Escalando na Catedral

Cathedral Peak Esta é a primeira vez que venho à igreja na Califórnia -- teria dito John Muir quando conquistou, no século XIX, a primeira via de acesso ao Cathedral Peak. Situada na parte alta do parque nacional Yosemite, essa montanha de pedra tem um formato peculiar. O cume, a 3.400 metros de altitude, fica no topo de um grande cone rochoso. Do lado norte desse cone, sai uma alta crista ladeada por paredões e rampas de pedras soltas, que se estende horizontalmente por centenas de metros antes de perder altitude. Perto do cume, há uma série de agulhas bem verticais, das quais a maior é a agulha Eichorn, encastelada na aresta Norte. Quando Bel Prado e eu fomos passar as férias na Califórnia, em setembro de 1996, Cathedral Peak era uma das escaladas em nosso roteiro. A idéia era subir o pilar Sudeste, descrito por várias pessoas como uma ascensão bonita e sem grandes dificuldades. A via está listada no catálogo de escaladas alpinas da Sierra Nevada, onde um croquis sem muitos detalhes dá uma vaga idéia de por onde se sobe. Foi conquistada em 1945 por Chuck Wilts e Spencer Austin. As variantes mais populares têm graduações de III 5.6 ou 5.7 PG (equivalente ao 4º grau brasileiro), totalizando sete enfiadas de corda.

No dia marcado para a escalada, saímos do nosso acampamento em Tuolumne Meadows de madrugada, ainda no escuro, com uma temperatura ambiente próxima de zero grau. Estacionamos o carro no início da trilha que leva aos Cathedral Lakes, ao lado da Tioga Road. Com o dia já começando a clarear, seguimos por essa trilha, muito larga e transitada, até um ponto onde uma picada não sinalizada deriva para Sudeste, em direção ao Budd Lake. Essa picada prossegue ao longo de um riacho, subindo sempre. O caminho é belíssimo, por entre pinheirais e afloramentos rochosos de vegetação esparsa. O riacho forma pequenos canyons que, em alguns pontos, precisam ser transpostos. Conforme ganhávamos altitude, iam aparecendo, à nossa frente, as montanhas da Cathedral Range com belos paredões rochosos e algumas manchas de neve. Atrás de nós, ao norte, víamos a crista da Sierra Nevada com o monte Conness dominando a paisagem. Aos pés dele, os capinzais e pinheirais que ladeiam o rio Tuolumne nessa região.

Bel no Cathedral Peak - 1 Aos poucos, íamos conseguindo ver melhor o nosso objetivo, o pilar Sudeste, projetando-se do Cathedral Peak em direção ao Budd Lake. Depois de uma pausa para o primeiro lanche do dia, uma travessia sem trilha pelo meio do pinheiral nos levou às rampas de pedra solta. Por cima delas, chegamos à base do paredão. Acima das nossas cabeças, havia um mar de fissuras escaláveis. Entendi, então, por que o catálogo não dava muitos detalhes sobre a via -- as opções são muitas e cada cordada pode escolher o caminho que achar mais atraente. Bel e eu optamos por um sistema de fendas um pouco à direita do que parecia ser a via mais transitada. Nos encordamos, vestimos as sapatilhas e, com o sol já bem alto, começamos a escalada. Iniciei subindo uma fenda bastante agradável. A via não possui nenhum grampo, mas a rocha é sólida e oferece ótimas fendas para a colocação de proteção móvel. Trinta metros acima, cheguei a um teto que era bem visível da base. Embaixo dele, atravessei dez metros para a esquerda rumo a outro sistema de fendas, por onde escalei mais dez metros até um pequeno patamar onde montei a primeira parada.

Variantes e mais Variantes

Bel no Cathedral Peak - 2 Continuamos por uma sucessão de fendas largas, diretamente para cima, até um patamar com um arbusto, onde fiz a segunda parada. O visual, nesse ponto, é espetacular. O Budd Lake aparece abaixo, refletindo a luz do sol, emoldurado pela Cathedral Range com suas manchas de neve. Mais a nordeste, começa a ficar visível o mais alto dos Cathedral Lakes. Continuei seguindo o caminho natural das fendas, até chegar a um grande patamar onde atravessei para a esquerda. O croquis indicava uma chaminé acima, mas preferi evitá-la seguindo mais ainda para a esquerda, em busca de uma variante em fissuras. Fiz a terceira parada no topo de uma canaleta onde havia dois grampos velhos que eu não cheguei a usar. Preferi confiar nos meus nuts e Camalots. Na quarta enfiada, seguimos por uma bela fenda de oposição até um conjunto de blocos que proporcionaram uma escalada muito divertida. Há muitas variantes nesse trecho, o que me fez sentir-me quase como o conquistador da via. Não era possível ver o que havia acima, de modo que era sempre uma surpresa procurar pelo melhor caminho para prosseguir. Fiz a quarta parada num grande patamar e fiquei apreciando a paisagem enquanto dava segurança para a Bel.

Nesse patamar, espaçoso o bastante para meia dúzia de pessoas bivacar, encontramos um nut caído no chão. Bel recolheu o nut, que ela traria para o Brasil como souvenir. Chamou-me a atenção a grande quantidade de material abandonado nas vias. Naquele mesmo dia, no início da primeira enfiada, eu já havia passado por um Tri-Cam preso dentro de uma fenda. Tentei tirá-lo com o saca-nuts mas o dispositivo parecia irremediavelmente perdido. Enquanto estávamos no patamar, ouvimos algumas vozes distantes abaixo. Havia outros escaladores nos seguindo, mas eles optaram pela variante da chaminé. A parede acima era bem vertical, mas, como de hábito, tinha boas fendas. Subi por ela até um patamar exposto, de onde, pela primeira vez durante a escalada, pude avistar o cume. Foi impressionante a visão das agulhas na parte norte da montanha, com a Eichorn dominando o cenário. Depois de estudar o caminho acima, armei a quinta parada lá mesmo. Quando Bel chegou, desci alguns metros rumo a um patamar mais abaixo, ao norte, e subi por um sistema de fendas até o pequeno cume.

Seguindo os Passos de John Muir

Agulha Eichorn Assinamos o livro de cume, comemos e fizemos algumas fotos. O vento estava bem forte e o sol já começava a declinar no horizonte, projetando seus raios nos Cathedral Lakes. O visual do cume é lindíssimo, mas nós sentíamos muito frio, o que nos fez começar a descida rapidamente. Como não havia uma boa ancoragem de rapel, preferimos desescalar pelas fendas. Nesse primeiro trecho, utilizamos segurança com corda, até até chegar ao patamar na base da sexta enfiada. Lá, cruzamos com os outros escaladores em seu caminho rumo ao cume. Eles nos indicaram a melhor rota de descida, pelo lado oposto àquele por onde havíamos subido. Enrolamos a corda e continuamos desescalando pelos trepa-pedras no lado oeste da montanha enquanto o sol se punha a noroeste. Estávamos percorrendo o mesmo caminho feito por Muir um século atrás. Muir -- aventureiro e defensor da natureza que inspirou várias gerações de americanos -- fez essa conquista sozinho e sem corda. O caminho exige cuidados. Segue em zigzag, para Oeste e depois para o Norte, contornando a base da agulha Eichorn. O zigzag continua por lajes inclinadas, até atingir as rampas de pedra solta existentes também nesse lado da montanha.

A partir daí, trechos de rocha sólida se alternam com trechos soltos, até que a descida começa a ficar menos íngreme e um cinturão de capim dá acesso ao pinheiral abaixo. Já estava escuro quando chegamos lá, iluminando o caminho com nossas lanternas de testa. Eu havia deixado a bússola no acampamento, um erro grave para quem teria que caminhar à noite por um pinheiral sem trilha. No horizonte, víamos o vulto de dois picos que eu escolhi como alvos. O objetivo era descer sempre, rumo oeste, até cruzar com a trilha que leva aos Cathedral Lakes, ao sul, e ao nosso carro, ao norte. Já havíamos tido um encontro com um urso em Kings Canyon e, por isso, a idéia de caminhar à noite pelo bosque nos dava um certo medo. Mesmo assim, procurando caminho na escuridão, em meia hora chegamos à trilha. Mais um hora e meia de caminhada -- que parecia interminável por causa do nosso cansaço - nos levou ao carro. Outros quinze minutos de estrada e estávamos de volta ao conforto da nossa barraca em Tuolumne Meadows, ao calor dos agasalhos e à nossa comida, cuidadosamente guardada numa caixa de proteção contra ursos. Foi um belo e longo dia -- um dos melhores de toda a nossa viagem de férias.

Maurício Grego -- São Paulo, 12 de Fevereiro de 1997


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© - O texto e as fotos desta página são da autoria de Maurício Grego. Página atualizada em 10/abr/97.