ATUALIDADES
Os palestinos constróem barricadas de areia enquanto,mais uma vez, Israel desafia Bush.
Robert Fisk, em Gaza, 27/04/2002
"Eles estão chegando". Isto é o que mais se ouve em Gaza. Os israelenses estão chegando. Mas as barricadas de areia são patéticas. Até 1 milha de Erez, o ponto de "cruzamento seguro", construído durante os primeiros dias do louco sonho de Oslo, o melhor que as legiões de Iasser Arafat conseguem fazer é levantar uma muralha de alguns metros de terra e sacos de areia, com um intervalo de 4 metros para a passagem dos carros da região - e para os tanques israelenses Merkava, quando Ariel Sharon decidir entrar em Gaza.
Mas os policiais continuam no inútil trabalho de fazer passar os carros puxados a burro nos sinais de trânsito e os guardas da Autoridade Palestina, com seus rifles Kalashnikov, dormem na guaritas de lata, prontos para a segunda parte da Guerra contra o Terror de Sharon.
O mais estranho é que se o primeiro-ministro israelense quisesse realmente desmantelar a "rede de terror" de que tanto fala, Gaza - o único lugar que o exército israelense ainda não ousou reocupar - deveria ter sido seu primeiro objetivo. Porque aqui existem muitas milícias, palestinos que sabem como destruir tanques Merkava, que podem fabricar foguetes e morteiros de curto alcance e conhecem os princípios das armadilhas perigosas melhor do que os atiradores do campo de refugiados de Jenin. Conforme alguém ontem em Gaza disse: "Este lugar é minado".
De certo que a população está se preparando para o pior. Os bancos falam de retiradas maciças. Os grupos de direitos humanos estão duplicando seus arquivos. Todo mundo sabe o que aconteceu com os bancos de dados computadorizados dos ministros palestinos em Ramallah, Nablus e Jenin; foram roubados pelos soldados israelenses porque, nas palavras de um oficial israelense, "os documentos têm uma grande importância".
Mas, esta é a "Palestina". "Eles dizem que copiaram todos os documentos", disse um funcionário da Human Rights. "Mas, acho que eles não acabaram de passar para CD todos os arquivos de nosso escritório e o nosso banco de dados é muito grande para ser fotocopiado agora."
No entanto, existe uma terrível determinação de aceitar o futuro. Raja Sourani, uma advogada de direitos humanos com a mais eloqüente - até pessimista - visão das próximas semanas - ou dias - não tem muitas ilusões." Acho que será sombrio, negro e sangrento e posso ver que o sangue que será derramado será de israelenses e de palestinos igualmente." Os palestinos não querem mais ser as vítimas boazinhas. Eles não têm nada a perder.
"Os israelenses abriram a Caixa de Pandora. Nunca em minha vida senti nosso moral e nossa determinação tão elevados como agora. Estou muito orgulhosa - e estou assustada até a morte."
Assim são as mulheres de Gaza. Muitas estão enterrando suas jóias nos jardins e quintais. "Ouvimos falar do que aconteceu com as mulheres de Ramallah, que tinham milhares de dólares em jóias e foram roubadas pelos soldados israelenses que entraram em suas casas", disse uma mulher de classe média de Gaza, sem qualquer emoção. "Um amigo meu de Ramalhah escondeu milhares de dólares em uma grande tigela de arroz quando os israelenses chegaram para se apossar de sua casa. Ele avaliou que perderia o dinheiro quando fosse investigado. Mas, quando ele voltou, o arroz estava derramado e o dinheiro tinha sumido."
Os grafites previnem sobre a reocupação. Uma granada de mão no muro, um desenho de uma bomba em outro, prevêem o destino dos moradores. As casas em que entrei estão abastecidas com água, alimentos, cobertores, em alguns casos, com sacos de areia. Enquanto o mar se agitava na praia de Gaza na tarde abafada, alguns barcos de pesca deslizavam sobre a água. Mas, a pesca não conta muito quando cortes de energia de 4 horas - sem qualquer aviso prévio, como de costume, pela corrupta Autoridade Palestina - interrompem o funcionamento de geladeiras e refrigeradores.
Conforme um militante palestino observou - quão facilmente uma pessoa cai nestas categorias para evitar identificar alguém que logo poderá estar na prisão - um ataque israelense é "tão certo quanto eu estou vendo você". Era uma questão de tempo, disse ele. "Não confio nas notícias árabes. Ouço as notícias em hebraico de Israel. Gaza estabelece o tom de lá - os israelenses não podem completar seus objetivos sem Gaza. É aqui que a história da Palestina foi decidida nos últimos 54 anos."
Verdade, até certo ponto. O Conselho Nacional Palestino primeiro proclamou a independência palestina em Gaza, em 01/10/48, adotando, como bandeira, o antigo estandarte verde, branco, preto e vermelho da Revolta Árabe. Mas, em seguida, a Faixa de Gaza se transformou numa favela nas costas do Egito enquanto a Câmara Municipal de Hebron cedia a Margem Ocidental para a monarquia jordaniana, numa cerimônia em Jericó. Se Gaza for o último pedaço da "Palestina" não ocupado, então é um excremento.
"Acho que tudo depende de três coisas", disse Sourani. O que vai acontecer em Washington, até que ponto os europeus se envolverão no processo e quando algum acontecimento dramático acontecerá de verdade contra os israelenses que lhes dê a desculpa para se virem. Sei tudo sobre o chamado 'saque e destruição injustificável' da Cisjordânia. Não é novo para nós. Lidamos com centenas de casos iguais a este no passado e vencemos alguns casos de saque contra o exército israelense nas cortes de Israel."
Sourani completou a duplicação de todos os seus registros sobre direitos humanos. "E quando os israelenses chegarem, continuaremos aqui trabalhando pelos direitos humanos. Não seremos dominados pelo pânico ou pela paranóia. Aprendemos algo com a ocupação israelense no passado: ser profissional e estratégico. Eles fortaleceram nossos ossos."
Nos próximos dias - ou semanas - as palavras de Sourani poderão ser checadas.
Publicado no Independent, em 27/04/2002