Locke: pela liberdade, contra o crime (Do Livro: "História do Pensamento"" - Renascimento e Filosofia Moderna, Ed. Nova Cultural, pág. 356 e 357) Os homens, por natureza, são livres, iguais e independentes. Mas - adverte Locke, que propõe essas idéias - liberdade não é licenciosidade, pois todos estão sujeitos à lei de natureza, isto é, à razão. cada um é livre fiara dispor de seu corpo, mas ninguém deve abusar dessa liberdade para prejudicar os demais. Nem há por que atentar contra a liberdade, dos outros, pois, no estado de natureza, a terra e os seus frutos são abundantes e suficientes para a sobrevivência de cada um. Se a todos está assegurada a sua preservação, como alguém poderia cobiçar o que é dos outros? (Observação: Locke é sempre lembrado como o fundador do liberalismo político. De fato, em seu pensamento, a noção de liberdade é fundamental: se os homens pelo pacto, fundar a sociedade civil, é para evitar os inconvenientes do estado de natureza, que põem em risco a preservação da liberdade de cada um. Por isso, é também legítima a rebelião contra um governo que traga ameaça à liberdade dos homens.) O agressor, um "depravado" Mas seria por acaso que Locke se apressa em afirmar que a lei de natureza também autoriza matar um agressor, do mesmo mo se mata um lobo ou um leão? pois tal agressor existe, e a descrição que Locke faz do estado de natureza ressalta o caráter insensato e irracional da agressão. Quem a pratica são homens que, abandonando os princípios da natureza humana" e renunciando à razão, tornaram-se "depravados". Devido a esses homens contrários à razão e à natureza - e não por causa destas - inicia-se o estado de guerra. Por isso, Locke, ao examinar o estado de natureza, não se detém em descrever uma eventual vida paradisíaca e feliz. O que lhe importa nesse estado é o direito que cada um tem de fazer valer a lei de natureza: quem prejudica o outro é transgressor dessa lei, um criminoso, e todos os homens têm o direito de castigá-lo, isto é, de condená-lo à morte e a outras penas menores. De um lado, o transgressor da lei que se declara em estado de guerra. De outro, o guardião e executor da lei, que, por isso, tem direito de guerra de castigar o malfeitor. O criminoso e a vítima inocente: não se trata de "guerra de todos contra todos", mas de alguns (contrários à razão) contra os demais (dotado razão). No estado de guerra assim descrito, a paz não pode ser alcançada por um acordo, mas pela rendição do criminoso e, mais do que isso, pela reparação dos danos causados. Se é o transgressor que inicia a guerra, esta, no entanto, só termina quando o último dos criminosos for castigado. Na prática, isso perpetua o estado de guerra. A evidência da lei de natureza não previne que ela seja ignorada ou desprezada, e o criminoso sempre pode ressurgir. O castigo também não impede a reincidência do criminoso. Além disso, num estado em que todos são juízes e executores da lei em causa própria, como evitar o julgamento parcial, a sentença injusta e o castigo excessivo? No corpo político, poderes distintos Tantos são os inconvenientes desse estado, que, por isso, segundo Locke. os homens decidiram renunciar á sua liberdade natural, principalmente ao direito de executar a lei de natureza com as próprias mãos, entregando-o ao corpo político formado nesse mesmo ato de renúncia. Esse é o pacto que dá origem à sociedade civil ou política (que Locke também denomina comunidade), isto é, um único corpo, político, representado pelo governo. Conforme o pacto firmado, o governo pode ser de um só indivíduo ou de vários, mas o que importa é a sua finalidade: a de concentrar para si todo o direito de julgar e de castigar os criminosos, de modo a assegurar para toda a comunidade e para cada um de seus membros a segurança, o conforto e a paz. Para isso, o governo desdobra-se em vários poderes. O principal é o poder legislativo, isto é, de estabelecer leis fixas para que todos posam conhecê-las. Mas tais leis não podem ser mais do que especificações da lei de natureza, pois foi para seu melhor cumprimento que os homens decidiram, pelo pacto, unir-se em comunidade. Por isso, o legislativo não deve aplicar e executar as leis, a fim de evitar que ele passe a legislar em causa própria. Em princípio, portanto, o poder legislativo deve ser distinto do poder executivo. Outro é o poder federativo -- pelo qual a sociedade, na condição de um único corpo, se relaciona com outras comunidades ou homens que não aderiram ao pacto, declarando-lhes guerra ou paz e estabelecendo alianças e intercâmbios de todo tipo. Esse poder, embora teoricamente distinto do executivo, não é, na prática, separado deste, pois não convém que essas duas forças estejam sob comandos diferentes, pois isso pode gerar desordem e ruína.
(Observação: Apesar de compartilharem da idéia de que a sociedade tem origem em um pacto, Locke e Hobbes divergem em questões centrais. Hobbes considera idênticos o estado de natureza e o de guerra, e a criação do corpo político eqüivale à renúncia, por todos, da liberdade natural em troca do direito à vida. Para Locke, porém, estado de natureza e o de guerra são distintos, e liberdade e direito à vida sinônimos; a instituição do corpo político tem o objetivo de preservar as vantagens do estado de natureza e de eliminar suas desvantagens.) Contra o absolutismo Esses poderes não são ilimitados. Os podes executivo e federativo subordinam-se ao legislativo, que também tem o seu poder limitado pela lei de natureza. Além disso, o legislativo deve a sua origem ao pacto entre os homens, que, por maioria, consentiram em atribuir-lhe o poder de estabelecer leis. Sem esse consentimento da maioria não há lei, legítima e válida, mas apenas arbitrariedade. Por isso, Locke é adversário ferrenho do absolutismo. Para ele, o monarca absoluto, cujo poder não tem limites riem se baseia no consentimento, não participa da sociedade: encontra-se fora dela, no estado de natureza, e, pior, com os recursos de que dispõe, declara guerra aos homens. Em tal situação, não há lei a não ser a de natureza, que autoriza castigar o agressor: a rebelião contra o absolutismo é legítima - e isso abre a possibilidade do pacto para inaugurar a verdadeira sociedade. Para Hobbes, o estado de natureza, em que a liberdade de cada um não tem limites, era sinônimo de guerra. Por isso, os homens, pelo medo da morte e em busca da paz, selavam o pacto e instituíam um poder ilimitado, que ao menos lhes assegurasse o direito à vida. O que estava em jogo era guerra e paz, sendo a paz preferível à liberdade. Mas, para Locke, a questão é a de crime e castigo. O estado de natureza, em que a liberdade de um indivíduo não pode, pela razão, prejudicar o outro, significaria paz... se não fossem os "depravados". Estes devem ser castigados, e somente pela renúncia à liberdade natural - por um pacto. que concentre em tini só corpo político o direito de estabelecer leis e penas, e, também, o de punir - é que se pode, contra os criminosos. assegurar a paz e o gozo da liberdade. |