ATUALIDADES
A CASA DE SAUD PRÓXIMA DO COLAPSO
Estados Unidos e Inglaterra apóiam a moderna Arábia Saudita com o objetivo de garantir o fluxo constante do petróleo. A guerra contra o terrorismo pode acabar com isto.
(*) David Leigh e Richard Norton-Taylor
Enquanto todos celebravam a queda de Cabul e a retirada dos soldados do Taleban e da
Al-Qaida, o humor em outras partes da Casa Branca era muito mais sombrio. Porque antigos
conselheiros ministeriais sabem que o verdadeiro câncer do Oriente Médio não é o
Afeganistão e sim a Arábia Saudita.
Cresce o temor de que aquele importante mas
anacrônico país, que gerou Osama bin Laden e muitos dos sequestradores do dia 11 de
setembro, enfrente a perspectiva de um golpe de estado. "Os regentes sauditas
alimentaram os terroristas com recursos durante um longo período", diz uma
importante fonte. "Existe o perigo de que aqueles que estudaram nas faculdades
americanas, que não conseguem arrumar emprego, retornem e se juntem à população dos
mercados em uma causa comum e os destitua."
Esta semana, os jornais, inclusive o Economist e a revista Time, publicaram
anúncios extensos e lisonjeiros colocados pelo regime saudita - em um claro
indicativo da preocupação com o futuro, e também com a repercursão negativa de suas
antigas ligações com Osama bin Laden e o Taleban.
A moderna Arábia Saudita é, até certo ponto, uma criação pervertida da América e de sua aliada, a Inglaterra. Henry Kissinger, o ex-secretário de Defesa, em seu recente livro disse que a política externa americana tinha uma abordagem fundamentalmente manipuladora nos estados do Oriente Médio, tais como a Arábia Saudita. Os Estados Unidos, diz ele, não podem permitir que a região seja dominada por "países cujos objetivos sejam hostis aos nossos". Sua "perspectiva" econômica tem sido a de sustentar um regime que possa garantir um fluxo estável de petróleo para os Estados Unidos, a um custo relativamente baixo e que recicle seus petrodólares no ocidente em projetos de construção e compras de armas.
Os sauditas controlam 25% das reservas mundiais de petróleo. Os Estados Unidos pagaram à família real mais de US$ 100 bilhões por ano.
O primeiro ataque ao WTC, em Nova York,
aconteceu em 1993: Osama bin Laden estava no exílio em Cartum, ruminando sua raiva contra
a família real saudita e as bases americanas que ela tinha permitido construir em solo
saudita. Na Inglaterra, o governo de então estava mais interessado nas oportunidades
financeiras do que no registro daqueles sinais sinistros e na reavaliação de suas
relações com um mundo muçulmano frustrado.
O serviço de inteligência britânico circulava de John Major até o aliado rei Fahd, em
Riad, para ajudar a mantê-lo no trono, em troca de vendas de armas mais lucrativas: a
famosa negociação das armas Al Yamamah já estava transferindo para os bolsos
britânicos $1.5 bilhão ao ano.
O clã Saud - atualmente estimado em mais de 7.000 privilegiados membros - ainda luta pelo poder absoluto. No entanto, muito de sua riqueza proveniente do petróleo foi desperdiçada e o desemprego entre os jovens sauditas está crescendo. A renda per capita no início dos anos 80 era de $28.000. Hoje está abaixo de $10.000.
O clã ditatorial dos Saud se define como "os guardiães dos dois lugares sagrados" e administra as grandes peregrinações anuais a Meca. Eles derramaram dinheiro vivo na Universidade Islâmica de Medina e escolas assemelhadas por todo o mundo muçulmano, do Cairo a Peshawar.
A religião anti-modernista que eles promoveram tornou-se o alvo da culpa e do ódio entre os rapazes frustrados com a "corrupção" moderna e privados não só de vida social normal mas também de todos os resultados políticos democráticos.
Em 1979, 200 fundamentalistas armados, muitos dos quais tinham estudado o Islam em Medina, ocuparam a grande mesquita de Meca. Mas, 63 dos líderes foram decapitados publicamente e as sementes da revolta rapidamente levaram à repressão. Sahid Covadia, que agora é professor nos Estados Unidos, estudou em Medina. Diz ele: "Aquele incidente foi o marco decisivo. Quando eu estava lá, não podíamos nos mover sem permissão. Era como viver em um estado policial. As pessoas chegavam até a checar sua cama para ver se você tinha feito a prece da manhã."
Naquele mesmo ano, os soldados soviéticos tinham ocupado as estradas montanhosas do Afeganistão para amparar um regime pró-comunista enfraquecido. A CIA tinha minado veladamente o governo afegão, armando fundamentalistas rebeldes - os mujahidin. Em Washington, Zbigniew Brzezinski, conselheiro do presidente Carter, estava contente porque os russos tinham caído no que ele via como sua armadilha mais inteligente. No dia em que o exército soviético cruzou a fronteira ele escreveu a Carter dizendo: "Agora temos a oportunidade de dar à Rússia a sua guerra do Vietnã.
O jovem Bin Laden, filho de um poderoso magnata da construção, se juntou à campanha anti-soviética. Ele partiu de Peshawar, como o mais famoso de um contingente saudita de cidadãos pobres, estudantes, motoristas de táxi e beduínos.
Para o regime saudita era uma saída para um fanatismo não menos perigoso. Para os Estados Unidos, os árabes afegãos eram soldados úteis na guerra fria. Como o próprio Bin Laden mais tarde descreveria: "As armas eram fornecidas pelos americanos, o dinheiro pelos sauditas."
A realeza saudita ou os Estados Unidos tiveram algum escrúpulo em armar e brutalizar esses jovens fundamentalistas frustrados? Brzezinski tinha sua resposta para esta questão. "O que é mais importante para a história mundial: o Taleban ou o colapso do império soviético? Alguns alguns muçulmanos sublevados ou a libertação da Europa central e o fim da guerra fria?"
Hoje, o ocidente já não está tão satisfeito com essa interferência. Está começando a perceber que os "muçulmanos sublevados" podem não ter terminado sua revolta.
The Guardian - 21/11/01
(*) David Leigh é editor de investigações do The Guardian. Richard
Norton-Taylor é editor de assuntos de segurança e podem ser encontrados em david.leigh@guardian.co.uk e richard.norton-taylor@
guardian.co.uk