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Palestra profissional dos CTT Nº 34, proferida na Sociedade de Geografia,  em 23 de Outubro de 1947

pelo consultor Artístico

Jaime Martins Barata

 

COMO SE FAZ UM SELO POSTAL

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Administrador Geral

Excelentíssimos Senhores membros da Mesa da Pre­sidência

 

Minhas Senhoras

Meus  Senhores

 

Falar nesta Assembleia é para mim uma honra, que eu sinceramente reconheço e pela qual manifesto a S. Ex.a o Correio-Mor a minha gratidão.

 

Vou dizer algumas palavras sobre o selo postal, seus antecedentes remotos e próximos, e como ele se faz.

O tema é vastíssimo, mesmo que se limitasse à execução e fabrico da estampilha. Também ele me parece interessante. Por isso escolhi, convencido de que o assunto, em si próprio, é capaz de resistir à minha insuficiência para o expor devidamente.

Uma pequena palestra, abordando tema tão grande, fatalmente será ligeira e superficial. Espero que os entendidos me desculpem essa ligeireza. Espero, também, que algumas projecções, que vão acompanhar na parte final, as minhas palavras, digam mais e melhor do que estas.

 

Consintam VV. Ex.as que, antes de entrar na questão especialmente proposta, eu diga alguma coisa, de bem fácil erudição, aliás, sobre a história do Correio, que é um pouco da história do homem e que vai conduzir-nos ao selo postal. Passemos uma rápida vista de olhos sobre os serviços, antes de vermos a maneira aparente de os pagar. É também uma forma de não me alongar em explicações técnicas que não interessariam todas as pessoas. Vamos à história.

 

Parece averiguado, por certas interpretações do Livro de Job, que já havia correio há mais de 3.500 anos; seriam apenas emissários singulares e ocasionais. Sabe-se, também, que há 24 séculos o imperador Ciro, da Pérsia, estabeleceu um sistema de Correios a cavalo, que é o primeiro serviço postal conhecido. Daqueles fala Heródoto nestas palavras de belo sabor clássico:

«Não há coisa mortal mais rápida do que esses mensageiros. De dia e de noite, sob a chuva ou o calor, eles vão passando a mensagem de mão em mão, como o facho nas estafetas gregas».

O sistema foi copiado e introduzido em Roma pelo Imperador Augusto, que estabeleceu as «mansiones» — casas de muda de cavalos e de repouso dos cavaleiros, espalhadas ao longo das estradas militares, ali colocadas — ali «pósitae». É deste tempo a palavra latina «pósita», que deu «posta» e «postal».

 

É muito curioso o facto de alguns indígenas da América, antes da chegada de Colombo, terem já o seu serviço de correio e também o primeiro serviço de encomendas de que há notícia. Foram também estes serviços americanos os primeiros serviços públicos. Porque o uso particular do correio, mesmo o romano, era, no velho mundo, condicionado a licença real ou imperial. Perfeitamente análogos a estes, que desconheciam em. absoluto, os serviços americanos tinham apenas a diferença de serem feitos a pé, pois os cavalos eram desconhecidos na América até os Espanhóis os levarem para lá.

 

Da longa Idade Média pouco se sabe respeitante ao Correio embora este aumentasse extraordinariamente de volume, com o desenvolvimento da escrita e a facilidade do papel. O serviço postal não era público nem regular; estava a cargo de mensageiros, os quais estavam a soldo apenas dos interessados, fossem eles os Reis, os mercadores, a justiça ou a Igreja.

Apareceram finalmente, — um, no séc. XIII outro no séc. XV , os dois sistemas postais mais importantes que se conhecem na Idade Média, ambos ainda sensivelmente semelhantes à posta romana.

Um deles, na Mongólia, estendeu-se por uma vastíssima área e era duma eficiência exemplar, segundo Marco Polo, que o conheceu e estudou. Dispunha do pessoal mais competente e dos cavalos mais robustos e em maior abundância — chegando a haver «mansiones» com 400 cavalos frescos à disposição dos correios. A disciplina do pessoal era rigorosíssima e os castigos muito severos. «Nada, diz Marco Polo, nada, nem o tempo, nem a doença, nem mesmo um acidente podia servir de desculpa ao mensageiro que não chegasse a horas».

O outro sistema é o celebrado monopólio da Casa de Thurn und Taxis. Um príncipe milanês «Delia Torre», perseguido político, encontrou refúgio no Monte Tasso, cujo nome, por gratidão, juntou ao seu.

Depois, na Áustria germanizou-os — e «delia Torre» e «Tasso» deram «Thurn und Taxis», um dos nomes mais falados na literatura postal.

Esta dinastia dos Thurn und Taxis estabeleceu no séc. XV um serviço postal que em breve se espalhou por todo o centro da Europa chegando à Itália e à Espanha — servindo todo o Império de Carlos V.

O Senhor Godofredo Ferreira, no seu belo estudo sobre os Correios-Mores e os Administradores dos CTT, diz que o nosso rei D. Manuel I, quando confiou a Luís Homem, de quem fez o primeiro Correio-Mor, o encargo de organizar o serviço postal português teria querido seguir o exemplo dos Serviços de Thurn und Taxis, os quais o mesmo Luís Homem conhecia de perto, nas suas viagens à Flandres.

 

Assim se fez sempre, a pé e mais frequentemente a cavalo, o Correio através das idades até ao séc. XVIII ou até ao séc. XIX.

Como era pago? Nada se sabe de seguro a esse respeito nalgumas épocas. Mas parece que o serviço era geralmente pago depois de feito, isto é, contra a entrega da mensagem. Essa característica parece ter sido comum, salvo pequenas excepções, a todos os sistemas.

 

Interessa agora falar especialmente do Correio Inglês, porque dali veio a grande revolução.

Até meados do séc. XVII não havia em Inglaterra serviço postal público.

Antes disso, o serviço era do Rei, que o facultava, interesseiramente, aos particulares — não para os servir, mas com a intenção de descobrir, por esse meio os seus inimigos e as conspirações contra a Coroa.

Este primeiro serviço postal público que surgiu em Inglaterra nos meados do século XVII notabiliza-se especialmente por ser o primeiro que estabeleceu uma regra para as taxas do correio, fazendo-as depender do tamanho das cartas e das distâncias a percorrer. Até então os serviços eram pagos arbitrariamente.

A sistematização das taxas trouxe um grande desenvolvimento aos serviços do correio — e de tal modo que apareceram várias organizações postais particulares, que concorriam entre si e com o correio real.

Diga-se entre parêntesis que o correio continuava a ser feito a pé ou a cavalo. Só nos fins do séc. XVIII apareceu a mala-posta, e em 1830 o comboio.

 

Apesar de todos os progressos o serviço oficial em Inglaterra era mau e caro.

O público ia preferindo a concorrência e clamando por um abaixamento das taxas. Cerca de 1680 William Dockwra — um grande precursor — fundou uma companhia particular — que foi tolerada pelo monopólio oficial — destinada ao transporte de cartas e encomendas, dentro de certos limites de peso e valor, na área de Londres pelo preço uniforme de 1 penny — pago antecipadamente — no qual se incluía o seguro.

Como progredisse a companhia, o Duque de York, detentor do monopólio postal exigiu a sua extinção; restabeleceu depois aquele serviço da taxa única em Londres, mas agora com os lucros para ele. E criou ao mesmo tempo a distribuição ao domicílio. Apareceu também nessa altura um serviço curioso que durou 150 anos: a aceitação da correspondência, além da que se fazia nas estações, era feita na via pública, por funcionários que chamavam a atenção dos interessados tocando grandes campainhas.

 

Os portes continuavam — excepto o que se passou na área de Londres — a ser pagos por quem recebia as cartas e não por quem as expedia.

Depois duma época brilhante para os Correios, começaram os reis a olhar estes serviços como uma fonte de receita mais do que um elemento posto ao serviço da economia da nação.

As taxas foram subindo, chegando à exorbitância quando foi preciso dinheiro para as guerras contra Napoleão.

Mas as guerras acabaram — e contudo as taxas não cessavam de subir; e, além das taxas havia as sobretaxas que, sob vários pretextos (passagem de pontes, travessia de cidades, etc.) iam agravando o porte da correspondência durante a sua viagem.

Calculava-se em 1837 que, em média, uma carta pa­gava 9 dinheiros e meio — o que era cerca de metade do salário da grande maioria dos ingleses.

Escrevia-se pouco. O correio era um luxo.

As cartas eram muitas vezes recusadas pelo destinatário, porque ele não tinha dinheiro para pagar o porte exigido. A correspondência recusada ficava em depósito na estação, durante algum tempo, até ser remida. Havia pessoas que esperavam, ansiosamente notícias dos ausentes e eram forçadas a empenhar objectos na posta para conseguirem obter as cartas.

 

Como num círculo vicioso, as cartas recusadas — serviço postal feito e não pago, despesa sem receita — conduzia ao déficit e, consequentemente, à impossibilidade de baixar as taxas.

O custo de reunir e inutilizar as cartas recusadas foi, só em 1837, de 122.000 libras, perto de 20% do orçamento geral dos correios. Havia, além de tudo isto, o prejuízo da isenção de franquia para algumas entidades oficiais.

O resultado foi a burla organizada.

Muitos expedidores procuravam, a via oficial gratuita, por todos os meios, lícitos ou não.

E como a correspondência era apresentada ao destinatário, que a examinava exteriormente na sua mão e a aceitava, (se pagasse o seu porte) ou a recusava, alguns comerciantes idearam códigos de sinais que iam disfarçadamente na apresentação do invólucro ou na caligrafia da direcção, permitindo mandar cotações, ofertas, respostas, etc., que o destinatário recebia assim — sem ficar com a própria carta, isto é, sem nada despender.

O correio substancial fazia-se, mais economicamente, por intermédio de companhias privadas clandestinas, uma espécie de mercado negro postal. Apenas com a diferença de neste mercado se exigir menos dinheiro do que no serviço público.

Só entre Birmingham e outra cidade havia doze correios particulares fora da lei. Cinco sextos das cartas saídas de Manchester eram transportadas extra-oficialmente. Um editor confessou que, antes de ser apanhado, já tinha enviado assim 20.000 cartas.

A mala-posta de Londres a Edimburgo levou, muitas vezes, uma só carta. Mais este caso espantoso: o primeiro paquete de Liverpool a Nova York conduzia, na vastidão das suas malas, apenas cinco cartas. Mas na cabina do capitão do mesmo barco iam umas 10.000 cartas fugidas às taxas oficiais.

 

É neste cenário triste que aparece a figura notabilíssima e inconfundível de Rowland Hill, o grande reformador postal.

Este homem, de fraca saúde, tinha uma energia extraordinária ao serviço dum talento, inquieto e multiforme, manifestado das maneiras mais imprevistas.

Filho dum professor primário pobre, ainda em pequeno, construiu uma roda para nora, uma forja, um barco, ideou um despertador aquático, um planisfério eléctrico e estudou astronomia, encadernação, náutica, arquitectura, criminologia, arte dramática (atrevendo-se a emendar Shakespeare) e ganhou um prémio nacional de desenho. Mais tarde salvou uma mulher num fogo, estudou, com a antecedência dum século, e em si próprio os efeitos educativos da sugestão, ensinou electricidade, estudou sistemas alimentares, experimentou o pêndulo Vernier para marcar centésimos de segundo, pensou na aplicação do pêndulo à regulação das máquinas a vapor, construiu uma máquina rotativa de impressão, estudou um velocímetro para as malas-postas e a maneira rápida de pesar cartas e de as meter nas caixas. Projectou hélices para navios e o transporte de gás a longa distância, por meio de canalizações e ainda aa construção mecânica de estradas. Pensou ainda no telégrafo por ar comprimido e na extracção do hidrogénio da água do mar, feita pelos navios, que o empregariam como combustível... Falecido o pai, ele, também professsor, reorganizou a escola em bases novas, pagou as dívidas do seu progenitor e fundou um sistema educativo que tem muito de comum com as moderníssimas tendências pedagógicas.

 

O seu amor pelo próximo levou-o a organizar uma sociedade de intelectuais para inventar máquinas úteis à humanidade.

Secretário da Associação da Austrália do Sul para a colonização deste país, pôs a sua energia ao serviço dum plano colossal de emigração em massa.

Verificou, nessa ocasião, serem os impostos excessivos a razão principal que levava os trabalhadores a abandonarem a sua terra.

De essas taxas excessivas, a maior era a taxa do correio.

Isso impressionou-o a tal ponto que em 1835 deixou os projectos de colonização e abandonou a escola, dedicando-se à reforma postal que viria a imortalizar o seu nome.

Conta-se numa historia — provavelmente inventada —, mas análoga as historias verdadeiras já citadas, que Rowland Hill se encontrava de passagem numa pousada escocesa quando o carteiro entrou e apresentou uma carta a estalajadeira, que a tomou nas mãos, viu, remirou e devolveu, dizendo:

«Somos pobres e não podemos pagar os dois xelins e meio do porte dessa carta».

Com pena da hospedeira, Rowland Hill pagou ao carteiro aquela importância.

A mulher agradeceu, o carteiro saiu — e a carta ficou, fechada e intacta sobre a mesa.

Como visse a estranheza do viajante, a mulher explicou:

«Agradeço a sua generosidade — mas digo-lhe que o seu dinheiro foi gasto inutilmente. A minha família vive muito longe daqui. De vez em quando escreve-me. Ora se quiser ter a bondade de ver o endereço notara que cada linha é escrita por sua mão — e está aqui a letra de cada um dos meus parentes. Assim, basta-me olhar para a direcção para saber que todos estão bem e sei as notícias sem pagar um só dinheiro».

 

Não seria esta historia — mas muitas como esta — que levaram Rowland Hill a pensar na forma de remediar o erro e a concluir que a solução do problema estava em duas coisas.

 

l.º - No pagamento antecipado do porte — para acabar com as burlas.

2.° - No barateamento e na uniformidade das taaxas — para provocar, pela grande expansão, a grande receita — e matar o mercado negro.

Eram, afinal, as ideias já postas em prática por Dockwra, dois séculos antes, na cidade de Londres.

A carta media pagava então ao correio cerca de 9 dinheiros.

Hill propôs a taxa uniforme de 1 dinheiro, para todo o Reino.

A redução das receitas afigurava-se drástica — de 88 %; e, embora a ideia seja corrente em toda a moderna economia industrial — vender barato e muito — o que e certo e que a maioria dos governantes ingleses entendia dever acudir-se a crise das finanças postais com um novo agravamento das taxas.

 

O povo, evidentemente, aplaudia a ressurreição e alargamento do «Penny-Post» de Dockwra —mas não gostava de quebrar a tradição do pagamento no fim do serviço feito. Rowland Hill ganhou a batalha porque a barateza da taxa uniforme chegou, como ele pensava, para neutralizar a repulsa do povo pelo pagamento antecipado do porte das cartas.

 

Para facilitar o envio da correspondência, Hill propôs que os expedidores mandassem as suas cartas — «em pequenos sacos chamados envelopes», como ele disse, — especialmente feitos para esse fim e que seriam postos a venda nas estações. Neles estaria bem expresso que o porte ficava pago. Qualquer remetente chegava com a carta, comprava o envelope, onde a metia, fechava-o e escrevia nele a direcção. E era tudo.

Todavia casos se podiam dar em que o remetente mandava a carta ao correio por um emissário analfabeto. Seria então vantajoso — como mero recurso — o emprego de etiquetas gomadas. Segundo as palavras de Hill: «um pedacito de papel, apenas o suficiente para se opor ao invólucro, e guarnecido no verso com uma camadinha gomada que, ligeiramente humedecida, se pudesse aplicar na carta, evitando a inscrição de novo endereço».

 

Depois de grandes discussões foi o plano aprovado pela Rainha Vitoria, que declarou esperar dele «grandes vantagens sociais e grande progresso» — apesar dele acabar com todas as inscrições oficiais. A própria Rainha pagaria o porte das suas cartas.

 

Com surpresa dolorosa para Rowland Hill o publico logo nos primeiros dias ridicularizou e desprezou os envelopes preparados com tanta solicitude e carinho, com tantos cuidados na apresentação e nos quais o mesmo Hill tinha fundamentado as suas melhores esperanças.

Em breve tiveram de ser todos inutilizados. Tinham-se feito tantos que tiveram de construir-se fornos especiais para a sua cremação...

Pelo contrario o pequeno ersatz, o pequeno suplente... o pedacito de papel apenas suficiente para se apor no verso da carta, etc.... caiu nas graças do público, entusiasmado pela comodidade que ele lhe trazia e pela clareza com que ele servia de recibo do porte das suas cartas.

Ninguém, nem o próprio Rowland Hill poderia sonhar com o esplendoroso futuro daquele modesto rectângulo de papel, que viria «a ser o mais patente sinal da governação alguma vez posto nas mãos das gentes» segundo uma conhecida frase.

 

Dentro dum pais, o selo do correio é tão popular como o dinheiro. Mas vai mais longe do que a moeda, porque é universal e viajante, e esta não.

Calcula-se em mais de 5O biliões o número de selos que circulam anualmente no Mundo. De entre eles, uns quatrocentos milhões não chegaram ao serviço, seguindo directamente para os álbuns dos coleccionadores.

Porque, de todas as variadas fúrias coleccionistas — de obras de arte, de livros, de relógios, de caixas de fósforos, etc., e até de penas de canário... — a mais sólida, universal e poderosa — é a Filatelia. Só nos Estados Unidos — segundo uma emissão radiofónica — computam-se em 12 milhões o número de coleccionadores de selos que avidamente estudam, trocam, discutem e escrevem.

Curiosa mudança! No tempo de Rowland Hill recebiam-se mensagens sem pagar as taxas. Agora muitos milhões de pessoas pagam taxas — sem mandar correspondência.

O selo tornou-se um veiculo de propaganda turística, política e social. Estas possibilidades chamaram o interesse especial dos governos que se deram conta da força publicitaria de que dispunham. A filatelia desenvolve-se em toda a parte e já não é um capricho ou um passatempo.

Alem de gostosa distracção para os seus adeptos — é profissão para muitos e modo de capitalização para alguns. E em certos Estados da América do Norte constitui um estudo nas escolas primarias.

Justifica-se assim que na fachada do palácio dos correios de Nova York se possa ler esta inscrição solene e poética em louvor do selo postal:

 

— Emblema de simpatia e Amor

— Mensageiro dos amigos separados

— Consolo na solidão

— Laço de união das famílias dispersas

— Elemento do progresso humano

— Veículo do Comercio e da Indústria

— Anunciador das noticias

— Promotor da Fraternidade, da paz e da boa vontade entre os homens e as Nações.

 

Só tenho a dizer: assim seja.

 

Rowland Hill não foi apenas o criador do selo postal — honra que, alias lhe é contestada por alguns. Foi, também, o autor do desenho do 1.° selo.

Abriu-se um concurso entre artistas e homens de ciência, para afinação do plano Hill e escolha de desenho. Apareceram 2.600 planos e 1.000 desenhos.

Hill não gostou de nenhum; e então esboçou ele mesmo, rapidamente, um projecto que consistia num perfil da Rainha Vitoria dentro dum enquadramento severo e digno. Ao alto, a palavra «Postage» — em baixo, a inscrição da taxa.

O projecto, que VV. Ex.as vão agora ver, assinado pelo próprio Rowland Hill, foi aprovado pelo governo (fig. 1). 

A sua execução, confiada ao gravador Corbould — que copiou o perfil da Soberana duma medalha recém-cunhada em sua honra, deu o famoso «Penny-black» — por ser negro e custar 1 dinheiro — e que foi o primeiro selo duma Administração postal que circulou no Mundo, a partir do dia histórico de 1 de Maio de 1840.

Aqui o temos, num exemplar um pouco defeituoso e manchado (fig. 2).

O sucesso deste selo foi fulgurante em Inglaterra, como dissemos. As maquinas não davam vazão, perante a procura enorme.

Mas não foi só inglês o sucesso. Foi universal. O exemplo britânico foi seguido em quase toda a parte — tanto no seu sistema postal como no próprio aspecto do selo — como se vê nos exemplos seguintes, de vários países (fig. 3).

A própria emissão de D. Maria II, de que vamos ver a taxa de 100 reis, linda na sua decoração tão saborosa — é da linhagem do Penny-black (fig. 4).

Ate o perfil da Rainha foi nitidamente inspirado no perfil da Rainha Vitoria.

 

Não é para aqui a evolução detalhada do aspecto artístico do selo e as flutuações da moda a que teve sempre de sujeitar-se. Foi perdendo a bela serenidade do «Penny-black» e das suas imitações. Foi-se complicando enchendo-se de laboriosa decoração, desconexa e inexpressiva, mascarando a sua estrutura como a mais pura colunata clássica e mudada em caramanchão informe quando invadida pela hera.

Nos nossos dias reage-se contra esse excesso, para se cair, por vezes noutro — em efeitos gritantes de cartaz que, apesar da sua simplicidade não tem a calma que é de desejar num símbolo como este.

Todavia, especialmente nas republicas sul-americanas ainda se usam modelos daquele género. Não falemos mais disso.

 

O selo do correio é coisa gráfica editorial. É um impresso. Para estudar o seu fabrico temos de conhecer alguma coisa sobre os processos de gravura e impressão.

O processo de impressão mais antigo e o da gravura em relevo — chamado processo tipográfico.

A gravura é como um carimbo usual; o que imprime, é o que está saliente.

A gravura faz-se partindo duma superfície lisa (de madeira, metal, borracha, cortiça, etc.) na qual, por meio dum instrumento cortante — um buril — ou até um canivete, às vezes — se cava tudo aquilo que não deve imprimir-se, isto é, tudo aquilo que vai ficar em branco.

Os traços do desenho são os restos da superfície lisa — que ficaram porque não foram cortados.

Passa-se um rolo de borracha com tinta sobre a gravura — ou encosta-se esta a uma almofada com tinta, como no carimbo.

A tinta fica depositada nas partes saídas da gravura — e esta fica «atintada».

Assenta-se sobre a gravura atintada um papel, que se prime vigorosamente contra ela — em pressão uniforme e vertical, como numa prensa de copiador. A tinta passa para o papel, que tem mais condições de aderência do que a madeira, o metal, etc. (fig. 5 a).

Temos assim uma prova, que pode repetir-se um grande numero de vezes, variável segundo a rijeza do material, a finura dos traços e a pressão empregada.

Como se vê, repito, o gravador gravou o que ficou em branco.

Se em vez do buril tivesse um pincel com tinta branca e trabalhasse sobre um papel escuro, obtinha o mesmo efeito final do desenho, apenas com a diferença de se apresentar invertido.

É inútil chamar a atenção de VV. Ex.as para o facto da gravura e da prova serem sempre invertidas uma em relação à outra — como no carimbo.

Este processo, que dizem ser de origem oriental é o mais antigo que se conhece. Começou aparecendo na Europa no séc. XII, em cartas de jogar. Depois apareceram, feitas nos conventos, imagens de Santos e textos, cujas palavras eram gravadas como qualquer desenho. Muito mais tarde, no século XVI, Guttemberg usou caracteres soltos — tipos — e inventou a tipografia. Mas como se vê, a tipografia vem da gravura — e não a gravura da tipografia — como há quem suponha.

Mas a todo o processo da gravura em relevo — mesmo que não tenha nenhuma letra e seja só desenho — se dá o nome de processo tipográfico.

O processo oposto, em que a gravura é cavada, chama-se o «talhe-doce» — ou intaglio.

Aqui a chapa e metálica — de aço, cobre ou zinco e é riscada, em sulcos mais ou menos fundos e segundo os tragos do desenho, por intermédio dum buril que pode ser análogo a alguns da gravura em relevo.

Atinta-se a chapa toda, com um rolo carregado de tinta um pouco fluida, que se espalha em toda a superfície e preenche todos os sulcos.

Depois limpa-se a chapa, cuja superfície lisa ficou sem tinta. Mas — e isto e que e o importante, os sulcos retiveram a tinta, ficaram cheios de tinta.

Encosta-se o papel à chapa; o papel é previamente humedecido para ficar um pouco flexível, «passento».

É premido com uma força enorme, por meio da passagem do conjunto chapa e papel entre dois rolos de ferro muito robustos. O papel penetra ligeiramente nos sulcos, e a tinta que neles estava vem agora agarrada ao papel, sobre o qual se apresenta em cordões mais ou menos espessos e altos (fig. 5 b).

Aqui, o que o gravador gravou fica em negro; enquanto o gravador tipográfico abre os claros no fundo escuro, o gravador de talhe-doce abre os escuros no fundo claro.

 

Este processo foi descoberto em Itália quando os fabricantes de armaduras as ornamentavam com uma espécie de embutidos, lavrando o metal em sulcos que preenchiam com um esmalte negro chamado «niello».

Durante a marcha do trabalho, para melhor aquilatarem do seu curso, esfregavam as chapas com pó humedecido e que só se fixava nos regos — e encostavam-lhe um papel, obtendo assim uma prova-guia.

De aqui veio a ideia da sua utilização para a edição de desenhos.

 

A gravura cavada também se faz quimicamente, com muito menos esforço do que por meio do emprego do buril.

Cobre-se toda a chapa com um verniz resistente aos ácidos. Desenha-se sobre ela o que se pretende gravar, com uma agulha fina mas romba, que não penetra no metal e apenas o põe a descoberto, removendo o verniz por onde ela passa.

Submete-se a chapa assim preparada à acção directa dum acido (geralmente o ácido azótico ou agua forte) que vai corroer o metal nas linhas onde ele está a vista — obtendo-se assim os sulcos necessários a estampagem, como no talhe-doce.

O traço obtido por este processo, chamado «agua forte» — não tem a mesma contextura que o traço feito a buril — nem pode competir com ele em nitidez e pureza. É, pela facilidade e espontaneidade que permite, muito usado na gravura artística.

 

Finalmente há outro processo, não em relevo nem cavado, mas apenas superficial, baseia-se na impossibilidade de se misturar gordura com a água e consiste no seguinte:

Sobre uma pedra lisa de certa qualidade calcária que absorve tanto a gordura como a humidade, (separadas, claros) desenha-se com um lápis gorduroso, o desenho que se quer reproduzir. A tinta gordurosa do lápis fixou-se bem nos sítios por onde ele passou. Humedece-se em seguida a pedra. A agua fixa-se em todos os sítios onde não há gordura.

Passa-se sobre toda a pedra um rolo com tinta gordurosa. Esta tinta só se fixa onde encontrou gordura — isto é, nos traços do desenho, e é repelida, em todo o resto da superfície, pela agua.

Põe-se sobre a pedra o papel, e comprime-se. No papel vem a tinta, que fica agarrada, e a água — que se evapora.

Ficou assim apenas o desenho no papel.

Este processo chama-se a litografia — o seu nome vem da palavra Litos, que em grego quer dizer pedra.

Não nos interessa muito agora.

 

Além destes três processos todos de gravura ou desenho manual, há os processos mecânicos correspondentes:

À tipografia corresponde a zincogravura e a fotogravura, em que a imagem vem reproduzida em pequeninos pontos ou em traços contínuos. São assim as gravuras dos jornais e quase todas as que se vêem nos livros, porque podem ser impressas ao mesmo tempo que as letras.

Ao talhe-doce corresponde a rotogravura ou héliogravura.

À litografia corresponde o processo fotolito, que pode ou não ser impresso indirectamente, pelo sistema chamado offset. A fotolito impressa em offset é o processo costumado de reprodução dos nossos bilhetes postais de boas-festas. Não tem quase nenhum interesse filatélico, como não o tem a zincogravura ou a fotogravura.

Destes processos mecânicos apenas a rotogravura tem interesse na edição de selos postais. Falaremos dela e da razão do seu emprego.

Tanto a fotogravura tipográfica como a rotogravura (processo cavado) decompõem a gradação de meias tintas, isto é, os esbatidos, em pequenas superfícies, obtidas mecanicamente pela interposição de redes transparentes.

 

O esbatido na fotogravura (gravura saliente, gráfica) é conseguido por meio de discos de tamanho variável, mas todos de centros equidistantes, postos nos cruzamentos duma rectícula normal.

Na rotogravura — gravura cavada, como o talhe-doce, é o mesmo esbatido alcançado por meio de cavidades iguais em superfície mas de profundidade variável.

Já vamos ver uma projecção também esquemática sobre este processo.

A diferença do resultado entre os dois sistemas é fundamental.

A camada de tinta, na fotogravura — como em toda a gravura tipográfica — é uniforme e delgada, para não «babar». Deste modo nem sempre consegue vencer as asperezas do papel, apresentando a prova um aspecto ruço, proveniente das fibras do papel que não foram completamente tapadas pela tinta (fig. 6 a).

A rotogravura deposita no papel a tinta em quadradinhos de diferente espessura, desde as finas dos claros até às grossas dos escuros, em que a tinta vai em espessura suficiente para tapar as fibras do papel, garantindo assim uma intensidade de cor que nenhum outro processo mecânico consegue (fig. 6 b).

É este o processo que se aplicou nas nossas emissões general Carmona e Costumes Portugueses, II série.

Dá resultados bonitos e atraentes para o publico, mas tem o grave inconveniente de ser bem acessível a falsificação, o que não acontece com um bom talhe-doce.

Os processos mais empregados no fabrico dos selos são os dois primeiros citados e mais antigos.

— O processo tipográfico, de resultados precários em geral mas extraordinariamente económico.

— E o processo do talhe-doce, mais caro, por isso empregado quase só em emissões comemorativas — por ser de todos o mais seguro — e o mais belo.

 

Vamos agora ver, finalmente, como se faz um selo.

A emissão duma franquia postal, em primeiro lugar e determinada pelas conveniências da Administração — visto que, mesmo se for uma obra de Arte, um selo do correio é sempre e antes de mais nada, um documento postal.

Obtém-se em seguida o projecto, das mãos de um artista, que deverá seguir as directrizes técnicas combinadas, para poder explorar os recursos do processo que vai ser empregado evitando dificuldades inúteis à gravura e à fabricação. Porque um original para tipografia não é semelhante a um outro para talhe-doce. Difícil coisa é desenhar um selo. As surpresas são sempre grandes. Um ilustre pintor holandês, declara ser-lhe mais fácil uma grande pintura decorativa, numa parede, do que desenhar um selo. Talvez tenha razão. As surpresas aqui são maiores porque o desenho do artista aparece a publico não directamente vindo dele, mas passando por outras operações que muitas vezes o falseiam.

Aprovado o original, é este confiado ao gravador. Feita e aprovada a gravura e esta entregue ao fabrico, que tem por missão multiplicar as chapas da gravura e imprimi-la assim repetida, em folhas de cinquenta ou de cem unidades cada uma.

 

Exemplifiquemos o fabrico dos dois processos começando, para o processo tipográfico, com o exemplo dum selo bem conhecido e até já um pouco cansado: o selo da Caravela.

 

O desenho foi executado a preto e branco, numa escala bastante grande em relação ao tamanho definitivo. Aqui o temos, feito claramente para o processo tipográfico. A sua realização em talhe-doce seria muito mais difícil (fig. 7).

Assim foi aprovado e entregue à Casa da Moeda que confiou a execução da sua gravura ao mestre gravador Gustavo de Araújo, o qual a abriu num pequeno rectângulo de chapa de aço macio, retocando-a sucessivamente e pacientemente ate ela ser considerada pronta. Leva este trabalho algumas semanas a executar.

A gravura original ficou com o aspecto que vamos ver. Notaremos que não tem nenhuma taxa aberta, porque ela vai servir para todos os valores diferentes (fig. 8).

Esta gravura é temperada — e o aço adquire uma rijeza enorme.

Ficou sendo a gravura definitiva. É a matriz.

A chapa temperada imprime-se, como um sinete no lacre, várias vezes sobre cera plombaginada, dando exemplares como este, onde as palavras e o desenho não estão invertidos (fig. 9).

Estas ceras são submetidas a um banho galvanoplástico, que vai depositar na sua superfície uma camada de cobre, a qual reconstitui, com fidelidade matemática, a gravura matriz. Voltamos a ver uma gravura como a inicial, mas de cobre, é o punção (fig. 10).

Neste punção se abre a taxa que interessa, por exemplo a de l$00.

Volta o punção, agora com a taxa aberta, a ser impresso, como o foi a gravura matriz — nas ceras plombaginadas e voltam a obter-se destas, vários novos punções, em cobre, rigorosamente iguais a gravura matriz, e todos com a taxa aberta de l$00. Montam-se em calços metálicos como VV. Ex.as vão ver (fig. 11).

Agrupam-se cem destes punções na rama duma máquina tipográfica, como se fossem tipos de imprensa. Para isso têm a altura dos tipos de imprensa. Com eles se imprimem as folhas de selos que vêm a publico.

Resta a gomagem das folhas, a perfuração (picotagem) e a contagem.

 

O outro processo — o talhe-doce, parte igualmente dum original que tanto pode ser um desenho a traço, como um desenho a meia tinta, como uma fotografia.

No exemplo inédito que vou apresentar, — com a licença de S. Ex.a o Correio-Mor — seguiu-se, para a obtenção do original um processo inusitado.

Pretendia-se comemorar o centenário e a canonização de S. João de Brito.

O mestre escultor Barata Feyo tinha já executado uma estátua admirável representando aquele Santo.

Foi ele convidado a executar dois baixos-relevos sobre a mesma gloriosa figura e daqui vieram dois dos mais belos selos Portugueses — na minha opinião.

Vamos assistir ao fabrico dum deles.

Apresento a VV. Ex.as o belo baixo-relevo de que se partiu (fig. 12). 

Sobre uma fotografia retocada de acordo com o Autor, estabeleceram os serviços artísticos dos CTT o enquadramento literal e o desenho das taxas. Resultou como que um desenho — mas com um aspecto difícil de obter-se apenas pelo desenho. Aqui o temos (fig. 13).

Foi este o original entregue ao mestre gravador Renato Araújo, do Banco de Portugal, que abriu cuidadosamente a gravura.

Apresento a VV. Ex.as as mãos do gravador, os buris empregados — e a gravura em curso (fig. 14).

O trabalho é seguido com uma lente, segura na mão, num suporte, ou presa na orbita, como a dos relojoeiros.

Sucessivas provas foram presentes ao Artista-autor e aos serviços e pouco a pouco as emendas eram notadas como se vê (fig. 15).

Iam sendo pacientemente corrigidas e a gravura seguindo. Até que uma prova final foi dada como boa. Hei-la: (fig. 16).

Devo dizer que a prova era a negro e a gravura foi pensada para outra cor, o aspecto real tem uma macieza bem diferente do que aqui se vê.

E aqui temos o aspecto final da gravura (fig. 17).

Aprovada a gravura, com uma das taxas, foi ela temperada.

 

Entra-se a seguir no fabrico, que está sendo feito nas oficinas do Banco de Portugal.

É possível — e há quem o use — na reprodução do talhe-doce, o processo da galvanoplastia. Aqui foi em todo o caso, seguido o processo «transfer» — o velho processo Perkins, já usado no «Penny black» há 107 anos e que é ainda o mais perfeito.

Consiste no seguinte.

Sobre a gravura da chapa temperada obriga-se a passar, em movimento de vaivém e sob uma pressão tremenda um rolo de aço macio; a gravura vai-se marcar no aço do rolo, agora com os tragos em relevo, pela insistência e pela pressão, visto ser muito mais duro o aço da chapa temperada do que o aço do rolo.

Vão VV. Ex.as ver o aspecto do rolo «transfer» sobre a chapa — evidentemente sem a máquina que permite a pressão indispensável. Grava-se assim o rolo em quatro lugares (fig. 18).

Cabe agora ao rolo a vez de ser temperado e tornado assim muito duro, e aplicado na mesma máquina e volta a sofrer o mesmo movimento de vaivém, lento e poderoso de pressão, em cima duma chapa de aço macio, onde, como um pneu de automóvel em lama consistente, vai marcando o seu desenho, reconstituindo a gravura inicial (fig. 19).

Esta operação repete-se cinquenta ou cem vezes, cobrindo regularmente a chapa com cinquenta ou cem gravuras em tudo análogas à matriz. Aqui temos a chapa (fig. 20).

A chapa é então temperada. Está pronta para a estampagem.

É atintada na máquina, limpa mecanicamente com papel ou pano (de modo a deixar só a tinta nos sulcos gravados) e obrigada, já na companhia do papel, a passar entre dois poderosos rolos de aço.

O papel levanta-se e nele vem a estampagem dos selos (fig. 21).

Resta a picotagem. Não a gomagem porque o papel aqui já vai gomado para a máquina.

 

Antes do rolo temperado, o gravador raspou a taxa numa das impressões da matriz, o que é «relativamente» fácil por estar nessa altura a taxa em relevo.

Depois do rolo temperado essa impressão emendada dá, numa chapinha de aço, origem à nova matriz, digamos, mas sem taxa, onde o gravador abre uma nova taxa.

E o fabrico desta nova taxa e em tudo idêntico ao que foi dito.

 

Não há nenhum sistema gráfico que possa ombrear com este, não só pela pureza do trago que só o buril permite — como pela espessura dos cordões de tinta, que dão um brilho e uma vivacidade únicos a este processo.

Comparemos, em ampliação, os resultados. Veja-mos um bocado do selo da Caravela, aliás bem impresso, com um bocado do selo de S. João de Brito posto a seu lado. Ao granulado pobre da impressão daquele contrapõe-se a pureza, o vigor e a intenção do traço, encordoado e forte, estampado neste (fig. 22).

 

O processo do talhe-doce é o processo aristocrático. O processo tipográfico — um processo comercial e económico, capaz, todavia, de atingir, quando bem feito, um nível muito elevado. Os seus recursos são, porém, mais limitados do que os do talhe-doce. Veja-se o que aconteceu com o selo da Escola Naval, desenhado para o processo, nas condições devidas e exemplarmente gravado, mas que foi pessimamente impresso por deficiência evidente da tinta. Não nos esqueçamos que a impressão se fez durante a guerra, com uma dificuldade enorme de materiais.

Foi preciso forçar a tinta: esta babou e alagou todos os sítios onde estava.

Aqui temos o resultado dessa tinta infeliz — a única, parece, que se podia conseguir então (fig. 23).

Compare-se o desenho com o resultado final: as letras da palavra Talant — muito mais largas, vencendo o branco em volta: as letras de Escola Naval, muito mais estreitas, vencidas pela tinta em redor.

De aqui uma irreparável perda de luminosidade e de contraste.

 

Na emissão agora saída, da Tomada de Lisboa, a surpresa foi também da estampagem, que a casa fabricante não conseguiu manter ao nível que prometera. O sacrifício não é na nitidez da gravura — mas na intensidade de cor — muito fraca para o pensado e prometido.

Mostrarei ainda a VV. Ex.as uma ampliação de parte dum selo em rotogravura do general Carmona com uma parte doutro em talhe-doce, da colecção dos Castelos, ambos do mesmo fabricante (fig. 24). 

Enquanto que neste, que não é, alias, uma estampagem tão boa como a do Banco de Portugal — em pormenor, não digo em regularidade — enquanto que neste, como VV. Ex.as vêem se mantém nítida a frescura e a vivacidade do desenho de Cottinelli Telmo, naquele tudo está submerso num amolecimento que o retoque não consegue animar. Salva-se pela cor brilhante, que seduz a vista desprevenida. Mas está bem longe de poder manter bem, como este através das mudanças de apreciação, as razões duma justa preferencia.

 

Vou terminar dizendo que as emissões portuguesas se têm acreditado ultimamente nas terras estrangeiras.

As publicações da especialidade elogiam-nas com frequência.

Uma revista inglesa apontava recentemente o nosso exemplo ao seu governo. Ainda há pouco, em Paris, no último Congresso Postal, o sr. Administrador Duarte Calheiros foi cordialmente felicitado por todos os seus colegas, especialmente por alguns que consideravam os nossos selos os melhores ali apresentados.

Continuaremos todos a trabalhar nesse sentido, evidentemente. Devemos estar gratos aos serviços da Casa da Moeda e aos do Banco de Portugal que têm colaborado connosco, e com o maior desinteresse e o maior entusiasmo. E devemos também esperar que novas emissões, confiadas a alguns dos mais altos e mais cultos espíritos de Artistas da nossa terra venham a aumentar os nossos créditos. Não poderíamos esperar outra coisa dos nomes consagrados do arquitecto Cottinelli Telmo, dos mestres escultores Leopoldo de Almeida e Barata Feyo e de pintores desenhadores como António Lino, Pedro Guedes, Duarte de Almeida e Costa Pinto.

 

É, na verdade, muito grande o pequenino selo postal português; e servi-lo bem é também uma maneira de servir a nossa Terra.

Tenho dito.

 

 

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