O OUTRO NOME DA USURA

(Fonte: Jornal Eletrônico "Linha Aberta", da Direção Nacional do PT)

A taxa de juros várias vezes superior aos juros internacionais tem sido o principal mecanismo de atração de capitais estrangeiros necessários ao pagamento da dívida.

A taxa de juros brasileira era de 6% em maio de 2000, enquanto no Brasil ela era de 18% ao ano. Em novembro de 1997, chegou a ser de 42% ao ano. Tamanha generosidade atraiu capital estrangeiro, que "inchou" as reservas em moeda estrangeira no Banco Central, que foram de 36,5 bilhões de dólares em 1994 para US$ 74 bilhões em abril de 1998.

Toda entrada líquida de moeda estrangeira no país é comprada pelo Banco Central, que repassa aos proprietários o valor equivalente em reais. Para consegui-los, e também para contornar os riscos de inflação, o governo vende títulos no mercado e toma reais emprestados, aumentando a dívida pública interna. Parte dessa dívida é pós-fixada, com base na taxa de juros ou no câmbio. Tem-se, assim, um capitalismo sem risco: 23% da dívida mobiliária federal fora do Banco Central é corrigida pelo câmbio; e 61% pela taxa de juros.

Como os juros são mantidos altos para atrair capitais estrangeiros e para tentar evitar sua saída do país, o resultado é o enorme crescimento da dívida pública interna. A dívida mobiliária federal, por exemplo, saltou de 62 bilhões de reais (1994) para 432 bilhões de reais (2000), em preços correntes de cada ano.

A íntima ligação entre o crescimento da dívida interna e o crescimento do passivo externo (aí incluída a dívida e outras obrigações do país em moeda estrangeira) explica porque o recente acordo entre o governo brasileiro e o FMI estipulou metas precisas de superávit fiscal. Trata-se de garantir ao investidor estrangeiro que a dívida interna será honrada. Caso contrário, os portadores abandonarão os títulos do governo, transformarão seus reais em dólares e sairão do país, gerando uma crise cambial.

Para que isto não ocorra, o governo faz cortes nos gastos sociais e amplia a cobrança de tributos e impostos. Não existe limite para os gastos com a dívida. Recentemente, o Congresso aprovou uma "Lei de responsabilidade fiscal", que pune o administrador público que não honrar em primeiro lugar... o serviço da dívida.

Ao mesmo tempo que atrai capitais estrangeiros, a alta taxa de juros sobrecarrega a atividade das empresas e pessoas que operam em reais. As grandes empresas, por sua vez, aproveitam o diferencial entre os juros internos e externos, tomando dinheiro emprestado no exterior e aplicando-o no Brasil.

É importante destacar que, apesar de a dívida externa destas empresas ser "privada", é o conjunto da população que paga por ela. Em primeiro lugar, porque o Tesouro Nacional é seu garantidor em última instância, diretamente ou indiretamente, por meio de títulos públicos com cobertura cambial. Em segundo lugar, porque o esforço de obter dólares para pagar tais dívidas, é feito por todo o país, submetido aos efeitos daninhos da alta taxa de juros.

Ao lado dos juros altos, a privatização foi importante na atração de capitais estrangeiros. O governo argumentava que as privatizações permitiriam o pagamento de parte substancial da dívida interna, possibilitariam os investimentos que o Estado não conseguia mais viabilizar, além de melhorar a qualidade dos produtos e serviços. Segundo o governo federal, de 1991 a 1998 o país teria arrecadado 85 bilhões de reais com as privatizações.

Cálculos mostram que – mesmo desconsiderando os preços subavaliados e o impacto social negativo – o governo perdeu pelo menos 87 bilhões de reais com as privatizações.

Embora tenha produzido um abatimento contábil na dívida interna, a privatização aumentou a dívida externa e o passivo externo do país. Por exemplo, com os empréstimos contraídos no exterior por empresas privadas que compraram estatais.

Além da dívida externa, cresce também o passivo externo do país: quando uma estatal é vendida para proprietários estrangeiros, os novos donos remetem lucros e dividendos para o exterior, sem falar em outras formas disfarçadas de remessa de capitais. A remessa de lucros e dividendos para o exterior triplicou: de 9 bilhões de dólares, no período 1981-90, para 27,3 bilhões de dólares no período 1991-1999. A previsão é que no ano 2000, a remessa líquida de lucros e dividendos seja de 5 bilhões de dólaresll.

Além disso, as ex-estatais passaram a comprar dos fornecedores habituais dos novos proprietários, o que aumentou as importações e, portanto, o déficit comercial. As controladoras estrangeiras vendem no mercado interno brasileiro (em reais) mas compram dos seus fornecedores habituais no exterior (em dólares).

Muitas empresas privadas também foram vendidas para controladores estrangeiros, com um resultado similar ao das privatizações: mais remessa de lucros e mais importações.

Com a abertura comercial (desde 1990) e com o dólar valorizado (desde 1994), o país gerou um déficit comercial acumulado de 23,5 bilhões de dólares durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-98). Estas importações foram possíveis graças ao fluxo de capitais estrangeiros: o consumo presente – em reais – foi "financiado" por uma dívida futura – em dólares.

A inundação de importados, somada aos altos juros, levou um grande número de empresas ao fechamento ou ao "ajuste": demissões, ampliação de jornada, "flexibilização" de direitos e redução salarial. Como parte do consumo foi realizado a crédito, o desemprego e o fechamento de empresas gerou também uma forte inadimplência.

Grande parte do capital estrangeiro que entrou no Brasil destinou-se à especulação e à aquisição de patrimônio já existente, não resultando, portanto, em novo investimento e crescimento econômico. O governo brasileiro incentivou o chamado investimento estrangeiro direto, por meio de subsídios e renúncias fiscais. Bancos públicos emprestaram dinheiro para que empresas estrangeiras comprassem nossas estatais.

Na chamada guerra fiscal, governos estaduais emprestam dinheiro, doam terrenos e concedem isenção de impostos, para atrair empresas sediadas em outras unidades da federação, beneficiando também empresas estrangeiras.

Acontece que a maior parte das empresas beneficiárias orienta suas vendas para o mercado interno (que não gera dólares), ao mesmo tempo que aproveita os recursos públicos para especular, aumentar sua margem de lucro e remeter divisas para o exterior.

Mais recentemente, o governo tem estudado a adoção de maiores incentivos às exportações: as empresas exportadoras (turbinadas por subsídios públicos) venderão ao Estado (a preços de mercado) os dólares obtidos na exportação, tornando-se detentoras de títulos públicos e, portanto, credoras do mesmo Estado que as subsidiou.

O efeito agregado dessas políticas tem sido: crise social, desemprego e outras medidas concentradoras de renda; redução dos investimentos públicos; transferência patrimonial (do Estado e/ou de capitalistas privados nacionais para grandes capitalistas, geralmente estrangeiros ou associados); e a vulnerabilidade da economia brasileira diante das crises internacionais.