ATUALIDADES
O FIM DE OSLO
Por Edward Said
Errado desde o início, o processo paz de Oslo entrou em sua fase terminal de confrontação violenta, com a repressão isralense inteiramente desproporcional, com a revolta palestina disseminada e grande perda de vidas, principalmente de palestinos. A visita de Ariel Sharon a Haram al-Sharif, no dia 28 de setembro, não aconteceu sem o consentimento de Ehud Barak. Como é que Sharon apareceu por lá escoltado por pelo menos mil soldados? O índice de aprovação de Barak subiu de 20% para 50% depois da visita, e o palco parece montado para um governo de unidade nacional, pronto para ser ainda mais violento e repressivo.
Os sinais da desordem, no entanto, estavam lá desde o
início de 1993, conforme observei claramente no The Nation (20/09/93). Os líderes do
Likud e do Partido Trabalhista tão pouco fizeram segredo do fato de que Oslo estava
projetado para segregar os palestinos em enclaves descontínuos, inviáveis
economicamente, rodeados por fronteiras controladas pelos israelenses, com acampamentos e
estradas miliares entre eles e, principalmente, que violam a integridade do território.
As expropriações e as demolições de casas prosseguiram inexoravelmente durante as
administrações de Rabin, Peres, Netanyahu e Barak, juntamente com a expansão e
multiplicação de acampamentos (que trouxeram 200.000 judeus israelenses para Jerusalém,
e mais 200.000 para Gaza e Cisjordânia), a ocupação militar continuando e cada
passo mínimo tomado em direção à soberania palestina, inclusive acordos de retirada
por etapas, sendo retardados ou cancelados, conforme a vontade de Israel.
Este método foi política e estrategicamente absurdo. Jerusalém oriental ocupada foi
colocada fora das fronteiras por uma campanha israelense belicosa, para decretar a cidade
dividida fora dos limites dos palestinos da Cisjordânia e de Gaza,com a finalidade de
reivindicá-la como a "eterna e indivisível capital" de Israel. Os quatro
milhões de refugiados palestinos - agora o maior grupo de refugiados existente - foram
informados de que esquecessem do retorno ou de qualquer compensação. Com seu próprio
regime corrupto e repressivo apoiado tanto pelo Mossad de Israel quanto pela CIA, Iasser
Arafat continuou a confiar na mediação americana, ainda que a equipe de negociadores
fosse dominada pelo lobby de ex-oficiais e de um presidente, cujas idéias sobre o Oriente
Médio mostravam a falta de entendimento do mundo árabe-islâmico. Submissos, mas
isolados e impopulares, os líderes árabes (principalmente Hosni Mubarak, do Egito) foram
humilhantemente compelidos a conformar-se com a orientação americana, diminuindo, desse
modo, sua já desgastada credibilidade em casa. As prioridades de Israel sempre foram
acatadas primeiro. Nenhuma tentativa foi feita para tratar da injustiça cometida por
ocasião da expulsão dos palestinos em 1948.
Respaldadas no processo de paz estavam duas pressuposições imutáveis de israelenses e americanos, ambas derivadas de uma incompreensão surpreendente da realidade. A primeira foi a de que depois de tanta repressão, os palestinos desistiriam e aceitariam os compromissos assumidos por Arafat, dando um fim à causa palestina, desculpando dali por diante os excessos cometidos por Israel. Assim, o "processo de paz" não considerou as enormes perdas palestinas em terras e bens ou os laços entre o deslocamento do passado e a ausência de uma pátria no presente, enquanto que como potência nuclear com um exército formidável, Israel continuou a reivindicar a condição de vítima e a exigir a restituição pelo anti-semitismo genocida na Europa.
Ainda não existe um reconhecimento oficial da
responsabilidade de Israel (agora amplamente documentada) pela tragédia de 1948.
Mas ninguém pode forçar um povo a esquecer, principalmente quando a realidade diária é
vista por todos os árabes como a reprodução da injustiça original.
Em segundo lugar, após 7 anos de uma piora continuada nas condições econômicas e
sociais dos palestinos de um modo geral, os políticos americanos e israelenses
persistiram em alardear seu sucesso, excluindo a ONU e outras partes interessadas,
dobrando a mídia de acordo com suas vontades, distorcendo a realidade, transformando-a em
vitórias efêmeras da "paz". Com todo o mundo árabe pegando em armas contra as
forças israelenses e os tanques demolindo os prédios civis palestinos, com quase 100
mortos e quase 2.000 feridos, inclusive muitas crianças, e com os palestinos israelenses
se revoltando contra o tratamento de terceira classe dado a eles, o desestruturado status
quo está se desmantelando. Isolado na ONU e odiado em qualquer parte do mundo
árabe, os Estados Unidos e seu presidente pato manco, pouco podem fazer..
Tão pouco o podem as lideranças árabe e israelense,
muito embora eles provavelmente construam um outro acordo interino. Extraordinário tem
sido o silêncio virtual do sionismo nos Estados Unidos, Europa e Israel. O massacre de
jovens palestinos continua enquanto apoiam a brutalidade israelense ou expressam seu
desapontamento com a ingratidão palestina. Pior de tudo é a mídia americana,
amedrontada diante do lobby israelense, com comentaristas e âncoras tecendo relatos
distorcidos sobre "fogo cruzado" e "violência palestina",sem fazerem
referência ao fato de que Israel é que está ocupando militarmente a Palestinas e que os
palestinos estão lutando, e não "cercando Israel", como disse Madeleine
Albright. Enquanto os Estados Unidos comemoram a vitória sérvia sobre Milosevic, Clinton
e seus ajudantes se recusam a ver na insurreição palestina a mesma espécie de luta
contra a injustiça.
Minha suposição é a de que a nova intifada palestina é dirigida a Arafat, que desviou
seu povo com falsas promessas e mantém uma bateria de oficiais corruptos que detêm o
monopólio comercial, ainda que administrado de forma incompetente e fraca em seu nome.
60% do orçamento público são desembolsados por Arafat para a burocracia e segurança,
somente 2% vão para a infraestrutura. Há três anos atrás, seus contadores admitiram
que US$400 milhões desapareceram. Seus padrinhos internacionais aceitam isto em nome do
"processo de paz", certamente a frase mais odiada do léxico palestino dos dias
atuais.
Aos poucos,está surgindo entre os principais palestinos israelenses da Cisjordânia, de
Gaza e da diáspora, um plano alternativo de paz e de liderança. Milhares desses
palestinos assinaram um conjunto de declarações que tem grande apoio popular: não à
estrutura de Oslo; não comprometer as Resoluções da ONU (242, 338 e 194), que serviram
de base para a convocação da Conferência de Madrid, em 1991; remoção de todos os
assentamentos e estradas militares; evacuação de todos os territórios anexados ou
ocupados em 1967; boicote aos produtos e serviços israelenses. Na verdade, um novo
sentimento pode ser percebido de que somente um movimento de massa contra o apartheid
israelense (semelhante ao da África do Sul) funcionará. Certamente Barak e Albright
erram ao responsabilizarem Arafat pelo que ele não controla inteiramente. Ao invés de
rejeitar a nova estrutura que está sendo proposta, os defensores de Israel deveriam se
lembrar de que a questão da Palestina refere-se a todo um povo e não a um líder velho e
desacreditado. Além do mais, a paz Palestina/Israel somente poderá ser feita entre
iguais, isto é, desde que a ocupação militar tenha terminado. Nenhum palestino, nem
mesmo Arafat, pode aceitar menos do que isso.
Publicado no The Nation em 13/10/2000