Reestruturação
Produtiva e o Mundo do Trabalho
12345678 Era uma vez uma família de classe
média do final da década de 80, que era composta pelo pai, mãe
e um casal de filhos. O pai trabalhava numa empresa de adubos
como gerente comercial e ganhava bem, o suficiente para manter a
família com um apreciável conforto. A mãe não trabalhava, e
ficava em casa cuidando dos afazeres domésticos. Após alguns
anos de dedicação à empresa, o pai se demitiu por motivos
pessoais, e depois de um pequeno tempo desempregado, arrumou um
emprego de gerente na oficina mecânica de um amigo. A
remuneração não era a ideal, mas ainda dava para sustentar sua
família. Mas o emprego nem se comparava ao anterior, e o pai
começou a procurar por outro emprego. Para ajudar na renda
familiar, a mãe fez um curso de pintura em tecidos, e começou a
pintar panos de pratos, forros de mesa e etc. Aos domingos, ela
ia pra feira tentar vender seus produtos, e assim contribuía
para o orçamento.
12345678 Logo o pai achou uma oportunidade
melhor como representante de uma grande editora paulista em seu
estado. O trabalho não era difícil, e ele podia trabalhar em
casa. A renda também não era má, um pouco só acima do que ele
recebia em seu último emprego. Mas a vida foi ficando mais
difícil, e o pai pensava em outra alternativa para conseguir
suprir seus gastos. Além disto, ele não estava contente no
atual trabalho. Já estamos na década de 90, e o pai acha uma
boa solução. Resolve passar o serviço de representante à sua
esposa, e após alguns meses de ensino e treino, a mãe já está
apta para trabalhar. O pai então, começa a mandar seu
currículo a várias empresas. Logo ele arruma um emprego numa
multinacional que acabava de chegar na cidade, como gerente
geral. O salário é bom, e ele se adapta bem ao serviço. Mas o
mercado não é fácil e a concorrência é feroz. Instalada sem
fazer ao menos uma pesquisa de preços da região, e sem analisar
os concorrentes locais, a empresa não dura muito, e logo vai à
falência. Mais uma vez o pai volta a uma situação crítica.
Já perto dos 40 anos, sem diploma (ele não era formado, apesar
de saber tudo de administração) e desempregado, o pai se vê
num beco sem saída. A família então vive tempos difíceis.
Sendo sustentados apenas pela mãe, o pai procura
desesperadamente um emprego, mas o mercado é exigente. Mesmo
sendo um dos melhores na sua área, e tendo uma experiência
invejável, ele não consegue nada.
12345678 Esta situação perdura por 2 anos,
quando, após mandar seu currículo a dezenas de empresas, o pai
é chamado para trabalhar em uma grande multinacional, como
gerente de escritório. Pouco a pouco ele vai voltando a sua vida
normal, e logo seu esforço é reconhecido. Ele é chamado a
trabalhar numa empresa maior, num cargo mais alto e com um
salário melhor, além de algumas regalias. Pouco a pouco a
família vai voltando a se estruturar e conseguindo ter uma vida
mais digna. O final desta história ainda está longe, mas eu
espero que seja um final feliz.
12345678 A história que você acabou de ler é
uma história verídica e retrata os problemas dos trabalhadores
brasileiros nesta década de 90. A chamada reestruturação
produtiva vem afetando todos os trabalhadores e obrigando muitos
a procurar outras formas de renda. Daí surgem os chamados
subempregos, que são os empregos sem carteira assinada, ou seja,
ilegais. Um exemplo desse tipo de serviço são os autônomos,
como o emprego do nosso personagem como representante de uma
editora. A pessoa trabalha em casa, faz seus horários de acordo
com suas necessidades. Outro tipo de subemprego é o
"artesanato", podemos dizer assim, que se trata da
fabricação e venda de produtos manufaturados, que são vendidos
nas feiras livres, como os panos que vendiam a mãe da nossa
história.
12345678 Essa tal de reestruturação produtiva
está intimamente ligada ao preconceito. Se você olhar por
exemplo as classes mais atingidas, vai perceber que são aquelas
contra as quais o preconceito é maior, como negros, mulheres e
os mais velhos. Hoje em dia, o mercado está cada vez mais
exigente, e se você não se encaixar nos requisitos dele, será
mais um excluído. A essa massa de marginalizados, poucas
alternativas restam. Ou elas se viram no mundo dos subempregos,
ou mergulham na criminalidade, aumentando as estatísticas
criminais. E não é preciso pensar muito para chegar a essa
conclusão, basta olhar a sua volta.
12345678 Muitas são as causas desta
reestruturação, mas talvez a principal seja a revolução
tecnológica deste século, que já está sendo chamada de
"3° Revolução Industrial". Os avanços
proporcionados por esta revolução são inúmeros, e modificam
toda a sociedade. A substituição de homens por máquinas
desemprega milhares de trabalhadores, e leva ao desespero
milhares de famílias. E tudo isto para que? Apenas para obter
mais lucro. Com as máquinas, as indústrias conseguem produzir
mais, em menos tempo e com uma qualidade melhor. Isto leva a uma
serie de fatores que compõem a reestruturação produtiva. Com a
produção sendo melhorada quase que 100%, muitas empresas adotam
o método do Kanban, que consiste na técnica de suprir
as necessidades do mercado sem estoques. Isto significa que não
é necessário mais estocar os produtos produzidos esperando que
os compradores apareçam. Agora eles só produzem para atender a
demanda. Outro fator da reestruturação é a terceirização. É
cada vez maior o número de empresas que terceirizam seus
trabalhadores.
12345678 Estes fatores da reestruturação
produtiva trazem graves conseqüências para o mundo do trabalho.
O primeiro e principal é a precarização do trabalho. Como o
desemprego é grande, a concorrência por um trabalho é muito
grande. Isto faz baratear a mão-de-obra, e faz com que alguns
trabalhadores aceitem trabalhar mais de 40 horas semanais, apenas
para não perder o emprego. A quarteirização é outro fator
importante. Trata-se do trabalho doméstico, em que a pessoa
muitas vezes sem carteira assinada, ou seja, na ilegalidade, é
obrigada a trabalhar muitas horas e sua remuneração continua a
mesma. Além deste tipo, existem muitos outros tipos de trabalho
informal, como os vendedores ambulantes, catadores de papel, ou
seja, todos aqueles que trabalham sem carteira assinada. Esta
precarização do trabalho, faz com que o trabalhador perda seu
poder de compra, e muito. Só para se ter uma idéia, no Brasil,
a produção de toda a indústria automobilística se destina a
atender apenas 5% da população. Os outros 95% não têm
condição de ter um carro. Além disto tudo, outro fator
importante é o enfraquecimento dos sindicatos. Com esta
concorrência feroz em busca de emprego, é cada vez mais
difícil que os trabalhadores se organizem, pois poucos são os
trabalhadores que restam, e estes são compostos por diferentes
tipos. Existem os trabalhadores de contrato fixo por tempo
indeterminado, os de contrato temporário por tempo indeterminado
e os de contrato temporário por tempo determinado. Esta grande
variedade de trabalhadores dificulta mais ainda a organização
dos sindicatos, e faz aumentar ainda mais a precarização do
trabalho. Só para se ter uma idéia, com apenas meia hora de
trabalho o alemão e o inglês ganham o equivalente a 8 horas de
trabalho de um trabalhador brasileiro. O desemprego e o baixo
nível dos salários causa a marginalização da maioria da
população, criando os "assentamentos que escapam às
normas modernas de construção urbana", vulgarmente
chamadas favelas no Brasil, callampas em Santiago, jacales
no México, barrios em Caracas, barriadas em
Lima, villas miseria em Buenos Aires e cantegriles
em Montevidéu. Como o número de marginalizados cresce mais
rapidamente do que os "integrados", as Nações Unidas
pressentem que daqui a poucos anos esses "assentamentos
irregulares" abrigarão a maioria da população urbana.
12345678 Depois de tudo que foi dito aqui, fica
claro porque o Brasil é tão subdesenvolvido. E estes são só
alguns motivos, pois existem uma série de outras causas que
levam o Brasil a essa inferioridade que nós podemos perceber
hoje. Com toda essa precarização da força de trabalho, o
Brasil se torna o paraíso das multinacionais, que encontram aqui
todas as condições favoráveis para se desenvolver e explorar o
máximo possível todos os nosso recursos. Mão de obra barata,
concorrência local praticamente nenhuma, favorecimentos por
parte do governo brasileiro, para que elas venham e se instalem.
Muitas vezes ocorre até mesmo a isenção de impostos e taxas,
apenas para que essas empresas possam nos explorar. É
lamentável ver as condições em que se encontram nossa
economia. E isto não ocorre só no Brasil. Podemos perceber que
a reestruturação produtiva atingiu de forma negativa
praticamente toda a América Latina. E o pior de tudo é que os
países ao invés de lutar contra a dominação estrangeira,
parecem compartilhar dela. Há nove anos, Raul Prebish, advogado
da ALALC (Associação Latino Americana de Livre Comércio)
escrevia: "Outro argumento que escuto com freqüência do
México até Buenos Aires, passando por São Paulo e Santiago, é
que o mercado comum vai oferecer à indústria estrangeira
oportunidades de expansão que hoje em dia não tem em nossos
limitados mercados... Existe o temor de que as vantagens do
mercado comum sejam aproveitadas por esta indústria estrangeira
e não pelas indústrias nacionais... Compartilhei deste temor, e
dele compartilho, não por mera imaginação, mas porque
comprovei na prática a realidade deste fato." Esta
comprovação não o impediu de assinar, algum tempo depois, um
documento no qual afirma que "ao capital estrangeiro
corresponde, sem dúvida, um papel importante no desenvolvimento
de nossas economias, a propósito da integração em marcha,
propondo a constituição de sociedades mistas, nas quais o
empresário latino-americano participe eficaz e
eqüitativamente." Eqüitativamente? Há que salvaguardar a
igualdade de oportunidades. Já dizia Anatole France que a lei,
em sua majestosa igualdade, proíbe tanto o pobre quanto o rico
de dormirem debaixo das pontes, mendigarem nas ruas e roubarem
pão. Assim, aos poucos, a América latina vai se vendendo ao
capital estrangeiro, e com a invasão cada vez maior de empresas
multinacionais, a situação do trabalhador vai ficando cada vez
pior, pois estas empresas pegam o lucro que conseguem obter aqui,
as custas dos nossos trabalhadores, e investem em tecnologia,
substituindo e deixando desempregado centenas, milhares de
trabalhadores, por máquinas, que não só triplicam o lucro,
como também não dão trabalho aos empresários (não comem,
não dormem, não tiram férias) e ainda reduzem o tempo de
produção.
Lord Karnak
lord@karnak.zzn.com
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