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Palestra profissional dos CTT Nº 34, proferida na Sociedade de Geografia, em 23 de Outubro de 1947
pelo consultor Artístico
Jaime Martins Barata
COMO
SE FAZ UM SELO POSTAL
Excelentíssimo
Senhor Administrador Geral
Excelentíssimos
Senhores membros da Mesa da Presidência
Minhas
Senhoras
Meus
Senhores
Falar
nesta Assembleia é para mim uma honra, que eu
sinceramente reconheço e pela qual manifesto a S.
Ex.a o Correio-Mor a minha gratidão.
Vou
dizer algumas palavras sobre o selo postal, seus antecedentes
remotos e próximos, e como ele se faz.
O
tema é vastíssimo, mesmo que se limitasse à execução
e fabrico da estampilha. Também ele me parece interessante.
Por isso escolhi, convencido de que o assunto, em si próprio, é capaz
de resistir à minha insuficiência para o
expor devidamente.
Uma
pequena palestra, abordando tema tão grande, fatalmente
será ligeira e superficial. Espero que os entendidos
me desculpem essa ligeireza. Espero, também, que algumas projecções,
que vão acompanhar na parte final, as minhas palavras, digam mais e melhor do
que estas.
Consintam
VV. Ex.as que, antes de entrar na questão especialmente
proposta, eu diga alguma coisa, de bem fácil
erudição, aliás, sobre a história do Correio, que é um
pouco da história do homem e que vai conduzir-nos ao
selo postal. Passemos uma rápida vista de olhos sobre os
serviços, antes de vermos a maneira aparente de os pagar.
É também uma forma de não me alongar em explicações técnicas que não
interessariam todas as pessoas. Vamos à história.
Parece
averiguado, por certas interpretações do Livro
de Job, que já havia correio há mais de 3.500 anos;
seriam apenas emissários singulares e ocasionais. Sabe-se,
também, que há 24 séculos o imperador Ciro, da
Pérsia, estabeleceu um sistema de Correios a cavalo, que é o primeiro serviço
postal conhecido. Daqueles fala Heródoto
nestas palavras de belo sabor clássico:
«Não
há coisa mortal mais rápida do que esses mensageiros.
De dia e de noite, sob a chuva ou o calor, eles vão
passando a mensagem de mão em mão, como o facho
nas estafetas gregas».
O
sistema foi copiado e introduzido em Roma pelo Imperador Augusto, que
estabeleceu as «mansiones» — casas de muda de cavalos e de repouso
dos cavaleiros, espalhadas
ao longo das estradas militares, ali colocadas
— ali «pósitae». É deste tempo a palavra latina «pósita»,
que deu «posta» e «postal».
É
muito curioso o facto de alguns indígenas da América,
antes da chegada de Colombo, terem já o seu serviço
de correio e também o primeiro serviço de encomendas
de que há notícia. Foram também estes serviços americanos os
primeiros serviços públicos. Porque o uso particular do correio, mesmo o romano, era, no velho mundo,
condicionado a licença real ou imperial. Perfeitamente análogos a estes, que
desconheciam em. absoluto, os serviços americanos tinham apenas a diferença
de serem feitos a pé, pois os cavalos eram desconhecidos
na América até os Espanhóis os levarem para
lá.
Da
longa Idade Média pouco se sabe respeitante ao Correio
embora este aumentasse extraordinariamente de volume, com o
desenvolvimento da escrita e a facilidade do
papel. O serviço postal não era público nem regular; estava a cargo de
mensageiros, os quais estavam a soldo
apenas dos interessados, fossem eles os Reis, os
mercadores, a justiça ou a Igreja.
Apareceram
finalmente, — um, no séc. XIII outro no
séc. XV —
,
os dois sistemas postais mais importantes que
se conhecem na Idade Média, ambos ainda sensivelmente
semelhantes à posta romana.
Um
deles, na Mongólia, estendeu-se por uma vastíssima
área e era duma eficiência exemplar, segundo Marco
Polo, que o conheceu e estudou. Dispunha do pessoal
mais competente e dos cavalos mais robustos e
em maior abundância — chegando a haver «mansiones»
com 400 cavalos frescos à disposição dos correios.
A disciplina do pessoal era rigorosíssima e os castigos
muito severos. «Nada, diz Marco Polo, nada, nem o tempo, nem a doença, nem
mesmo um acidente podia servir de desculpa ao mensageiro que não chegasse a horas».
O
outro sistema é o celebrado monopólio da Casa de
Thurn und Taxis. Um príncipe milanês «Delia Torre»,
perseguido político, encontrou refúgio no Monte Tasso,
cujo nome, por gratidão, juntou ao seu.
Depois,
na Áustria germanizou-os — e «delia Torre» e
«Tasso» deram «Thurn und Taxis», um dos nomes mais
falados na literatura postal.
Esta
dinastia dos Thurn und Taxis estabeleceu no séc. XV um serviço postal que em
breve se espalhou por
todo o centro da Europa chegando à Itália e à Espanha
— servindo todo o Império de Carlos V.
O
Senhor Godofredo Ferreira, no seu belo estudo sobre
os Correios-Mores e os Administradores dos CTT, diz
que o nosso rei D. Manuel I, quando confiou a Luís Homem,
de quem fez o primeiro Correio-Mor, o encargo
de organizar o serviço postal português teria querido
seguir o exemplo dos Serviços de Thurn und Taxis, os quais o mesmo Luís
Homem conhecia de perto, nas suas viagens à
Flandres.
Assim
se fez sempre, a pé e mais frequentemente a cavalo,
o Correio através das idades até ao séc. XVIII ou
até ao séc. XIX.
Como
era pago? Nada se sabe de seguro a esse respeito
nalgumas épocas. Mas parece que o serviço era geralmente
pago depois de feito, isto é, contra a entrega da
mensagem. Essa característica parece ter sido comum, salvo
pequenas excepções, a todos os sistemas.
Interessa
agora falar especialmente do Correio Inglês,
porque dali veio a grande revolução.
Até
meados do séc. XVII não havia em Inglaterra serviço postal público.
Antes
disso, o serviço era do Rei, que o facultava, interesseiramente, aos
particulares — não para os servir, mas
com a intenção de descobrir, por esse meio os seus inimigos
e as conspirações contra a Coroa.
Este
primeiro serviço postal público que surgiu em Inglaterra nos meados do século
XVII notabiliza-se
especialmente por ser o primeiro que estabeleceu
uma regra para as taxas do correio, fazendo-as
depender do tamanho das cartas e das distâncias a
percorrer. Até então os serviços eram pagos arbitrariamente.
A
sistematização das taxas trouxe um grande desenvolvimento
aos serviços do correio — e de tal modo que
apareceram várias organizações postais particulares, que concorriam entre si
e com o correio real.
Diga-se
entre parêntesis que o correio continuava a ser
feito a pé ou a cavalo. Só nos fins do séc. XVIII apareceu
a mala-posta, e em 1830 o comboio.
Apesar
de todos os progressos o serviço oficial em Inglaterra
era mau e caro.
O
público ia preferindo a concorrência e clamando por um abaixamento das taxas.
Cerca de 1680 William Dockwra — um grande
precursor — fundou uma companhia
particular — que foi tolerada pelo monopólio oficial
— destinada ao transporte de cartas e encomendas, dentro de certos
limites de peso e valor, na área de Londres
pelo preço uniforme de 1 penny — pago antecipadamente
— no qual se incluía o seguro.
Como
progredisse a companhia, o Duque de York, detentor
do monopólio postal exigiu a sua extinção; restabeleceu
depois aquele serviço da taxa única em Londres,
mas agora com os lucros para ele. E criou ao mesmo
tempo a distribuição ao domicílio. Apareceu também
nessa altura um serviço curioso que durou 150 anos: a aceitação da correspondência, além da que se fazia
nas estações, era feita na via pública, por funcionários
que chamavam a atenção dos interessados tocando
grandes campainhas.
Os
portes continuavam — excepto o que se passou na
área de Londres — a ser pagos por quem recebia as cartas
e não por quem as expedia.
Depois
duma época brilhante para os Correios, começaram
os reis a olhar estes serviços como uma fonte de
receita mais do que um elemento
posto ao serviço da economia da nação.
As
taxas foram subindo, chegando à exorbitância quando
foi preciso dinheiro para as guerras contra Napoleão.
Mas
as guerras acabaram — e contudo as taxas não cessavam
de subir; e, além das taxas havia as sobretaxas que,
sob vários pretextos (passagem de pontes, travessia de
cidades, etc.) iam agravando o porte da correspondência
durante a sua viagem.
Calculava-se
em 1837 que, em média, uma carta pagava
9 dinheiros e meio — o que era cerca de metade do
salário da grande maioria dos ingleses.
Escrevia-se
pouco. O correio era um luxo.
As
cartas eram muitas vezes recusadas pelo destinatário,
porque ele não tinha dinheiro para pagar o porte exigido.
A correspondência recusada ficava em depósito na estação,
durante algum tempo, até ser remida. Havia pessoas
que esperavam, ansiosamente notícias dos ausentes
e eram forçadas a empenhar objectos na posta para conseguirem obter as cartas.
Como
num círculo vicioso, as cartas recusadas — serviço
postal feito e não pago, despesa sem receita — conduzia ao déficit e,
consequentemente, à impossibilidade de
baixar as taxas.
O
custo de reunir e inutilizar as cartas recusadas foi, só
em 1837, de 122.000 libras, perto de 20% do orçamento geral dos
correios. Havia, além de tudo isto, o prejuízo
da isenção de franquia para algumas entidades oficiais.
O
resultado foi a burla organizada.
Muitos
expedidores procuravam, a via oficial gratuita,
por todos os meios, lícitos ou não.
E
como a correspondência era apresentada ao destinatário,
que a examinava exteriormente na sua mão e a
aceitava, (se pagasse o seu porte) ou a recusava, alguns
comerciantes idearam códigos de sinais que iam disfarçadamente
na apresentação do invólucro ou na caligrafia
da direcção, permitindo mandar cotações, ofertas, respostas, etc., que o destinatário recebia assim — sem
ficar com a própria carta, isto é, sem nada despender.
O
correio substancial fazia-se, mais economicamente, por
intermédio de companhias privadas clandestinas, uma
espécie de mercado negro postal. Apenas com a diferença de neste mercado se exigir menos dinheiro do que
no serviço público.
Só
entre Birmingham e outra cidade havia doze correios
particulares fora da lei. Cinco sextos das cartas saídas
de Manchester eram transportadas extra-oficialmente.
Um editor confessou que, antes de ser apanhado, já
tinha enviado assim 20.000 cartas.
A
mala-posta de Londres a Edimburgo levou, muitas vezes,
uma só carta. Mais este caso espantoso: o primeiro
paquete de Liverpool a Nova York conduzia, na vastidão
das suas malas, apenas cinco cartas. Mas na cabina do capitão do
mesmo barco iam umas 10.000 cartas
fugidas às taxas oficiais.
É
neste cenário triste que aparece a figura notabilíssima
e inconfundível de Rowland Hill, o grande reformador postal.
Este
homem, de fraca saúde, tinha uma energia extraordinária
ao serviço dum talento, inquieto e multiforme,
manifestado das maneiras mais imprevistas.
Filho
dum professor primário pobre, ainda em pequeno,
construiu uma roda para nora, uma forja, um barco,
ideou um despertador aquático, um planisfério eléctrico e estudou astronomia,
encadernação, náutica, arquitectura,
criminologia, arte dramática (atrevendo-se a
emendar Shakespeare) e ganhou um prémio nacional de
desenho. Mais tarde salvou uma mulher num fogo, estudou, com a antecedência dum
século, e em si próprio os efeitos educativos da sugestão, ensinou
electricidade, estudou sistemas
alimentares, experimentou o pêndulo Vernier
para marcar centésimos de segundo, pensou na aplicação do pêndulo à regulação
das máquinas a vapor, construiu uma máquina
rotativa de impressão, estudou um
velocímetro para as malas-postas e a maneira rápida de pesar cartas e
de as meter nas caixas. Projectou hélices
para navios e o transporte de gás a longa distância, por meio de canalizações e ainda aa construção mecânica de
estradas. Pensou ainda no telégrafo por ar comprimido
e na extracção do hidrogénio da água do mar, feita pelos
navios, que o empregariam como combustível... Falecido o pai, ele, também professsor, reorganizou a escola em bases
novas, pagou as dívidas do seu progenitor e fundou um sistema educativo que tem
muito de comum com as moderníssimas
tendências pedagógicas.
O
seu amor pelo próximo levou-o a organizar uma sociedade
de intelectuais para inventar máquinas úteis à
humanidade.
Secretário
da Associação da Austrália do Sul para a colonização deste país, pôs a
sua energia ao serviço dum plano
colossal de emigração em massa.
Verificou,
nessa ocasião, serem os impostos excessivos
a razão principal que levava os trabalhadores a abandonarem
a sua terra.
De
essas taxas excessivas, a maior era a taxa do correio.
Isso
impressionou-o a tal ponto que em 1835 deixou os
projectos de colonização e abandonou a escola, dedicando-se
à reforma postal que
viria a imortalizar o seu
nome.
Conta-se
numa historia — provavelmente inventada —, mas análoga as historias
verdadeiras já citadas, que Rowland Hill se encontrava de passagem numa pousada
escocesa quando o carteiro entrou e apresentou uma carta a estalajadeira, que a
tomou nas mãos, viu, remirou e devolveu, dizendo:
«Somos
pobres e não podemos pagar os dois xelins e meio do porte dessa carta».
Com
pena da hospedeira, Rowland Hill pagou ao carteiro aquela importância.
A
mulher agradeceu, o carteiro saiu — e a carta ficou, fechada e intacta sobre a
mesa.
Como
visse a estranheza do viajante, a mulher explicou:
«Agradeço
a sua generosidade — mas digo-lhe que o seu dinheiro foi gasto inutilmente. A
minha família vive muito longe daqui. De vez em quando escreve-me. Ora se
quiser ter a bondade de ver o endereço notara que cada linha é escrita por sua
mão — e está aqui a letra de cada um dos meus parentes. Assim, basta-me
olhar para a direcção para saber que todos estão bem e sei as notícias sem
pagar um só dinheiro».
Não
seria esta historia — mas muitas como esta — que levaram Rowland Hill a
pensar na forma de remediar o erro e a concluir que a solução do problema
estava em duas coisas.
l.º
- No pagamento antecipado do porte — para acabar com as burlas.
2.°
- No barateamento e na uniformidade das taaxas
— para provocar, pela grande expansão, a grande receita — e matar o mercado
negro.
Eram,
afinal, as ideias já postas em prática por Dockwra, dois séculos antes, na
cidade de Londres.
A
carta media pagava então ao correio cerca de 9 dinheiros.
Hill
propôs a taxa uniforme de 1 dinheiro, para todo o Reino.
A
redução das receitas afigurava-se drástica — de 88 %; e, embora a ideia
seja corrente em toda a moderna economia industrial — vender barato e muito
— o que e certo e que a maioria dos governantes ingleses entendia dever
acudir-se a crise das finanças postais com um novo agravamento das taxas.
O
povo, evidentemente, aplaudia a ressurreição e alargamento do «Penny-Post»
de Dockwra —mas não gostava de quebrar a tradição do pagamento no fim do
serviço feito. Rowland Hill ganhou a batalha porque a barateza da taxa uniforme
chegou, como ele pensava, para neutralizar a repulsa do povo pelo pagamento
antecipado do porte das cartas.
Para
facilitar o envio da correspondência, Hill propôs que os expedidores mandassem
as suas cartas — «em pequenos sacos chamados envelopes», como ele disse, —
especialmente feitos para esse fim e que seriam postos a venda nas estações.
Neles estaria bem expresso que o porte ficava pago. Qualquer remetente chegava
com a carta, comprava o envelope, onde a metia, fechava-o e escrevia nele a
direcção. E era tudo.
Todavia
casos se podiam dar em que o remetente mandava a carta ao correio por um emissário
analfabeto. Seria então vantajoso — como mero recurso — o emprego de
etiquetas gomadas. Segundo as palavras de Hill: «um pedacito de papel, apenas o
suficiente para se opor ao invólucro, e guarnecido no verso com uma camadinha
gomada que, ligeiramente humedecida, se pudesse aplicar na carta, evitando a
inscrição de novo endereço».
Depois
de grandes discussões foi o plano aprovado pela Rainha Vitoria, que declarou
esperar dele «grandes vantagens sociais e grande progresso» — apesar dele
acabar com todas as inscrições oficiais. A própria Rainha pagaria o porte das
suas cartas.
Com
surpresa dolorosa para Rowland Hill o publico logo nos primeiros dias
ridicularizou e desprezou os envelopes preparados com tanta solicitude e
carinho, com tantos cuidados na apresentação e nos quais o mesmo Hill tinha
fundamentado as suas melhores esperanças.
Em
breve tiveram de ser todos inutilizados. Tinham-se feito tantos que tiveram de
construir-se fornos especiais para a sua cremação...
Pelo
contrario o pequeno ersatz, o pequeno suplente...
o pedacito de papel apenas suficiente para se apor no
verso da carta, etc.... caiu
nas graças do público, entusiasmado pela comodidade que ele lhe trazia e pela
clareza com que ele servia de recibo do porte das suas cartas.
Ninguém,
nem o próprio Rowland Hill poderia sonhar com o esplendoroso futuro daquele
modesto rectângulo de papel, que viria «a ser o mais patente sinal da governação
alguma vez posto nas mãos das gentes» segundo uma conhecida frase.
Dentro
dum pais, o selo do correio é tão popular como o dinheiro. Mas vai mais longe
do que a moeda, porque é universal e viajante, e esta não.
Calcula-se
em mais de 5O biliões o número de selos que circulam anualmente no Mundo. De
entre eles, uns quatrocentos milhões não chegaram ao serviço, seguindo
directamente para os álbuns dos coleccionadores.
Porque,
de todas as variadas fúrias coleccionistas — de obras de arte, de livros, de
relógios, de caixas de fósforos, etc., e até de penas de canário... — a
mais sólida, universal e poderosa — é a Filatelia. Só nos Estados Unidos
— segundo uma emissão radiofónica — computam-se em 12 milhões o número
de coleccionadores de selos que avidamente estudam, trocam, discutem e escrevem.
Curiosa
mudança! No tempo de Rowland Hill recebiam-se mensagens sem pagar as taxas.
Agora muitos milhões de pessoas pagam taxas — sem mandar correspondência.
O
selo tornou-se um veiculo de propaganda turística, política e social. Estas
possibilidades chamaram o interesse especial dos governos que se deram conta da
força publicitaria de que dispunham. A filatelia desenvolve-se em toda a parte
e já não é um capricho ou um passatempo.
Alem
de gostosa distracção para os seus adeptos — é profissão para muitos e
modo de capitalização para alguns. E em certos Estados da América do Norte
constitui um estudo nas escolas primarias.
Justifica-se
assim que na fachada do palácio dos correios de Nova York se possa ler esta
inscrição solene e poética em louvor do selo postal:
—
Emblema de simpatia e Amor
—
Mensageiro dos amigos separados
—
Consolo na solidão
—
Laço de união das famílias dispersas
—
Elemento do progresso humano
—
Veículo do Comercio e da Indústria
—
Anunciador das noticias
—
Promotor da Fraternidade, da paz e da boa vontade entre os homens e as Nações.
Só
tenho a dizer: assim seja.
Rowland
Hill não foi apenas o criador do selo postal — honra que, alias lhe é
contestada por alguns. Foi, também, o autor do desenho do 1.° selo.
Abriu-se
um concurso entre artistas e homens de ciência, para afinação do plano Hill e
escolha de desenho. Apareceram 2.600 planos e 1.000 desenhos.
Hill
não gostou de nenhum; e então esboçou ele mesmo, rapidamente, um projecto que
consistia num perfil da Rainha Vitoria dentro dum enquadramento severo e digno.
Ao alto, a palavra «Postage» — em baixo, a inscrição da taxa.
O projecto, que VV. Ex.as vão agora ver, assinado pelo próprio Rowland Hill, foi aprovado pelo governo (fig. 1).
A
sua execução, confiada ao gravador Corbould — que copiou o perfil da
Soberana duma medalha recém-cunhada em sua honra, deu o famoso «Penny-black»
— por ser negro e custar 1 dinheiro — e que foi o primeiro selo duma
Administração postal que circulou no Mundo, a partir do dia histórico de 1 de
Maio de 1840.
Aqui o temos, num exemplar um pouco defeituoso e manchado (fig. 2).
O
sucesso deste selo foi fulgurante em Inglaterra, como dissemos. As maquinas não
davam vazão, perante a procura enorme.
Mas não foi só inglês o sucesso. Foi universal. O exemplo britânico foi seguido em quase toda a parte — tanto no seu sistema postal como no próprio aspecto do selo — como se vê nos exemplos seguintes, de vários países (fig. 3).
A própria emissão de D. Maria II, de que vamos ver a taxa de 100 reis, linda na sua decoração tão saborosa — é da linhagem do Penny-black (fig. 4).
Ate
o perfil da Rainha foi nitidamente inspirado no perfil da Rainha Vitoria.
Não
é para aqui a evolução detalhada do aspecto artístico do selo e as flutuações
da moda a que teve sempre de sujeitar-se. Foi perdendo a bela serenidade do «Penny-black»
e das suas imitações. Foi-se complicando enchendo-se de laboriosa decoração,
desconexa e inexpressiva, mascarando a sua estrutura como a mais pura colunata
clássica e mudada em caramanchão informe quando invadida pela hera.
Nos
nossos dias reage-se contra esse excesso, para se cair, por vezes noutro — em
efeitos gritantes de cartaz que, apesar da sua simplicidade não tem a calma que
é de desejar num símbolo como este.
Todavia,
especialmente nas republicas sul-americanas ainda se usam modelos daquele género.
Não falemos mais disso.
O
selo do correio é coisa gráfica editorial. É um impresso. Para estudar o seu
fabrico temos de conhecer alguma coisa sobre os processos de gravura e impressão.
O
processo de impressão mais antigo e o da gravura em relevo — chamado processo
tipográfico.
A
gravura é como um carimbo usual; o que imprime, é o que está saliente.
A
gravura faz-se partindo duma superfície lisa (de madeira, metal, borracha,
cortiça, etc.) na qual, por meio dum instrumento cortante — um buril — ou
até um canivete, às vezes — se cava tudo aquilo que não deve imprimir-se,
isto é, tudo aquilo que vai ficar em branco.
Os
traços do desenho são os restos da superfície lisa — que ficaram porque não
foram cortados.
Passa-se
um rolo de borracha com tinta sobre a gravura — ou encosta-se esta a uma
almofada com tinta, como no carimbo.
A
tinta fica depositada nas partes saídas da gravura — e esta fica «atintada».
Assenta-se sobre a gravura atintada um papel, que se prime vigorosamente contra ela — em pressão uniforme e vertical, como numa prensa de copiador. A tinta passa para o papel, que tem mais condições de aderência do que a madeira, o metal, etc. (fig. 5 a).
Temos
assim uma prova, que pode repetir-se um grande numero de vezes, variável
segundo a rijeza do material, a finura dos traços e a pressão empregada.
Como
se vê, repito, o gravador gravou o que ficou em branco.
Se
em vez do buril tivesse um pincel com tinta branca e trabalhasse sobre um papel
escuro, obtinha o mesmo efeito final do desenho, apenas com a diferença de se
apresentar invertido.
É
inútil chamar a atenção de VV. Ex.as para o facto da gravura e da
prova serem sempre invertidas uma em relação à outra — como no carimbo.
Este
processo, que dizem ser de origem oriental é o mais antigo que se conhece. Começou
aparecendo na Europa no séc. XII, em cartas de jogar. Depois apareceram, feitas
nos conventos, imagens de Santos e textos, cujas palavras eram gravadas como
qualquer desenho. Muito mais tarde, no século XVI, Guttemberg usou caracteres
soltos — tipos — e inventou a tipografia. Mas como se vê, a tipografia vem
da gravura — e não a gravura da tipografia — como há quem suponha.
Mas
a todo o processo da gravura em relevo — mesmo que não tenha nenhuma letra e
seja só desenho — se dá o nome de processo tipográfico.
O
processo oposto, em que a gravura é cavada, chama-se o «talhe-doce» — ou intaglio.
Aqui
a chapa e metálica — de aço, cobre ou zinco e é riscada, em sulcos mais ou
menos fundos e segundo os tragos do desenho, por intermédio dum buril que pode
ser análogo a alguns da gravura em relevo.
Atinta-se
a chapa toda, com um rolo carregado de tinta um pouco fluida, que se espalha em
toda a superfície e preenche todos os sulcos.
Depois
limpa-se a chapa, cuja superfície lisa ficou sem tinta. Mas — e isto e que e
o importante, os sulcos retiveram a tinta, ficaram cheios de tinta.
Encosta-se
o papel à chapa; o papel é previamente humedecido para ficar um pouco flexível,
«passento».
É
premido com uma força enorme, por meio da passagem do conjunto chapa e papel
entre dois rolos de ferro muito robustos. O papel penetra ligeiramente nos
sulcos, e a tinta que neles estava vem agora agarrada ao papel, sobre o qual se
apresenta em cordões mais ou menos espessos e altos (fig. 5 b).
Aqui,
o que o gravador gravou fica em negro; enquanto o gravador tipográfico abre os
claros no fundo escuro, o gravador de talhe-doce abre os escuros no fundo claro.
Este
processo foi descoberto em Itália quando os fabricantes de armaduras as
ornamentavam com uma espécie de embutidos, lavrando o metal em sulcos que
preenchiam com um esmalte negro chamado «niello».
Durante
a marcha do trabalho, para melhor aquilatarem do seu curso, esfregavam as chapas
com pó humedecido e que só se fixava nos regos — e encostavam-lhe um papel,
obtendo assim uma prova-guia.
De
aqui veio a ideia da sua utilização para a edição de desenhos.
A
gravura cavada também se faz quimicamente, com muito menos esforço do que por
meio do emprego do buril.
Cobre-se
toda a chapa com um verniz resistente aos ácidos. Desenha-se sobre ela o que se
pretende gravar, com uma agulha fina mas romba, que não penetra no metal e
apenas o põe a descoberto, removendo o verniz por onde ela passa.
Submete-se
a chapa assim preparada à acção directa dum acido (geralmente o ácido azótico
ou agua forte) que vai corroer o metal nas linhas onde ele está a vista —
obtendo-se assim os sulcos necessários a estampagem, como no talhe-doce.
O
traço obtido por este processo, chamado «agua forte» — não tem a mesma
contextura que o traço feito a buril — nem pode competir com ele em nitidez e
pureza. É, pela facilidade e espontaneidade que permite, muito usado na gravura
artística.
Finalmente
há outro processo, não em relevo nem cavado, mas apenas superficial, baseia-se
na impossibilidade de se misturar gordura com a água e consiste no seguinte:
Sobre
uma pedra lisa de certa qualidade calcária que absorve tanto a gordura como a
humidade, (separadas, claros) desenha-se com um lápis gorduroso, o desenho que
se quer reproduzir. A tinta gordurosa do lápis fixou-se bem nos sítios por
onde ele passou. Humedece-se em seguida a pedra. A agua fixa-se em todos os sítios
onde não há gordura.
Passa-se
sobre toda a pedra um rolo com tinta gordurosa. Esta tinta só se fixa onde
encontrou gordura — isto é, nos traços do desenho, e é repelida, em todo o
resto da superfície, pela agua.
Põe-se
sobre a pedra o papel, e comprime-se. No papel vem a tinta, que fica agarrada, e
a água — que se evapora.
Ficou
assim apenas o desenho no papel.
Este
processo chama-se a litografia — o seu nome vem da palavra Litos, que
em grego quer dizer pedra.
Não
nos interessa muito agora.
Além
destes três processos todos de gravura ou desenho manual, há os processos mecânicos
correspondentes:
À
tipografia corresponde a zincogravura e a fotogravura, em que a imagem vem
reproduzida em pequeninos pontos ou em traços contínuos. São assim as
gravuras dos jornais e quase todas as que se vêem nos livros, porque podem ser
impressas ao mesmo tempo que as letras.
Ao
talhe-doce corresponde a rotogravura ou héliogravura.
À
litografia corresponde o processo fotolito, que pode ou não ser impresso
indirectamente, pelo sistema chamado offset. A fotolito impressa em offset
é o processo costumado de reprodução dos nossos bilhetes postais de
boas-festas. Não tem quase nenhum interesse filatélico, como não o tem a
zincogravura ou a fotogravura.
Destes
processos mecânicos apenas a rotogravura tem interesse na edição de selos
postais. Falaremos dela e da razão do seu emprego.
Tanto
a fotogravura tipográfica como a rotogravura (processo cavado) decompõem a
gradação de meias tintas, isto é, os esbatidos, em pequenas superfícies,
obtidas mecanicamente pela interposição de redes transparentes.
O
esbatido na fotogravura (gravura saliente, gráfica) é conseguido por meio de
discos de tamanho variável, mas todos de centros equidistantes, postos nos
cruzamentos duma rectícula normal.
Na
rotogravura — gravura cavada, como o talhe-doce, é o mesmo esbatido alcançado
por meio de cavidades iguais em superfície mas de profundidade variável.
Já
vamos ver uma projecção também esquemática sobre este processo.
A
diferença do resultado entre os dois sistemas é fundamental.
A camada de tinta, na fotogravura — como em toda a gravura tipográfica — é uniforme e delgada, para não «babar». Deste modo nem sempre consegue vencer as asperezas do papel, apresentando a prova um aspecto ruço, proveniente das fibras do papel que não foram completamente tapadas pela tinta (fig. 6 a).
A
rotogravura deposita no papel a tinta em quadradinhos de diferente espessura,
desde as finas dos claros até às grossas dos escuros, em que a tinta vai em
espessura suficiente para tapar as fibras do papel, garantindo assim uma
intensidade de cor que nenhum outro processo mecânico consegue (fig. 6 b).
É
este o processo que se aplicou nas nossas emissões general Carmona e Costumes
Portugueses, II série.
Dá
resultados bonitos e atraentes para o publico, mas tem o grave inconveniente de
ser bem acessível a falsificação, o que não acontece com um bom talhe-doce.
Os
processos mais empregados no fabrico dos selos são os dois primeiros citados e
mais antigos.
—
O processo tipográfico, de resultados precários em geral mas
extraordinariamente económico.
—
E o processo do talhe-doce, mais caro, por isso empregado quase só em emissões
comemorativas — por ser de todos o mais seguro — e o mais belo.
Vamos
agora ver, finalmente, como se faz um selo.
A
emissão duma franquia postal, em primeiro lugar e determinada pelas conveniências
da Administração — visto que, mesmo se for uma obra de Arte, um selo do
correio é sempre e antes de mais nada, um documento postal.
Obtém-se
em seguida o projecto, das mãos de um artista, que deverá seguir as
directrizes técnicas combinadas, para poder explorar os recursos do processo
que vai ser empregado evitando dificuldades inúteis à gravura e à fabricação.
Porque um original para tipografia não é semelhante a um outro para talhe-doce.
Difícil coisa é desenhar um selo. As surpresas são sempre grandes. Um ilustre
pintor holandês, declara ser-lhe mais fácil uma grande pintura decorativa,
numa parede, do que desenhar um selo. Talvez tenha razão. As surpresas aqui são
maiores porque o desenho do artista aparece a publico não directamente vindo
dele, mas passando por outras operações que muitas vezes o falseiam.
Aprovado
o original, é este confiado ao gravador. Feita e aprovada a gravura e esta
entregue ao fabrico, que tem por missão multiplicar as chapas da gravura e
imprimi-la assim repetida, em folhas de cinquenta ou de cem unidades cada uma.
Exemplifiquemos
o fabrico dos dois processos começando, para o processo tipográfico, com o
exemplo dum selo bem conhecido e até já um pouco cansado: o selo da Caravela.
O desenho foi executado a preto e branco, numa escala bastante grande em relação ao tamanho definitivo. Aqui o temos, feito claramente para o processo tipográfico. A sua realização em talhe-doce seria muito mais difícil (fig. 7).
Assim
foi aprovado e entregue à Casa da Moeda que confiou a execução da sua
gravura ao mestre gravador Gustavo de Araújo, o qual a abriu num pequeno rectângulo
de chapa de aço macio, retocando-a sucessivamente e pacientemente ate ela ser
considerada pronta. Leva este trabalho algumas semanas a executar.
A gravura original ficou com o aspecto que vamos ver. Notaremos que não tem nenhuma taxa aberta, porque ela vai servir para todos os valores diferentes (fig. 8).
Esta
gravura é temperada — e o aço adquire uma rijeza enorme.
Ficou
sendo a gravura definitiva. É a matriz.
A chapa temperada imprime-se, como um sinete no lacre, várias vezes sobre cera plombaginada, dando exemplares como este, onde as palavras e o desenho não estão invertidos (fig. 9).
Estas ceras são submetidas a um banho galvanoplástico, que vai depositar na sua superfície uma camada de cobre, a qual reconstitui, com fidelidade matemática, a gravura matriz. Voltamos a ver uma gravura como a inicial, mas de cobre, é o punção (fig. 10).
Neste
punção se abre a taxa que interessa, por exemplo a de l$00.
Volta o punção, agora com a taxa aberta, a ser impresso, como o foi a gravura matriz — nas ceras plombaginadas e voltam a obter-se destas, vários novos punções, em cobre, rigorosamente iguais a gravura matriz, e todos com a taxa aberta de l$00. Montam-se em calços metálicos como VV. Ex.as vão ver (fig. 11).
Agrupam-se
cem destes punções na rama duma máquina tipográfica, como se fossem tipos de
imprensa. Para isso têm a altura dos tipos de imprensa. Com eles se imprimem as
folhas de selos que vêm a publico.
Resta
a gomagem das folhas, a perfuração (picotagem) e a contagem.
O
outro processo — o talhe-doce, parte igualmente dum original que tanto pode
ser um desenho a traço, como um desenho a meia tinta, como uma fotografia.
No
exemplo inédito que vou apresentar, — com a licença de S. Ex.a o
Correio-Mor — seguiu-se, para a obtenção do original um processo inusitado.
Pretendia-se
comemorar o centenário e a canonização de S. João de Brito.
O
mestre escultor Barata Feyo tinha já executado uma estátua admirável
representando aquele Santo.
Foi
ele convidado a executar dois baixos-relevos sobre a mesma gloriosa figura e
daqui vieram dois dos mais belos selos Portugueses — na minha opinião.
Vamos
assistir ao fabrico dum deles.
Apresento a VV. Ex.as o belo baixo-relevo de que se partiu (fig. 12).
Sobre uma fotografia retocada de acordo com o Autor, estabeleceram os serviços artísticos dos CTT o enquadramento literal e o desenho das taxas. Resultou como que um desenho — mas com um aspecto difícil de obter-se apenas pelo desenho. Aqui o temos (fig. 13).
Foi
este o original entregue ao mestre gravador Renato Araújo, do Banco de
Portugal, que abriu cuidadosamente a gravura.
Apresento a VV. Ex.as as mãos do gravador, os buris empregados — e a gravura em curso (fig. 14).
O
trabalho é seguido com uma lente, segura na mão, num suporte, ou presa na
orbita, como a dos relojoeiros.
Sucessivas provas foram presentes ao Artista-autor e aos serviços e pouco a pouco as emendas eram notadas como se vê (fig. 15).
Iam sendo pacientemente corrigidas e a gravura seguindo. Até que uma prova final foi dada como boa. Hei-la: (fig. 16).
Devo
dizer que a prova era a negro e a gravura foi pensada para outra cor, o aspecto
real tem uma macieza bem diferente do que aqui se vê.
E aqui temos o aspecto final da gravura (fig. 17).
Aprovada
a gravura, com uma das taxas, foi ela temperada.
Entra-se
a seguir no fabrico, que está sendo feito nas oficinas do Banco de Portugal.
É
possível — e há quem o use — na reprodução do talhe-doce, o processo da
galvanoplastia. Aqui foi em todo o caso, seguido o processo «transfer»
— o velho processo Perkins, já usado no «Penny black» há 107
anos e que é ainda o mais perfeito.
Consiste
no seguinte.
Sobre
a gravura da chapa temperada obriga-se a passar, em movimento de vaivém e sob
uma pressão tremenda um rolo de aço macio; a gravura vai-se marcar no aço do
rolo, agora com os tragos em relevo, pela insistência e pela pressão,
visto ser muito mais duro o aço da chapa temperada do que o aço do rolo.
Vão VV. Ex.as ver o aspecto do rolo «transfer» sobre a chapa — evidentemente sem a máquina que permite a pressão indispensável. Grava-se assim o rolo em quatro lugares (fig. 18).
Cabe agora ao rolo a vez de ser temperado e tornado assim muito duro, e aplicado na mesma máquina e volta a sofrer o mesmo movimento de vaivém, lento e poderoso de pressão, em cima duma chapa de aço macio, onde, como um pneu de automóvel em lama consistente, vai marcando o seu desenho, reconstituindo a gravura inicial (fig. 19).
Esta operação repete-se cinquenta ou cem vezes, cobrindo regularmente a chapa com cinquenta ou cem gravuras em tudo análogas à matriz. Aqui temos a chapa (fig. 20).
A
chapa é então temperada. Está pronta para a estampagem.
É
atintada na máquina, limpa mecanicamente com papel ou pano (de modo a deixar só
a tinta nos sulcos gravados) e obrigada, já na companhia do papel, a passar
entre dois poderosos rolos de aço.
O papel levanta-se e nele vem a estampagem dos selos (fig. 21).
Resta
a picotagem. Não a gomagem porque o papel aqui já vai gomado para a máquina.
Antes
do rolo temperado, o gravador raspou a taxa numa das impressões da matriz, o
que é «relativamente» fácil por estar nessa altura a taxa em relevo.
Depois
do rolo temperado essa impressão emendada dá, numa chapinha de aço, origem à
nova matriz, digamos, mas sem taxa, onde o gravador abre uma nova taxa.
E
o fabrico desta nova taxa e em tudo idêntico ao que foi dito.
Não
há nenhum sistema gráfico que possa ombrear com este, não só pela
pureza do trago que só o buril permite — como pela espessura dos cordões de
tinta, que dão um brilho e uma vivacidade únicos a este processo.
Comparemos,
em ampliação, os resultados. Veja-mos um bocado do selo da Caravela, aliás
bem impresso, com um bocado do selo de S. João de Brito posto a seu
lado. Ao granulado pobre da impressão daquele contrapõe-se a pureza, o vigor e
a intenção do traço, encordoado e forte, estampado neste (fig. 22).
O
processo do talhe-doce é o processo aristocrático. O processo tipográfico —
um processo comercial e económico, capaz, todavia, de atingir, quando bem
feito, um nível muito elevado. Os seus recursos são, porém, mais limitados do
que os do talhe-doce. Veja-se o que aconteceu com o selo da Escola Naval,
desenhado para o processo, nas condições devidas e exemplarmente gravado, mas
que foi pessimamente impresso por deficiência evidente da tinta. Não nos esqueçamos
que a impressão se fez durante a guerra, com uma dificuldade enorme de
materiais.
Foi
preciso forçar a tinta: esta babou e alagou todos os sítios onde estava.
Aqui temos o resultado dessa tinta infeliz — a única, parece, que se podia conseguir então (fig. 23).
Compare-se
o desenho com o resultado final: as letras da palavra Talant — muito
mais largas, vencendo o branco em volta: as letras de Escola Naval, muito
mais estreitas, vencidas pela tinta em redor.
De aqui uma irreparável perda de luminosidade e de contraste.
Na
emissão agora saída, da Tomada de Lisboa, a surpresa foi também da
estampagem, que a casa fabricante não conseguiu manter ao nível que prometera.
O sacrifício não é na nitidez da gravura — mas na intensidade de cor —
muito fraca para o pensado e prometido.
Mostrarei ainda a VV. Ex.as uma ampliação de parte dum selo em rotogravura do general Carmona com uma parte doutro em talhe-doce, da colecção dos Castelos, ambos do mesmo fabricante (fig. 24).
Enquanto
que neste, que não é, alias, uma estampagem tão boa como a do Banco de
Portugal — em pormenor, não digo em regularidade — enquanto que neste, como
VV. Ex.as vêem se mantém nítida a frescura e a vivacidade do
desenho de Cottinelli Telmo, naquele tudo está submerso num amolecimento que o
retoque não consegue animar. Salva-se pela cor brilhante, que seduz a vista
desprevenida. Mas está bem longe de poder manter bem, como este através das
mudanças de apreciação, as razões duma justa preferencia.
Vou
terminar dizendo que as emissões portuguesas se têm acreditado ultimamente nas
terras estrangeiras.
As
publicações da especialidade elogiam-nas com frequência.
Uma
revista inglesa apontava recentemente o nosso exemplo ao seu governo. Ainda há
pouco, em Paris, no último Congresso Postal, o sr. Administrador Duarte
Calheiros foi cordialmente felicitado por todos os seus colegas, especialmente
por alguns que consideravam os nossos selos os melhores ali apresentados.
Continuaremos
todos a trabalhar nesse sentido, evidentemente. Devemos estar gratos aos serviços
da Casa da Moeda e aos do Banco de Portugal que têm colaborado connosco, e com
o maior desinteresse e o maior entusiasmo. E devemos também esperar que novas
emissões, confiadas a alguns dos mais altos e mais cultos espíritos de
Artistas da nossa terra venham a aumentar os nossos créditos. Não poderíamos
esperar outra coisa dos nomes consagrados do arquitecto Cottinelli Telmo, dos
mestres escultores Leopoldo de Almeida e Barata Feyo e de pintores desenhadores
como António Lino, Pedro Guedes, Duarte de Almeida e Costa Pinto.
É,
na verdade, muito grande o pequenino selo postal português; e servi-lo bem é
também uma maneira de servir a nossa Terra.
Tenho
dito.
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