FREI AGOSTINHO DA CRUZ (1540-1619) Elegia II (Da Arrábida) Alta Serra deserta, donde vejo As águas do Oceano duma banda, E doutra já salgadas as do Tejo: Aquela saüdade que me manda Lágrimas derramar em toda a parte, Que fará nesta saüdosa, e branda? Daqui mais saüdoso o sol se parte; Daqui muito mais claro, mais dourado, Pelos montes, nascendo, se reparte. Aqui sôbolo mar dependurado Um penedo sobre outro me ameaça Das importunas ondas solapado. Duvido poder ser que se desfaça Com água clara, e branda a pedra dura Com quem assim se beija, assim se abraça. Mas ouço queixar dentro a Lapa escura, Roídas as entranhas aparecem Daquela rouca voz, que lá murmura. Eis por cima da rocha áspera descem Os troncos meio secos encurvados, Eis sobem os que neles enverdecem. Os olhos meus dali dependurados, Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos Como, quando, por quem foram criados? Respondem-me em segredo mil segredos, Cujas primeiras letras vou cortando Nos pés doutros mais verdes arvoredos. Assim com cousas mudas conversando, Com mais quietação delas aprendo Que outras que há, ensinar querem falando. Se pelejo, se grito, se contendo Com armas, com razão, com argumentos, Elas só com calar ficam vencendo. Ferido de tamanhos sentimentos Fico fora de mim, fico corrido De ver sobre que fiz meus fundamentos. Ali me chamo cego, ali perdido, Ali por tantos nomes me nomeio, Quantos por culpas tenho merecido. Ali gemo, e suspiro, ali pranteio; Ali geme, e suspira, ali pranteia O monte, e vai de meus suspiros cheio. Ali me faz pasmar, ali me enleia Quanto colhendo estou da saüdade, Que por toda esta terra se semeia. Ora me ponho a rir da vaïdade, Ora triste a chorar com quanto estudo Erros solicitei da mocidade. Tudo se muda enfim, muda-se tudo, Tudo vejo mudar cada momento: Eu de mal em pior também me mudo. Soía levantar meu pensamento Assentado sobre estas penedias Duras, eu duro mais nelas me assento. Punha-me a ver correr as águas frias Por cima de alvos seixos repartidas, Que faziam tremer ervas sombrias. As flores, que levava já colhidas, Passando pelos vales enjeitava Por outras doutra nova cor vestidas. O livre passarinho, que voava, Cantando para o céu deixando a terra, Da terra para o céu me encaminhava. Cuidei que se esquecesse nesta Serra A dura imiga minha natureza; Mas donde quer que vou lá me faz guerra. Oh! quem vira naquela fortaleza Rodeada de fogo de amor puro, Daquele amor divino esta alma acesa! Quão firme, e quão quieto, e quão seguro No campo se pusera em desafio! E quão brando sentira o ferro duro! Mas se agora de mim me não confio, Se fujo, se me escondo, se me temo, É porque sinto fraco o peito frio. Alevantam-se os mares; e pasmo, e tremo: Vejo vento contrário, desfaleço, A corrente das mãos me leva o remo. Confesso minha culpa, bem conheço Que por mais graves males que padeça Menos padecerei do que mereço. Mandais, Senhor, que busque, bata, e peça, Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor, Sem haver cousa em mim que vos mereça. Com os braços na Cruz, meu Redentor, Abertos me esperai, co lado aberto, Manifestos sinais do vosso amor. Ah! quem chegasse um dia de mais perto A ver cos olhos de alma essa ferida, Que esse coração mostra descoberto! Esse, que por salvar gente perdida De tanta piedade quis usar, Que deu nas suas mãos a própria vida. A sangue nos quisestes resgatar De tão cruel, e duro cativeiro, Vendido fostes vós por nos comprar. Padecestes por nós, manso Cordeiro, Pisado, preso, e nu entre ladrões, Ardendo o fogo posto no madeiro: Arçam postos no fogo os corações. Da Oração Doce quietação de quem vos ama, Em serviços, Senhor, que tanto quanto Amado sois, tão longe o fim de tanto, Subindo mais, e mais, mais se derrama: Ardendo por arder em viva chama De amor do vosso amor, a voz levanto; Sinto, suspiro, choro, colho, e planto Ao som doutra suave que me chama. Onde se vai, Senhor, quem vos ofende? Donde levais, Deus meu, a quem vos segue? Onde fugir se pode uma de duas? Morto por quem o mata que pretende, Ou que extremos de amor há que nos negue Quem culpas nossas chama ofensas suas? Ritornare alla pagina precedente. Volver a la página precedente. Back to the previous page. Retour à la page précédente. Voltar à página anterior. Leia textos do papa Bento XVI traduzidos pela primeira vez ao português. Clique aqui. Procura bons livros? Visite o e-shop de Similarly!
(Da Arrábida)
Alta Serra deserta, donde vejo As águas do Oceano duma banda, E doutra já salgadas as do Tejo:
Aquela saüdade que me manda Lágrimas derramar em toda a parte, Que fará nesta saüdosa, e branda?
Daqui mais saüdoso o sol se parte; Daqui muito mais claro, mais dourado, Pelos montes, nascendo, se reparte.
Aqui sôbolo mar dependurado Um penedo sobre outro me ameaça Das importunas ondas solapado.
Duvido poder ser que se desfaça Com água clara, e branda a pedra dura Com quem assim se beija, assim se abraça.
Mas ouço queixar dentro a Lapa escura, Roídas as entranhas aparecem Daquela rouca voz, que lá murmura.
Eis por cima da rocha áspera descem Os troncos meio secos encurvados, Eis sobem os que neles enverdecem.
Os olhos meus dali dependurados, Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos Como, quando, por quem foram criados?
Respondem-me em segredo mil segredos, Cujas primeiras letras vou cortando Nos pés doutros mais verdes arvoredos.
Assim com cousas mudas conversando, Com mais quietação delas aprendo Que outras que há, ensinar querem falando.
Se pelejo, se grito, se contendo Com armas, com razão, com argumentos, Elas só com calar ficam vencendo.
Ferido de tamanhos sentimentos Fico fora de mim, fico corrido De ver sobre que fiz meus fundamentos.
Ali me chamo cego, ali perdido, Ali por tantos nomes me nomeio, Quantos por culpas tenho merecido.
Ali gemo, e suspiro, ali pranteio; Ali geme, e suspira, ali pranteia O monte, e vai de meus suspiros cheio.
Ali me faz pasmar, ali me enleia Quanto colhendo estou da saüdade, Que por toda esta terra se semeia.
Ora me ponho a rir da vaïdade, Ora triste a chorar com quanto estudo Erros solicitei da mocidade.
Tudo se muda enfim, muda-se tudo, Tudo vejo mudar cada momento: Eu de mal em pior também me mudo.
Soía levantar meu pensamento Assentado sobre estas penedias Duras, eu duro mais nelas me assento.
Punha-me a ver correr as águas frias Por cima de alvos seixos repartidas, Que faziam tremer ervas sombrias.
As flores, que levava já colhidas, Passando pelos vales enjeitava Por outras doutra nova cor vestidas.
O livre passarinho, que voava, Cantando para o céu deixando a terra, Da terra para o céu me encaminhava.
Cuidei que se esquecesse nesta Serra A dura imiga minha natureza; Mas donde quer que vou lá me faz guerra.
Oh! quem vira naquela fortaleza Rodeada de fogo de amor puro, Daquele amor divino esta alma acesa!
Quão firme, e quão quieto, e quão seguro No campo se pusera em desafio! E quão brando sentira o ferro duro!
Mas se agora de mim me não confio, Se fujo, se me escondo, se me temo, É porque sinto fraco o peito frio.
Alevantam-se os mares; e pasmo, e tremo: Vejo vento contrário, desfaleço, A corrente das mãos me leva o remo.
Confesso minha culpa, bem conheço Que por mais graves males que padeça Menos padecerei do que mereço.
Mandais, Senhor, que busque, bata, e peça, Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor, Sem haver cousa em mim que vos mereça.
Com os braços na Cruz, meu Redentor, Abertos me esperai, co lado aberto, Manifestos sinais do vosso amor.
Ah! quem chegasse um dia de mais perto A ver cos olhos de alma essa ferida, Que esse coração mostra descoberto!
Esse, que por salvar gente perdida De tanta piedade quis usar, Que deu nas suas mãos a própria vida.
A sangue nos quisestes resgatar De tão cruel, e duro cativeiro, Vendido fostes vós por nos comprar.
Padecestes por nós, manso Cordeiro, Pisado, preso, e nu entre ladrões, Ardendo o fogo posto no madeiro: Arçam postos no fogo os corações.
Da Oração
Doce quietação de quem vos ama, Em serviços, Senhor, que tanto quanto Amado sois, tão longe o fim de tanto, Subindo mais, e mais, mais se derrama:
Ardendo por arder em viva chama De amor do vosso amor, a voz levanto; Sinto, suspiro, choro, colho, e planto Ao som doutra suave que me chama.
Onde se vai, Senhor, quem vos ofende? Donde levais, Deus meu, a quem vos segue? Onde fugir se pode uma de duas?
Morto por quem o mata que pretende, Ou que extremos de amor há que nos negue Quem culpas nossas chama ofensas suas?
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