ATUALIDADES
A INTIFADA
Por Dr. Firoz Osman
A atual intifada decorre da desilução com os
desacreditados acordos de Oslo e da percepção da intransigência dos israelenses que
relutam em conceder aos palestinos nem que seja o equivalente a um Bantustão deformado. A
disposição provocadora indica que é melhor morrer com uma pedra na mão do que
permanecer de joelhos por mais 50 anos. Os mais de 180 mortos e os 6.000 feridos são o
testemunho do trágico sacrifício feito principalmente pelos jovens. E, no entanto, para
muitos distantes dos campos de refugiados, observar a mortandade diária - atirando
crianças contra um poder militar brutal, faz a intifada parecer uma
loucura, um exercício incompreensível e inútil.
Quem quer que tenha visitado um acampamento palestino jamais se esquecerá das coisas que
viu ou do desespero que sentiu: 'barracos miseráveis", tetos de lata ou de ferro
canelado, presos com pedras para fixá-los, paredes de alumínio comprimido, umas poucas
plantas crescendo em latas enferrujadas, nuvens de moscas, o mau cheiro de animais e dos
excrementos, as longas filas de mulheres à procura de arroz ou querosene, ou farinha;
acima de tudo, o rosto dessas mulheres, gasto e de expressão vazia, exaustas de
carregarem água e fardos pesados por anos a fio, crianças de olhos grandes e
sujos, homens que empurram um passado sombriamente, sem dizer nada. Sim! É Langa,
Wintervel, Soweto, Gugulethu ou coisa pior.
A vida de um refugiado palestino significa uma vida de perpétua degradação. Vocè
é forçado a viver em cômodos estreitos, com tetos furados, divididos por caixas de
cartolina. Em cada um, vive uma família, não importa de quantas pessoas. Em alguns casos
as pessoas moram agrupadas no mesmo cômodo há 15 anos. Para as crianças subnutridas
não há lugar para brincar, para os homens não há emprego. Para os agricultores que uma
vez trabalharam sua própria terra é uma escolha entre o desemprego ou a compra de um
bilhete de loteria; as mulheres esperam em filas implorando por um punhado de arroz e
açúcar e as crianças descalças tentam vender chicletes aos motoristas que passam.
Crescer nesse ambiente desolador e inseguro, vivenciar a
intensa humilhação da constante interferência de uma força policial alienígena e
inclemente em seu próprio território, é o que a maior parte dos negros sul-africanos
compreendem bem. É esta ignomínia que levou ao levante espontâneo de Soweto em 1976 e
que finalmente se espalhou pelo resto do país. Nós, aqui na África do Sul, estamos
agora colhendo os frutos, devido ao sacrifício feito pelos jovens há 24 anos atrás.
Da mesma forma que o levante de Soweto abalou os fundamentos do estado do apartheid, a intifada
fez o estado sionista, racista e opressor perceber que os palestinos alcançaram um
limite, além do qual eles não mais querem tolerar a ocupação terrível. Dezembro de
1987, foi o ponto decisivo, quando o medo foi proibido, as pedras foram levantas e um
sentimento de irreversibilidade se espalhou. Dali em diante, não haveria mais volta, a
independência política tinha que ser declarada e o sacrifício tinha que ser feito.
Os ocupantes israelenses reagiram com uma ferocidade incomparável. O efetivo das tropas aumentou para 180.000 em Gaza e na Cisjordânia. Centenas de crianças foram mortas, milhares feridas e outros tantos internados. Os palestinos foram presos, deportados, expropriados de suas terras, sofreram punições coletivas, tiveram suas casas demolidas, toque de recolher e expedições militares. No entanto, o êxito da intifada foi sem precedente e de grande alcance. Visto que os protestos contra os ocupantes eram esporádicos e geográfica e socialmente limitados, convocações para o ataque após a Intifada surgiram por todos os territórios ocupados. A luta pela libertação foi transferida dos países árabes vizinhos para a Palestina ocupada, diminuindo, assim, a influência dos líderes árabes corruptos e servis. Colaboradores das forças de ocupação foram cerceados e aos poucos tornaram-se inúteis porque todo o povo dos territórios ocupados juntou-se como um bloco em oposição à ocupação.
O Islam tornou-se o grito de liberdade. Os muçulmanos nos territórios ocupados assumiram a liderança. Um novo conjunto de instituições surgiu e nos setores da saúde, educação, alimento e suprimento de água e agricultura, elas forneceram uma organização social alternativa àquela do regime de ocupação. O Hamas tornou-se a força principal e considerou a intifada como uma etapa na resistência continuada contra a ocupação israelense e como uma expressão de rejeição à hegemonia da ocupação e à injustiça.
A intifada teve um efeito destruidor sobre a economia, o exército, a política e a psicologia de Israel. Ataques, agitação, boicotes e recusa do pagamento de taxas custaram milhões de dólares a Israel. Perda no turismo, nas exportações, escassez de trabalho e perdas na produção faziam parte dos problemas. A emigração aumentou. O gasto militar cresceu. Soldados que antes se movimentavam livremente nos territórios ocupados, agora tinham medo de se aventurar neles. O suicídio entre os soldados cresceu absurdamente. A arrogância foi substituída pelo medo e o mito da invencibilidade foi destruído. A rede de inteligência israelense entre os palestinos foi destruída, tornando impossível para Israel impor o controle completo ou restabelecer a lei e a ordem.
Estes fatores, entre outros, e a recusa dos palestinos de parar a intifada convenceram o governo israelense da inutilidade da destruição continuada. Foi isto que abriu o caminho para os Acordos de Oslo. Agora, até isso foi mandado para o lixo. Os palestinos rejeitam a dupla ocupação, a de Arafat e a de Israel.
Sem dúvida que Arafat será convocado por seus padrinhos sionistas e americanos para preparar um outro acordo decepcionante. No entanto, existe um sentimento de que, assim como o levante de Soweto levou a uma África do Sul unificada, democrática e não racial para toda a população, a intifada levará a uma Palestina unificada e democrática para toda a sua população, muçulmanos, judeus e cristãos.
Dr. Osman é secretário da Media Review Network, que é um
escritório de advocacia em Pretória, África do Sul.