000.

Romano Prodi, o primeiro-ministro italiano, pegou carona e também apresentou proposta com o mesmo objetivo.

Até agora, no entanto, França e Itália ficaram isoladas, na Europa, na proposição das 35 horas semanais. Padraig Flynn, o irlandês que chefia a área de Assuntos Sociais na Comissão Européia (braço executivo do conglomerado de 15 países), diz: "A União Européia não recomendará a seus membros aplicar de forma generalizada a semana de 35 horas".

Flynn duvida das virtudes milagrosas da jornada semanal de 35 horas: "Certamente, não é a panacéia contra o desemprego", afirma.

Prova de que a questão é de fato complexa vem do fato de outro líder europeu, Jacques Poos, chanceler de Luxemburgo, ter opinião oposta: "A idéia das 35 horas semanais se imporá a todos no início do século 21".

A experiência alemã

Previsão arriscada a de Poos. Por enquanto, as 35 horas semanais parecem confinadas a poucos exemplos, entre as grandes empresas. Um deles é o da Volkswagen alemã.

Pressionada pelos prejuízos, em 1993, a empresa propôs (e os trabalhadores aceitaram) reduzir a jornada para 28,8 horas semanais (diminuição de 20%), com corte salarial menor (15%), a partir de 1º de janeiro de 94.

A alternativa era dispensar 30 mil dos 128 mil trabalhadores das dez unidades da Volkswagen na Alemanha.

O esquema funcionou, aparentemente para os dois lados: a Volks voltou ao lucro, e uma pesquisa feita dois anos depois (em 1996) mostrou que 75% dos empregados estavam satisfeitos.

A Siemens, a maior empregadora alemã (197 mil funcionários), seguiu a tendência, mas num segmento mais limitado: acordo com o sindicato permitiu que os empregados de 55 anos ou mais reduzam à metade a jornada de trabalho, com corte salarial de apenas 18%.

São dois casos poderosos, pelo porte das empresas envolvidas, mas nem assim o suficiente para convencer o próprio empresariado alemão.

Peter Stihl, presidente das Câmaras de Comércio e Indústria da Alemanha, acha que o correto é aumentar, em vez de diminuir, as horas trabalhadas, "para reduzir o custo da mão-de-obra, e estimular as empresas a contratar".

Tempo parcial

Uma vertente menos polêmica de redução da jornada de trabalho é o trabalho em tempo parcial, com salário correspondente.

A idéia é menos polêmica por que implica a aceitação do empregado, que se dispõe a ganhar menos para ter mais tempo livre disponível, porque suas necessidades básicas podem ser satisfeitas mesmo com um rendimento inferior.

Serve, acima de tudo, para países extremamente homogêneos, como a Holanda, no qual 38,1% da força de trabalho têm emprego "part-time".

Nos Estados Unidos, o trabalho em tempo parcial também cresceu, mas não por acordo entre as partes. Foi como imposição, gerando um crescimento da desigualdade social criticada até por Robert Reich, que foi secretário do Trabalho no primeiro mandato de Bill Clinton (1993-96).

Polêmica ou não, a proposta das 35 horas semanais ganhou força a partir de dados impressionantes sobre como a indústria, no mundo todo, faz hoje muito mais produtos com muito menos gente.

A Volkswagen alemã, para ficar num só exemplo, fabricou, em 1996, 4 milhões de veículos com 243 mil funcionários. Quatro anos antes, 280 mil trabalhadores faziam apenas 3 milhões de unidades.

(CLÓVIS ROSSI)

Notas do caderno da faculdade - 05/01/98

JOÃO SAYAD

Operários e industriais têm tido que negociar salários e emprego. As negociações são difíceis, o problema é sério e doloroso. Depois de tanto esforço e sofrimento, os líderes dos dois lados ainda têm que dar entrevistas e responder perguntas.

À guisa de cooperação, estou oferecendo as notas de aula de economia sobre o assunto. Não ajudam em nada a negociação, que, como todas as coisas do Brasil atualmente, são levadas a cabo visando aos interesses particulares dos trabalhadores e das empresas. Mas, para dar entrevistas, acho que as notas abaixo podem auxiliar.

''Podemos analisar várias medidas para aumentar o emprego, considerando diversas alternativas:

1 - No caso de uma economia aberta, existem as seguintes alternativas:

a) desvalorizar o câmbio em termos reais.

A desvalorização do câmbio aumenta a rentabilidade das exportações, faz as importações mais caras e, como resultado, aumenta o emprego nas empresas exportadoras e nas indústrias que competem com importações. Tende a reduzir o saldo negativo do balanço de transações correntes. Por outro lado, pode causar inflação ou crise financeira.

b) reduzir o salário nominal.

É equivalente à desvalorização cambial, pois aumenta a rentabilidade das exportações e torna os produtos nacionais mais competitivos com os importados.

Com câmbio fixo, é equivalente a reduzir o salário real. O salário real não se reduz quando se consideram os preços dos serviços públicos ou dos produtos domésticos, como habitação, segurança ou mesmo transporte público.

Por outro lado, é preciso convencer trabalhadores que a redução dos salários nominais terá efeitos benéficos para que aceitem a medida. É tarefa muito difícil, pois estamos negociando um prejuízo imediato, concreto e visível em troca de benefício público, prometido e abstrato.

Geralmente o processo de convencimento dos trabalhadores é frustrado. Somente a recessão, no caso de sociedades democráticas, ou o fechamento de sindicatos, no caso de sociedades autoritárias, tem conseguido obter este resultado.

c) reduzir as taxas de juros reais.

Não existem evidências empíricas convincentes de que a redução da taxa de juros aumenta o emprego. Isto só acontece se empresários investirem mais em novos equipamentos ou em mais estoques. Apesar de a argumentação lógica ser muito convincente, a evidência empírica é fraca.

d) Aumentar os gastos dos governos mais do que a arrecadação.

É equivalente a aumentar o déficit público. Tem efeitos imediatos que podem ser compensados por aumentos na taxa de juros que reduziriam os investimentos privados, o que não encontra apoio nas evidências empíricas.

Nos anos correntes, a estratégia está praticamente excluída, por razões políticas e teóricas. Como se acredita que o déficit é ruim, o aumento de déficit pode gerar fuga de capitais. Com taxas fixas de câmbio, resulta em redução de liquidez e diminuição do nível de atividade e emprego.

e) Diminuir os encargos sociais.

É equivalente a reduzir os salários reais. O resultado depende de como a perda das receitas dos encargos afetará os gastos públicos. Se deixarem de ser gastos, tendem a reduzir o emprego.

f) aumentar a poupança.

Aumentar a poupança ou consumir menos, só atrapalha. Aumentar os investimentos, ajuda. Investimento é diferente de poupança. A melhor recomendação é deixar a poupança em paz.

2 - Quando se consideram várias economias ao mesmo tempo, é preciso mais cuidado pois:

a) desvalorização cambial.

Não é mais remédio para o desemprego. Se um país desvaloriza e aumenta o emprego, outros países perdem o emprego. Se todos desvalorizarem ao mesmo tempo, o emprego não se altera.

b) reduzir o salário nominal.

Também não funciona quando se consideram todos os países ao mesmo tempo. A redução do salário nominal pode reduzir o nível geral de preços, gerar expectativas de que os preços vão cair mais ainda e, como resultado disto tudo, aumentar as taxas de juros, a vontade de guardar dinheiro em caixa e, consequentemente, diminuir ainda mais o emprego. O salário real pode cair ou não, depende de como os preços se ajustem.

c) aumentar o déficit público.

Não tem contra-indicação enquanto existir desemprego. Único problema é o mal-estar político e a prevenção contra gastos públicos e governos em geral.

É preciso questionar a própria pergunta. Por que aumentar o emprego?

Não seria melhor trabalhar menos, descansar mais? Se sobra mão-de-obra e produção, poderíamos fazer como anunciam os franceses socialistas e praticam os alemães sociais-democratas. Bastaria reduzir a jornada de trabalho sem reduzir salários.

Um país não pode fazer isto isoladamente. A menos que possa ter grandes déficits em transações correntes com financiamento garantido, como os Estados Unidos. Ou que possa desvalorizar o câmbio, o que é problemático para muitos países como o Brasil.''

João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.

E-mail: jsayad@ibm.net

 

'Só jornada menor evita cortes em massa' - 27/11/97

SÉRGIO LÍRIO

O presidente da Semp Toshiba, uma das maiores do setor eletroeletrônico, Affonso Brandão Hennel, decidiu levantar uma bandeira. Para o empresário, só a redução da jornada de trabalho, com a proporcional redução de salários, pode evitar uma enxurrada de demissões nos próximos meses.

Hennel diz que a Semp Toshiba só não adota a medida porque os sindicatos são inflexíveis. ''Eles acham que reduzir salários em 80% é o mesmo que reduzir a zero.''

(SÉRGIO LÍRIO)

Folha - Por que o sr. defende a redução de jornada e de salários?

Affonso Brandão Hennel - A idéia é minimizar os efeitos das variações da economia sobre o desemprego. O processo de demissão e admissão em empresas é normal, mas cada vez que você é obrigado a demitir alguém, interrompe todo um processo evolutivo. Às vezes até uma carreira. Demissão representa jogar fora o treinamento, significa despesas para o Estado e para a empresa. É uma situação penosa para todos. Além disso, um funcionário demitido representa um consumidor a menos.

Folha - Mas a redução de salários também não levaria a uma diminuição do consumo?

Hennel - Mas o consumo já está reduzido. E é por isso que nós queremos adequar a mão-de-obra ao consumo. Fora essa proposta, a única alternativa será demitir.

Eu não quero despedir. E acho que a semana flexível serviria como um colchão para os momentos em que a atividade da economia estiver em queda. Ela representaria uma ruptura com a relação entre o desempenho do mercado e do nível de emprego.

Folha - Qual o limite para a redução da jornada?

Hennel - É preciso experimentar. Fazer uma semana de quatro ou três dias. Eu acho que a semana flexível deve ser tão longa quanto possível, e não o contrário.

Ganhar menos e trabalhar menos não seria pior para o funcionário?

Hennel - Numa situação como a atual é uma forma de manter empregos. Não digo que a semana flexível irá resolver o problema, mas pode minimizá-lo. Além disso, numa semana de três dias o funcionário ganharia dois dias para cuidar de suas coisas. Ou se reciclar. E a redução seria proporcional. No caso da Semp, acho que daria para os trabalhadores manterem as despesas básicas, sem o risco de perder tudo.

Folha - O sr. sabe o que os seus funcionários pensam disso?

Hennel - Conversas que temos tido com os trabalhadores mostram que eles são favoráveis à idéia. Há cerca de três meses, os salários de toda a diretoria foram reduzidos em 20%. Eu sei que não somos exemplos, que ganhamos muito, mas quem não precisa de dinheiro? O problema de fazer a idéia funcionar está nos sindicatos de trabalhadores, que acham que reduzir para 80% ou 70% os salários é o mesmo que reduzir a zero. Eles são inflexíveis.

Folha - O principal temor dos sindicatos parece ser o fato de não se estabelecer um prazo determinado para a redução.

Hennel - Eu acho que seria ótimo se nós pudéssemos estabelecer um prazo. Porque aí nós diríamos: olha, mercado, você tem prazo até tal data para comprar novamente, porque nós temos compromissos com nossos funcionários e nós pretendemos cumprir. Vamos deixar de utopia. Numa situação dessas, como marcar prazo? Não existe prazo. Nós somos súditos do mercado. O mercado não quer saber se nós somos preparados, se nós somos inteligentes, se somos competentes, se nós fomos competentes, se nós seremos competentes. O mercado é diferente. Nós estamos sujeitos às regras do mercado. E quando não nos sujeitamos às regras do mercado, geralmente nos damos mal. Tanto funcionários quanto as empresas.

Folha - Mas essa é uma idéia para momentos emergenciais, como o que vivemos agora?

Hennel - O momento de queda é recorrente. Em qualquer época, tem sempre empresas em queda e outras vendendo bem. Acho que a semana flexível poderia ser adotada quando fosse necessária e quando funcionários e empresa estivessem de acordo. Sou um empresário que acha economia não se faz nos salários. Você ganha vendendo, não desempregando. Ganha produzindo e, se possível, produzindo mais. Meu alvo não é o salário dos funcionários. Meu alvo é a adequação ao mercado.

Folha - O sr. acha que o Brasil poderia ter uma semana de trabalho semelhante à da Europa?

Hennel - Acho que não. Lá é outro mundo. Nós estamos aqui num mundo novo. Nós precisamos trabalhar mais, não menos.

Folha - O sr. acha que trabalhamos pouco?

Hennel - Eu não estou dizendo que trabalhamos pouco. Digo que temos de trabalhar mais. Isso para alguns pode implicar em mais qualidade, para outros em mais tempo. Há categorias que trabalham pouco tempo. Outras poderiam trabalhar melhor. Eu acho que a busca da melhora é uma condição permanente do indivíduo.

Por que lutamos pelas 40 horas - 16/06/97

 

PAULO PAIM; INÁCIO ARRUDA

A luta pela semana de 40 horas de trabalho não é nenhuma novidade. Em 1936 ela foi conquistada pelos trabalhadores franceses. Hoje, na Europa, nos EUA e na maior parte do mundo ela é uma realidade.

Aqui no Brasil, apenas recentemente, com a nossa luta na Constituinte de 1988, conquistamos a semana de 44 horas. Com base nesse raciocínio, aos trabalhadores brasileiros deveriam ser dadas condições idênticas de trabalho àquelas vivenciadas pelos trabalhadores norte-americanos e europeus.

As máquinas utilizadas nos processos de produção são, ou deveriam ser, idênticas. As empresas são as mesmas, inclusive seus acionistas. Então, o tratamento dispensado aos trabalhadores deveria também ser o mesmo. Ou será que somos inferiores?

Vemos que, em toda parte, cada vez é maior a luta pela diminuição da jornada de trabalho com o objetivo de, por um lado, melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, proporcionando-lhes mais tempo com seus familiares, mais tempo para seus estudos e aprimoramento e mais tempo de lazer. Por outro lado, na medida em que se limitam as horas trabalhadas, criam-se novos postos de trabalho, atenuando a tendência crescente de desemprego. Diversas correntes de pensamento já defendem a jornada de trabalho de meio turno, para que todos tenham emprego.

Recentemente, a Força Sindical apresentou ao país a proposta de redução da jornada de 44 para 30 horas, com diminuição de salários. Entendemos que esse tipo de acordo, neste momento, só poderá ser feito entre empregado e empregador, quer seja por ramo de produção ou por local de trabalho. Particularmente, somos contra a redução dos salários.

A proposta que defendemos, e que se enquadrará plenamente à realidade do país, está contemplada na proposta de emenda constitucional nº 231/95, de nossa autoria _é uma redução gradual, em que não haverá perda de salários.

No Brasil, a simples redução das 44 para 40 horas semanais deve significar a criação de 3,6 milhões de novos empregos. De 1990 a 1996, o Brasil perdeu 2,5 milhões de postos de trabalho e, a cada ano, ingressam no mercado de trabalho 1,6 milhão de jovens, que ficam sem emprego.

A redução da jornada teria o efeito imediato de recuperar os postos perdidos e ainda atender parte da demanda de novos postos de trabalho.

Obviamente, muitos empresários se sentirão injustiçados. Dirão: "Como seguiremos pagando o mesmo, por menos horas trabalhadas?" Nada mais fácil de contestar e com argumentos de total transparência.

De 1990 a 1996, a produtividade no Brasil cresceu 45%. Isso significa que um operário que em 1990 fabricava cem produtos em 44 horas, hoje produz 145 durante as mesmas 44 horas. Com essa produtividade, em 40 horas semanais o mesmo operário produzirá 132 artigos.

Na verdade, o trabalhador apenas recupera parte da produtividade apropriada pelo empresariado. Nada mais justo que o trabalhador participe, ainda que em somente 30%, da produtividade conseguida nesses últimos anos. Até agora ele está ganhando somente o desemprego.

Entendemos também que é possível buscar recursos na reforma tributária como forma de desonerar as contribuições dos empresários, quer sobre a folha de pagamento ou nos tributos pagos à União.

Estamos defendendo a implantação imediata das 40 horas de trabalho semanais. Com esse objetivo, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados a proposta de emenda constitucional nº 231/95. O presidente da Câmara, deputado Michel Temer, já autorizou a instalação da comissão especial, e em 40 sessões ela estará pronta para ser votada definitivamente no plenário da Câmara dos Deputados.

Paulo Paim, 47, é deputado federal pelo PT/RS. Foi secretário-geral da CUT (1983-85) e vice-presidente (1985-86).

Inácio Arruda, 40, é deputado federal pelo PC do B/CE.

Autores da PEC nº 231/95.

 

Para Fiesp, só crescimento gera empregos - 08/06/97

 

GABRIEL J. DE CARVALHO

Os sindicalistas vão precisar de muitos argumentos para convencer a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) da necessidade de redução da jornada de trabalho como forma de criar mais empregos no país.

O diretor de Relações Intersindicais da federação, Roberto Ferraiolo, afirmou ao participar de debate na Folha que a maioria do empresariado paulista tem certeza que reduzir a jornada não vai resolver o problema do desemprego.

Para Ferraiolo, só o crescimento sustentado _expansão do PIB (Produto Interno Bruto) acima de 6% e melhor distribuição de renda_ podem criar novos postos de trabalho.

A redução pura e simples da jornada, afirma o empresário, poderia diminuir a competitividade das empresas brasileiras.

Outros países

De acordo com ele, países como o Japão e Alemanha, que reduziram a jornada no passado, discutem hoje o aumento da carga horária. "É a busca de adaptação ao mundo globalizado."

"Nós vivemos um momento de transição. Houve uma abertura desordenada da economia, sem efeitos compensatórios", disse.

Para Ferraiolo, uma das soluções para evitar demissões e restringir o número de horas extras seria a flexibilização da carga horária.

O empresário defendeu também a redução dos custos trabalhistas, que seria, segundo ele, um debate mais importante para o país. Mas as centrais sindicais também divergem sobre propostas para cortar encargos sociais.

Pedro Paulo Martoni Branco, diretor executivo da Fundação Seade, entende que a discussão sobre o chamado ''custo Brasil'' não elimina o debate sobre redução da jornada.

"É legítimo que os trabalhadores lutem pela incorporação dos ganhos de produtividade. A luta pela jornada menor faz parte dessa briga", considerou durante o mesmo debate.

Martoni Branco acredita que a diminuição da carga horária dos trabalhadores não teria efeitos negativos sobre a competitividade das empresas nacionais.

"Na verdade, a redução da jornada ajuda a combater a exclusão social", concluiu. (GJC)

 

Jornada de 30 horas une Força e patrões - 17/05/97

SÉRGIO LÍRIO

A Força Sindical e representantes de três sindicatos patronais do setor metalúrgico assinaram ontem, na sede da central em São Paulo, um protocolo de intenções para reduzir a jornada de trabalho de 44 para 30 horas semanais.

O evento marcou também o início de uma campanha para atrair União, Estados e municípios para o projeto, já que a redução da jornada implicará renúncia fiscal.

A diminuição da jornada só será concretizada caso os três níveis de governo se comprometam a reduzir impostos e encargos trabalhistas.

Na próxima semana, sindicalistas e empresários terão uma audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso na qual pretendem apresentar a proposta, que foi elaborada em conjunto por economistas da Força e dos sindicatos patronais.

"Vamos cobrar do presidente a promessa de que o governo apoiaria iniciativas de redução que partissem de um acordo entre patrões e empregados", afirmou Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Há cerca de dois meses, durante visita à sede da central, FHC disse apoiar a redução da jornada, desde que fosse negociada entre empresas e empregados.

Segundo cálculos da equipe técnica que elaborou o projeto, a redução da jornada para 30 horas semanais geraria 4,2 milhões de empregos na indústria brasileira.

Isso representa um crescimento de 47% em relação aos atuais 9,3 milhões de vagas que o setor industrial brasileiro possui.

Para chegar a esse número, a equipe levou em conta que o total de horas úteis _ou seja, o tempo que o empregado efetivamente trabalha_ cairia de 185 para 126 horas mensais. A jornada mensal remunerada seria reduzida de 220 para 200 horas.

Com a redução imediata, sem período de transição, as empresas seriam obrigadas a criar dois turnos, o que levaria à expansão de 47% dos postos, afirma o estudo.

O presidente do sindicato das indústrias de laminação, Nildo Masini, lembrou, no entanto, que tantos empregos só seriam criados se a redução da jornada fosse imediata e adotada em todo o país.

Adesão

O projeto, porém, prevê a adesão voluntária de empresas, trabalhadores e governos.

A diminuição seria negociada entre trabalhadores e empresas e constaria de acordo coletivo. Os salários e o lucro líquido das empresas seriam reduzidos em 10% cada.

Em troca, haveria redução de 37,3% no montante de impostos e de 7,16% no de encargos.

Projeção

O presidente da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros, afirmou que o projeto é uma forma de toda a sociedade pagar pela geração de empregos.

"Os custos da geração de empregos têm que ser pagos por toda a sociedade", disse Medeiros, durante a assinatura do protocolo de intenções.

Os economistas que elaboraram o projeto chegaram a fazer uma projeção dos valores que cada uma das partes perderia se a adesão fosse completa no setor industrial.

Pelos cálculos contidos no estudo, a renúncia fiscal dos três níveis de governo seria de R$ 9,7 bilhões, caso todas as indústrias do país negociassem a redução de jornada com seus empregados.

As empresas, de acordo com os cálculos, perderiam R$ 970 milhões de faturamento. Já os trabalhadores deixariam de receber R$ 564 milhões.

Segundo Medeiros, a redução de impostos seria compensada pelo aumento da massa salarial, fruto da expansão do número de trabalhadores.

O economista Vitor Romano, que coordenou a elaboração do projeto, estima que os salários dos 4,2 milhões de novos trabalhadores significariam um aumento de R$ 2,3 bilhões na massa salarial do país.

 

Empresário prevê criação de emprego - 17/05/97

O presidente do sindicato das indústrias de laminação, Nildo Masini, acredita que só a redução imediata da jornada para 30 horas semanais pode aumentar substancialmente o nível de emprego.

"A redução da jornada entre 78 e 88 foi feita aos poucos e o resultado é que o nível de emprego industrial, de lá para cá, foi reduzido em 2,86%", afirmou Masini, que falou em nome dos três sindicatos da indústria que assinaram o protocolo de intenções.

Além de Masini, participaram da assinatura do protocolo Fernando Greiber, do sindicato da indústria de metais ferrosos, e José Rogélio Miguel Meleda, do sindicato da indústria de refrigeração.

Os representantes das indústrias criticaram as propostas de redução da jornada sem diminuição dos salários.

Segundo eles, a indústria não teria condições de absorver o aumento dos custos.

Projeção dos empresários indica que jornada menor sem diminuição dos salários representaria um aumento de 10% nos custos.

"Por isso, nós estamos assinando esse protocolo, que será uma contribuição de todos para a redução", disse Masini.

Para ele, a redução da jornada é inexorável, por causa dos ganhos de produtividade e dos avanços tecnológicos.

O empresário considera também que a diminuição de horas trabalhadas aumenta a produtividade do trabalhador.

"Pesquisas mostram que nas últimas duas horas de uma jornada de oito, a redução da produtividade é de cerca de 20%", disse.

Essa redução de produtividade, de acordo com ele, chegaria a 30% a partir das horas extras.

 

Força propõe compensar jornada menor de trabalho - 02/05/97

SÉRGIO LÍRIO; CLAUDIA GONÇALVES

A Força Sindical está propondo compensação fiscal para empresas que aceitarem reduzir a jornada de trabalho sem reduzir salários.

O assunto foi discutido ontem por líderes da central sindical reunidos em São Paulo para as comemorações do Dia do Trabalho.

O projeto, que será apresentando em até duas semanas, prevê a renúncia fiscal por parte da União, dos Estados e dos municípios.

Uma diferença em relação ao projeto da central rival _a CUT_ é que a adesão das empresas seria opcional, não obrigatória.

Quanto mais a empresa reduzisse a jornada _hoje de 44 horas semanais_ e contratasse, maior seria a diminuição de impostos federais, estaduais e municipais. O percentual da redução da jornada seria fixado em acordo entre empresa e empregados.

O objetivo da proposta é impedir que o montante de impostos pago por uma companhia aumente após a admissão de novos trabalhadores, o que estimularia contratações. Não haveria redução de benefícios pagos aos funcionários.

Segundo o presidente da Força, Luiz Antônio de Medeiros, ninguém sairia prejudicado nesse sistema. Trabalhadores manteriam os salários e empresas pagariam menos impostos.

Já os governos teriam uma diminuição apenas temporária da arrecadação, que seria compensada com o aumento de postos de trabalho e o crescimento do número de contribuintes. "Para ser beneficiadas, as empresas têm que se comprometer a gerar mais empregos", disse Medeiros.

A CUT já apresentou proposta semelhante, mas grupos da central resistem à idéia de apoiar um projeto que prevê renúncia fiscal.

A central ainda analisa os tipos de incentivo que poderiam ser adotados para compensar as empresas. Uma das alternativas seria defender a abertura de linhas de crédito especiais.

A CUT conseguiu recolher até agora 40 mil assinaturas, no Estado de São Paulo, em favor da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.

 

REDUÇÃO DE JORNADA - 16/03/97

Em encontro com lideranças da Força Sindical, na última quinta-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso mostrou-se favorável a duas importantes maneiras de combater o desemprego: flexibilizar os termos de contratação e reduzir a jornada de trabalho. É auspicioso que o Executivo dê mostras de estar atento à necessidade de preservar e criar vagas, o que ameaça ser um dos grandes desafios dos próximos anos.

Os dois tipos de iniciativa podem em verdade compor uma única política de emprego. A aprovação do projeto de lei que permite a empresas e sindicatos firmar contratos com jornada e remuneração flexíveis criaria a base institucional para que as firmas pudessem ajustar-se às oscilações do mercado reduzindo as horas de trabalho de cada funcionário, em vez de cortar o número total de trabalhadores empregados.

De maneira complementar, uma redução da jornada contribuiria para que as horas necessárias a dada produção fossem distribuídas por um maior número de assalariados. Esse seria, de resto, um passo até previsível. A progressiva redução da jornada fabril é uma história que, em países que não tiveram escravidão moderna, tem mais de dois séculos.

À medida que os ganhos de produtividade se acumulam, faz-se possível produzir cada vez mais em menos tempo. A essa potencialidade técnica somam-se as pressões de sindicatos e movimentos sociais pela redução das horas diárias de trabalho.

Entretanto, viabilizar uma proposta concreta é bem mais complexo que fazer considerações gerais. Definir em que termos será a mudança ou como ela afetará os salários são questões que envolvem interesses conflitantes. A contribuição do governo nas negociações de uma diminuição da jornada de trabalho poderá facilitar futuros entendimentos.

O projeto que cria o contrato temporário de trabalho está há meses no Congresso. Sua ampla discussão é essencial para que o país crie uma política moderna de emprego.

 

ARTIGO DO JORNAL "O ESTADO DE SÃO PAULO"

Domingo, 16 de julho de 2000

RIO - O aumento do custo de empregar é, para José Márcio Camargo e Gustavo Gonzaga, economistas da PUC-RJ, o mais importante efeito negativo das redução da jornada de trabalho, quando se analisa o seu impacto no nível de emprego. Basicamente, as reduções de jornada não são acompanhadas, na maior parte dos casos, de quedas equivalentes dos custos totais de trabalho, que são a soma do salário e de todos os encargos. O resultado, portanto, é que as empresas passam a pagar mais por hora trabalhada, o que induz a substituição de mão-de-obra por capital. Para os dois economistas, se a redução de jornada for acompanhada por uma queda de custos trabalhistas que compense o encarecimento da hora trabalhada, ela pode ser benéfica em alguns casos.

Dráusio Rangel, consultor trabalhista e sindical do Sindicato Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Sindipeças), reforça a tese de que há riscos na redução generalizada da jornada de trabalho. Rangel observa que a jornada de 40 horas, reivindicada pelas centrais sindicais, aumentaria os custos do trabalho em 10%. "Isto não é sustentável, em um ambiente de competição internacional e com a inflação mais baixa dos últimos 30 anos", ele diz.

Os sindicalistas, no entanto, contestam a idéia de que a redução da jornada resulte em um aumento de custos ameaçador ao emprego. Para Mônica Valente, coordenadora do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos da CUT, "a redução da jornada leva sim ao aumento do emprego e da renda". Ela acrescenta que "o aumento do desemprego no Brasil é resultado das políticas macroeconômicas".

 

Negociação - Seja quem for que tenha a razão, uma coisa é clara: se depender do ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, o governo não vai interferir na questão da redução da jornada. "Os sindicatos têm de se convencer de que é mais vantajoso negociar e aceitar o princípio do negociado sobre o legislado". Camargo, da PUC, acha que os operários deveriam colocar na mesa de negociação, na hora de pedir redução de jornada, direitos trabalhistas relativos às férias, décimo terceiro salário e a multa paga pela empresa na demissão. Ele observa que alguns desses itens exigiriam mudança constitucional.

Gonzaga acrescenta que o alongamento do período dos bancos de horas - durante o qual as horas extras podem ser compensadas com jornadas menores, sem necessidade de desembolso - também é valioso para as empresas. Outra medida de redução do custo do trabalho seria regras que facilitassem o trabalho temporário. O governo já legislou sobre esses assuntos, mas ainda há espaço para aperfeiçoamentos, segundo o economista.

A Volkswagen, a primeira grande empresa a negociar a redução da jornada de trabalho com seus empregados, em fevereiro de 1998, acha que este tipo de iniciativa é positivo desde que a empresa obtenha compensações capazes de zerar seu aumento de custo, segundo o vice-presidente Miguel Jorge. Sua posição é idêntica à de Dornelles e à dos economistas da PUC.

"O acordo foi bem-sucedido, tanto que a jornada foi reduzida para 42 horas na partida, 41 em janeiro passado e 40 agora em julho; mas os trabalhadores também estão cumprindo sua parte", diz Miguel Jorge. Na última etapa da redução, os empregados da VW concordaram em reduzir também o salário, de forma equivalente, mas as duas partes comprometeram-se a voltar às 41 horas e salário anterior se aumentar a produção de automóveis. Ainda entraram na barganha horas extras aos sábados ( para compensar a perda de renda), metas de aumento da produtividade, redução de faltas e eventual diminuição do abono referente à participação nos resultados, no caso de não cumprimento das metas.

A eficácia da redução da jornada, em termos de aumentar o emprego ou a produtividade, varia muito de setor para setor e de empresa para empresa, explica Gonzaga. O efeito substituição de trabalho por capital, que para ele é generalizado, tem uma certa defasagem, já que a decisão de investir em novas máquinas e equipamentos sempre leva algum tempo.

Existe, porém, um efeito mais imediato, ligado à decisão das empresas de utilizar mais empregados ou mais horas extras para compensar a redução da jornada. Este fator, que Gonzaga chama de "mais horas ou mais emprego", tem um comportamento bem diferente da substituição de trabalho por capital. Em vez de afetar igualmente todas as empresas, ele varia bastante.

Com análise microeconômica, continua o economista, é possível concluir que, de forma geral, os operários das empresas que trabalhavam com uma quantidade média de horas superior à jornada máxima antes da redução têm o seu risco de desemprego ampliado. Os operários em empresas que, antes da mudança, trabalhavam com uma média de horas entre o antigo e o novo limite, têm uma redução do risco de desemprego. E aqueles que estavam com jornadas inferiores ao novo limite, antes da mudança, não são afetados. Mas mesmo a categoria intermediária, que é beneficiada pelos efeitos imediatos da redução de jornada, pode ser prejudicada pelo efeito defasado da substituição de trabalho por capital. (F.D. e S.C.)