DNA – O QUE É, E PORQUE É TÃO IMPORTANTE
BRUNO MAÇÃES
JOSÉ LUIS ORTEGA
São as proteínas que funcionam em nós. Todas as funções do nosso corpo são resultado de proteínas em ação. Tecidos, hormônios, neurotransmissores, receptores, enzimas, antígenos e anticorpos são diferentes nomes para um mesmo tipo de substância que existe no corpo humano: a proteína. Todas estas categorias existem num reconhecimento de que as proteínas exercem muitas funções diferentes (o quadro abaixo mostra diversos exemplos de proteínas com nomes engraçados e de como o corpo depende delas).
PROTEÍNAS COMUNS EM NOSSO CORPO A hemoglobina em seu sangue carrega oxigênio para os tecidos. O fibrinogênio coagula o sangue quando nos ferimos. A insulina, um hormônio, circula no sangue em direção às células e as ajuda a processar açúcar. A epinefrina presente no cérebro causa uma sensação de alegria. Parasitas que invadem nosso corpo possuem em sua superfície proteínas chamadas antígenos, que se encaixam em outras proteínas presentes em nossas células chamadas receptores, fazendo com que as células permitam sua entrada. Após as kinases enviarem mensagens dentro das células, o corpo contra-ataca aumentando a produção de outras proteínas presentes no sangue - os anticorpos, que identificam o antígeno do inimigo agarrando-se a ele e sinalizando que o parasita deve ser atacado por glóbulos brancos. Possuímos tecidos rígidos, como unhas, que são feitas de queratina, e tecidos flexíveis, que são feitos de colágeno. Em
nosso estômago, fígado e intestinos, proteínas chamadas enzimas,
algumas vezes quebram outras proteínas que ingerimos em pedaços menores
ou juntam proteínas pequenas em pedaços maiores. O fígado destrói
certas proteínas vegetais
B.M. |
Todo o nosso funcionamento é químico.
Nossa existência começa a ser compreendida pela biologia, que por sua vez se
baseia na química, que obedece a leis físicas. As proteínas são substâncias químicas que apenas respondem a forças físicas.
Mas dizer que somos pura química é como dizer que o basquete
é pura física. Existe algo mais! As proteínas de que somos formados conseguem realizar algo
mais fascinante: elas contêm informação. Ou melhor, elas são informação
sobre como sobreviver e se reproduzir.
Cada proteína realiza uma tarefa no corpo. Mas um ser vivo é tão complexo que necessita de milhares de proteínas para realizar todas as suas funções. E mesmo para uma única função, nem todas as proteínas são exatamente iguais. Algumas são mais eficientes do que outras. O meio-ambiente em que vivemos está constantemente selecionando as proteínas mais eficazes que nos permitem sobreviver e reproduzir. E o meio-ambiente é extremamente complexo: ele pode ser seco ou úmido, quente ou frio - e ter uma infinidade de fatores alterados conforme a região. Ele pode também estar cheio de inimigos querendo nos devorar!
Quando somos concebidos,
nosso corpo geralmente recebe
de cada um de nossos pais instruções ligeiramente diferentes sobre como
fabricar proteínas. Assim, possuímos duas receitas diferentes de proteínas
para cada função do nosso corpo. Uma proteína pode ter cor azul e a outra
castanha, e o corpo fabricará ambas. Se estas proteínas estiverem nos olhos, a
cor castanha será a mais visível.
O que é então uma proteína, e como ela é
produzida? Como é que herdamos de nossos pais as instruções para fabricá-las?
Vale a pena conhecer um pouco melhor estas substâncias químicas, e
como elas são formadas. O mecanismo de fabricação das proteínas envolve uma
molécula chamada DNA, e encaixa admiravelmente a evolução de Darwin, a genética
de Mendel e a química e biologia moleculares.
As proteínas
são formadas por pedaços menores chamados aminoácidos. Os aminoácidos
são moléculas que ocorrem normalmente na natureza, bastando adicionar um pouco
de energia a certas substâncias para que eles se formem. Quando nosso planeta
se formou, energia era algo abundante. Havia o Sol, e grande número de relâmpagos
na atmosfera primitiva. Muita atividade vulcânica e constantes quedas de
meteoritos produziam um ambiente infernal. Diversos experimentos realizados há
alguns anos mostraram que é possível produzir diversos tipos de aminoácidos
em laboratório a partir de substâncias simples e energia, algo que não deve
ter sido desprezado na própria natureza, que teve muitos milhões de anos para
agir. Aminoácidos são encontrados até no espaço, dentro de nuvens
moleculares que absorvem energia das estrelas. Eles são formados pelos
elementos químicos carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. Em
todo aminoácido, existe um pedaço sempre igual e um outro pedaço que muda
(ver figura ao lado).
Sempre encontraremos neles um carbono(C) ligado a um ácido
carboxílico (COOH na figura), um grupo amina (NH2) e hidrogênio(H), além da outra cadeia carbônica que
sempre muda (e é anexada no lugar do traço à direita). Apesar do número de aminoácidos possíveis ser praticamente
infinito, (basta mudar a cadeia carbônica, ou polímero), todos os seres vivos
em nosso planeta utilizam os mesmos vinte tipos, numa profunda indicação de
que somos todos descendentes de um mesmo ancestral. Estes aminoácidos atendem
por nomes como alanina, glicina, leucina, e arginina.
Quando os aminoácidos se unem, eles formam as proteínas.
À medida que eles se ligam, as proteínas formadas vão se dobrando de maneiras
ainda não totalmente entendidas (mas certamente obedecendo a leis físicas
bem conhecidas). Ao longo de uma molécula, existem regiões relativamente mais
positivas ao lado de outras mais negativas, e é isto que faz com que ela se
dobre. Existem proteínas alongadas e proteínas "emboladas". Em todas elas, pedaços
relativamente retos alternam-se com espirais. Tudo isto é resultado da união
de aminoácidos
que vão se enfileirando. O segredo da ligação dos aminoácidos está em
seu pedaço que não muda. Neste pedaço, o ácido carboxílico une-se ao grupo
amina presente em outro
aminoácido,
liberando uma molécula de água no processo (ver figura ao lado).
Longos polímeros
são formados. Mas, por acabar se repetindo sempre, a união recém contratada
entre o ácido carboxílico e o grupo amina não carrega nenhuma informação.
Toda a informação da proteína recém-formada está justamente nos radicais
que não se repetem (ver figura abaixo).
As proteínas em si contêm informação, mas não a armazenam. Uma proteína não pode produzir outra. Quando ela é quebrada, perde-se para sempre. O que então produz as proteínas? De onde elas vêm?
Toda a
informação
para a produção de proteínas é armazenada na famosa molécula
de DNA. O DNA é encontrado apenas no núcleo da célula, em regiões chamadas
cromossomos. Quando uma célula se divide, seu núcleo, que normalmente é
difuso ao microscópio, se
organiza em pedaços bem distintos. Estes pedaços são
os cromossomos (ver figura ao lado). Existem dois
tipos de divisão celular. Uma
delas ocorre todo o tempo dentro de nosso corpo, e é chamada mitose. Nela,
todos os cromossomos da
célula se duplicam e a célula se divide em dois,
ficando cada uma das filhas com a metade dos cromossomos. Isto não pode
acontecer quando dois seres sexuados se reproduzem, pois na reprodução sexuada
duas células se fundem para formar uma só. Se as duas células trouxessem
todos os seus cromossomos, o número de cromossomos duplicaria a cada geração,
até ficar insuportável. Assim, as células “germe”, o espermatozóide e o
óvulo, têm que ter apenas metade de seus cromossomos quando se fundem, e elas
o fazem através do outro tipo de divisão celular, chamada meiose. Em nós,
seres humanos, existem 23 tipos de cromossomos. Mas como recebemos de cada um de
nossos pais um conjunto completo de 23 cromossomos, possuímos duas cópias de
cada um, 23 pares totalizando 46 cromossomos. Estes cromossomos são recebidos
de maneira totalmente aleatória – cada um de nossos pais nos passa apenas um
cromossomo de cada par, escolhidos aleatoriamente. Muitas vezes os dois
cromossomos de um par podem trocar material antes de serem "sorteados", num
processo chamado crossing-over. Tudo isto resulta na distribuição de
caracteres hereditários descoberta por Gregor Mendel, e num enorme número de
combinações possíveis, gerando toda a variedade que vemos mesmo entre membros
de uma mesma espécie.
No início do século, já se suspeitava que os cromossomos estavam envolvidos na transmissão dos caracteres hereditários. Mas cromossomos, como veremos adiante, contém tanto DNA quanto proteínas. Conseqüentemente, não se sabia qual era o verdadeiro “banco de dados” da vida. Mas diversas experiências engenhosas provaram que o DNA, e não a proteína, era responsável pela transmissão das instruções genéticas (ver quadro “a descobertA do DNA como molécula da transmissão hereditária”).
a descoberta do DNA como molécula da transmissão
hereditária Em
1870, o bioquímico F. Miescher extraiu material químico desconhecido do
núcleo de uma célula. Este material tinha propriedades ácidas. Em 1900,
bioquímicos, certos de que os cromossomos carregavam informação
genética de alguma forma tentaram descobrir sua composição química.
Descobriram que o cromossomo era formado por proteínas e por um ácido, o
DNA, que foi chamado ácido nucléico por se encontrar no núcleo celular. A partir daí, surgiu a seguinte questão: qual dessas substâncias carrega a informação para gerar e manter a vida? Proteína ou DNA? O DNA parecia ser uma molécula simples formada por apenas quatro tipos de sub-unidades combinadas. As proteínas em contraste eram constituídas por vinte tipos de aminoácidos. A conclusão parecia óbvia: mais tipos de sub-unidades, mais informação. Gradualmente,
surgiram indicações de que as proteínas não eram material genético.
Por exemplo: cromossomos retirados de esperma de peixe possuíam apenas
DNA e uma proteína (protamina) muito simples que não poderia ser matriz
para uma diversidade de proteínas mais complexas. Mesmo assim ainda havia
céticos. DNA:
a molécula da hereditariedade - Muitos avanços na história
da biologia se deveram à escolha do organismo "certo" para um
experimento particular. Organismos com reprodução acelerada e de
estrutura simples são particularmente bons para descobertas e verificação
repetida e rápida (isolar variáveis) . Estes foram cruciais para a
verificação de que o DNA (e não as proteínas) é o nosso patrimônio
químico hereditário. 1920-transformações
bacterianas indicam que moléculas hereditárias são DNA. Em
1920, o bacteriologista Fred Griffith tentava desenvolver uma vacina que
imunizasse pessoas contra a bactéria Streptococus pneumoniae, que
causa a pneumonia. Sua experiência envolveu bactérias encapsuladas e
nuas. As
bactérias encapsuladas não são destruídas pelos glóbulos brancos,
multiplicando-se e matando o indivíduo. As bactérias nuas não são
infectantes, sendo destruídas pelo organismo. Mas as bactérias nuas
criam cápsulas quando em contato com resíduos de bactérias encapsuladas
mortas. Esta
transformação é uma estratégia evolucionária porque permite a
bactérias adquirir novos genes e se adaptar a novos ambientes
hospedeiros. Em
1944, o cientista americano Oswald Avery isolou o DNA das bactérias
encapsuladas, misturando-no com bactérias nuas, que se tornaram
encapsuladas. A molécula da hereditariedade, o DNA, havia sido
encontrada. Finalmente,
em 1952, Hershey e Chase cultivaram vírus em dois meios separados: um
deles contendo enxofre radioativo, que era absorvido pelos vírus em seu
envelope de proteína, e o outro contendo fósforo radioativo, que era
absorvido pelo DNA. Após infectar bactérias com os dois grupos de
vírus, somente o fósforo era encontrado, provando que as proteínas eram
descartadas pelos vírus e o DNA era o único material genético (ver
ilustração). J.L.O. |
Além disso, grandes geneticistas, como o americano Thomas Hunt Morgan,
iniciaram um verdadeiro mapeamento dos cromossomos, baseando-se no princípio de
que durante o processo de crossing-over, os pedaços de cromossomos próximos
entre si tendiam a continuar juntos, enquanto os afastados se separavam com mais
facilidade. Num cromossomo, cada pedaço contém muitas instruções diferentes
para fabricar proteínas específicas. Cada uma dessas instruções é conhecida
como gene. Assim, mais uma vez notamos que as leis dos genes, ou genéticas,
resultam da divisão e distribuição dos cromossomos.
Então,
o DNA contém genes e está contido nos cromossomos. Vamos conhecer um pouco
melhor a estrutura da molécula de DNA, como ela armazena informações genéticas
e finalmente, como proteínas são produzidas a partir de DNA. O DNA é composto
por duas hélices entrelaçadas (ver figura à direita).
Cada uma das hélices possui degraus, que se unem aos
degraus da outra hélice de uma maneira bem definida, efetivamente unindo as
duas hélices. Cada degrau é composto por um radical fosfato (um átomo de fósforo
ligado a quatro átomos de oxigênio), um açúcar chamado desoxirribose e uma
base nitrogenada. Quatro bases nitrogenadas diferentes, adenina(A),guanina(G),
citosina(C) e timina(T) (ver figura abaixo) alternam-se ao longo dos degraus da
hélice. As bases pirimídicas, timina e citosina, possuem um anel hexagonal
formado por átomos de carbono e nitrogênio. As bases púricas, adenina e
guanina, possuem dois anéis, um hexagonal e o outro pentagonal. Estes dois
tipos de bases têm o formato complementar, e se unem em cada degrau da hélice:
A com T e C com G. Assim, no interior da dupla hélice, temos as bases nitrogenadas, enquanto em seu exterior temos um esqueleto formado por radicais
fosfato. O ângulo de ligação de um degrau para o outro é que determina a
curvatura da hélice.
As bases nitrogenadas A,C, G,T são como letras de
um alfabeto. Quando a molécula de DNA se abre, cópias exatas de cada uma das hélices
podem ser obtidas. Enzimas específicas vão agrupando e encaixando novas bases
às duas hélices separadas, sempre obedecendo à correspondência AT-CG (ver
figura abaixo).
Assim, a molécula de DNA utiliza um sistema de tecnologia
digital muito antes de termos descoberto tal sistema. Um sistema de informação
digital é muito superior ao sistema dito "analógico". Para
entendermos a diferença, imaginemos uma ligação de longa distância feita a
partir de um telefone celular, que precisa passar por várias torres de
retransmissão. Qualquer tipo de mensagem, ao ser transmitida, chega ao destino
com ruídos. Se cada uma das torres de retransmissão no meio do caminho
repassar a mensagem do mesmo jeito que ela é recebida, o chiado tenderá a se
acumular cada vez mais, e o destinatário da ligação não conseguirá saber
quem está do outro lado da linha. É isto que acontece com o sistema analógico.
O sistema digital, ao contrário, codifica a informação em unidades discretas
(por exemplo, um som grave e um agudo). Quando uma mensagem deste tipo é
transmitida, ela pode ser facilmente reconstituída, e o ruído eliminado, pois
a diferença entre um som grave e um agudo pode ser claramente percebida mesmo
que a mensagem apresente chiado. Conseqüentemente,
uma mensagem digital pode ser retransmitida várias vezes sem perda nenhuma.
Da mesma forma que os sons graves e agudos, as quatro bases nitrogenadas
que formam a seqüência da molécula de DNA são unidades discretas bem
distintas. A correspondência AT-CG
mencionada acima garante que erros de duplicação (exemplo: A com C) sejam
extremamente raros.
TRANSCRIÇÃO E SÍNTESE
Como é
possível, entretanto, que proteínas sejam fabricadas a partir de DNA? Se cada
uma das “letras” desta molécula correspondesse a um tipo de aminoácido,
seria possível formar proteínas com apenas quatro tipos de aminoácidos, e não
com os vinte conhecidos. Foi isto o que percebeu Francis Crick, um dos
descobridores da estrutura do DNA. Crick imaginou então, corretamente, que se
existisse um código que agrupasse estas letras três a três (exemplos: ATC,
TTG, etc.), seriam possíveis sessenta e quatro combinações, mais do que o
suficiente para codificar todas os vinte aminoácidos empregados (um código
duplo, como CA, TA, etc. não seria suficiente também, pois poderia representar
no máximo dezesseis tipos de aminoácidos). De fato, este código triplo existe
- cada unidade de três bases é chamada códon. Como sessenta e quatro combinações
diferentes excedem as vinte e quatro necessárias, o código comporta também
outras instruções, como “iniciar”, “parar”, e alguma redundância (por
exemplo, os códons UCU, UCC, UCA, UCG, AGU, AGC significam o mesmo aminoácido,
serina).
Todavia,
o DNA sozinho não consegue fabricar proteínas. Para sintetizar estas substâncias
é necessário todo um aparato no qual diferentes enzimas e, principalmente, um
outro tipo de ácido nucléico, o RNA,
entram em ação. O RNA - ácido ribonucléico
- é uma molécula parecida com o DNA, mas com duas diferenças.
A primeira é que o açúcar contido nela, a Ribose,
contém um átomo de oxigênio a mais do que a desoxirribose. A segunda diferença
está na substituição da base timina por outra chamada uracila. O RNA normalmente forma hélices duplas apenas com o DNA,
ou seja, é capaz de combinar-se com este. Para sintetizar uma proteína, é
necessário que a molécula de DNA se abra (isto é feito por meio de enzimas de
restrição), permitindo que uma molécula de RNA se forme (novamente, com a
ajuda de enzimas) e copie exatamente a seqüência de DNA a ser transformada em
proteína*.
Este processo é chamado transcrição.
Em seguida, A molécula de RNA formada a partir do RNA - chamada de RNA
mensageiro ou m-RNA - sai do
núcleo celular e se dirige ao citoplasma, onde
pequenas estruturas chamadas ribossomos agem como leitores. Tais organelas - formadas por
um tipo de RNA estrutural ribossômico
e proteínas - não apenas lêem a seqüência do RNA mensageiro como também a traduzem para a linguagem dos códons e iniciam a síntese
de proteínas. No citoplasma, existe ainda um terceiro tipo de RNA, chamado
RNA transportador ou t-RNA**(ver
figura abaixo),
que vem acoplado a cada um dos vinte tipos de aminoácidos
diferentes. A parte de baixo do t-RNA, chamada de anticódon, identifica o tipo de aminoácido que ele carrega através
de uma seqüência de três nucleotídeos. Esta seqüência encaixa-se
perfeitamente nos códons do RNA mensageiro, realizando a tradução do código
genético.
Os ribossomos possuem duas partes, chamadas A e P. Em
cada uma destas partes cabem exatamente três nucleotídeos, ou um códon.
Quando o m-RNA se junta a um ribossomo, este último desloca-se pelo m-RNA,
realizando uma leitura que começa na parte A (ver esquema abaixo). Ao ler o
primeiro códon do m-RNA, o ribossomo permite que um t-RNA
específico se encaixe nele. Em seguida, o ribossomo anda para a direita
do m-RNA. O t-RNA que trouxe um tipo específico de aminoácido passa para a
parte P. Na parte A, surge um novo códon, ao qual irá se juntar um outro
t-RNA. O ribossomo contém agora dois aminoácidos acoplados a ele. Estes aminoácidos
estão na altura certa para se juntar, e eles o fazem (as peças do quebra cabeça
começam a se juntar: no início descrevemos como os aminoácidos se juntam). O
aminoácido que se encontra na parte P agarra-se ao aminoácido da parte A que
chegou por último. Em seguida, O t-RNA da parte P, livre de seu aminoácido,
sai do ribossomo e retorna ao citoplasma da célula para ser reutilizado,
unindo-se a outro aminoácido do mesmo tipo. O ribossomo mais uma vez
desloca-se, passando a proteína em formação novamente para a parte P e
livrando a parte a, onde um novo t-RNA com um novo aminoácido se
acopla. A proteína em formação junta-se ao novo aminoácido e o ciclo
se repete, até que muitos aminoácidos se unam. Uma proteína típica contém
de algumas centenas a alguns milhares de aminoácidos agrupados. Quanto tempo
demora para uma proteína se formar, então? Surpreendentemente, apenas alguns
segundos. Os ribossomos trabalham com muita rapidez e precisão. Além disso
numa mesma molécula de m-RNA, vários ribossomos podem estar trabalhando ao
mesmo tempo, um após o outro. Vários leitores percorrendo a mesma “fita”!
A analogia do DNA com uma fita, aliás, é boa. Como numa fita, às vezes é necessário editar o conteúdo, ou seja, selecionar alguns pedaços e cortar outros. Muitas seqüências de DNA que codificam genes (exons) são interrompidas por outras seqüências que não codificam nenhuma proteína (íntrons). No meio de um gene pode haver várias interrupções deste tipo. Quando um gene é transcrito para m-RNA, estes pedaços precisam ser retirados do RNA e as seqüências restantes precisam ser unidas antes que aconteça a síntese de proteínas. O que são estas seqüências intermediárias, consideradas “lixo”? Ao começarmos a decifrar o genoma, uma das maiores surpresas foi descobrir que a maior parte do código genético era informação sem sentido! Algumas sequências, como as chamadas Alu (com cerca de 300 bases) e LINE-1, repetem centenas ou milhares de vezes a mesma coisa. Como surgiram estas seqüências? A resposta também foi uma surpresa. Muitas delas - os “retrotransposons”, por exemplo - são códigos genéticos virais praticamente completos, que foram inseridos no genoma humano sem nenhuma razão a não ser sua própria multiplicação. Isto mostrou que uma pulga (um parasita) tem pulgas menores que se alimentam dela e estas têm pulgas menores ainda, numa seqüência que vai até o nível molecular! Tais seqüências foram inseridas no DNA humano através de uma enzima especial fabricada pelos vírus, transcriptase reversa. Esta enzima reverte o fluxo normal de informação do DNA para o RNA, produzindo em vez disso cópias de uma molécula original de RNA viral no DNA humano. Estes pedaços virais no genoma humano também possuem seqüências que ordenam que elas sejam copiadas diversas vezes. Se o genoma possui uma linguagem parecida com a dos computadores, ele também possui vírus como os dos computadores!
GENES
E NÓS Uma outra surpresa aconteceu no ano de 2001, quando foi
revelado que o número de seqüências de DNA que codificam proteínas é de cerca de 32.000, e não 80.000 a
100.000 como se pensava. Como nos
julgamos muito mais complexos e superiores do que as outras formas de vida,
acreditávamos ter uma quantidade de genes muito maior do que elas.
Mas a quantidade de genes em nós é comparável à de outras formas de
vida. Provavelmente nossa complexidade não pode ser explicada apenas por uma
diferença no número de genes.
Como os
genes determinam nossas características? Na verdade, o que somos é resultado
de uma interação entre genes e meio ambiente, ou "natureza" versus
"criação". Esta relação
é extremamente complexa. Estamos apenas começando a entendê-la. São raríssimos
os casos em que um único gene determina nosso destino. Um deles, o gene huntingtin, em nosso cromossomo 4,
determina com uma cruel precisão se desenvolveremos um mal na velhice chamado Coréia
de Huntigton. Esta doença é caracterizada por demência e movimentos involuntários
que tornam a vítima incapaz de cuidar de si mesma.
O gene huntingtin é uma repetição de três letras: CAG.
A maioria de nós possui 10 a 15 repetições. Mas se uma pessoa possui
mais de 35 repetições, ela desenvolverá a doença e não há o que fazer.
Quanto mais repetições, mais cedo a pessoa desenvolverá a doença.
É importante ter em mente que os genes não causam doenças.
Falar em gene para o homossexualismo ou para mal de Alzheimer não é
correto. Doenças de origem genética
acontecem exatamente porque suas vítimas têm genes defeituosos. Todos nós,
por exemplo, possuímos o gene huntingtin.
Mas só naquelas pessoas que possuem a versão defeituosa é que a
doença se desenvolve .
Definir genes pelas doenças que eles causam é como falar dos órgãos do corpo
pelas doenças que eles têm: fígados existem para ter cirrose, corações para
causar infarto.
Felizmente,
a maioria de nossas características não é determinada por um único gene.
O meio ambiente pode ativar ou inativar genes. A proximidade de um exame
ou a morte de uma pessoa querida fazem com que nosso cérebro envie sinais para
que nossas células produzam uma proteína chamada cortisol, que ativa uma série
de outros genes e provoca estresse. Uma das conseqüências do estresse é a
supressão de nosso sistema imunológico. O resultado: ficamos mais propensos a
contrair doenças.
Características como inteligência provavelmente são
resultado de uma enorme combinação de genes. Algumas pessoas podem ter uma
combinação melhor do que outras, mas o enorme número de genes provavelmente
envolvido nesta característica torna muito difícil que uma pessoa seja muito
mais ou menos inteligente do que as outras.
Além disso, a influência do meio ambiente é óbvia.
É perfeitamente possível que exatamente agora um exista um Einstein nas
ruas, pedindo dinheiro, e que nunca receberá educação e nunca será Einstein.
Por outro lado, um indivíduo pode não ser tão bem-dotado, mas
recebendo a educação adequada terá nível universitário e poderá ir longe.
No caso da inteligência, os genes provavelmente apenas determinam facilidade ou
dificuldade em aprender. Mas qualquer um pode aprender qualquer coisa, desde que
seja educado adequadamente. Seja como for, esta questão extremamente delicada
já foi responsável por muita infelicidade e mortes no século XX. O nazismo
surgiu numa crença de que apenas os genes determinavam a
"superioridade" de uma pessoa. O
totalitarismo soviético abraçava uma crença oposta: a de que um ser humano
podia ser totalmente mudado pela cultura. Ou seja, a negação da existência de
uma natureza humana, com instintos difíceis de controlar.
Atualmente sabemos que tanto o determinismo genético (o que você é é determinado pelos seus genes) quanto o determinismo social (o que você é é determinado pela sua condição social e cultura) são pontos extremos. Mas é preciso estar alertas, porque o ódio e o preconceito sempre encontram justificativas supostamente “científicas" para causar estragos.
B.M.
*
Quando o DNA se abre, apenas um dos lados de sua hélice codifica proteínas
e é copiado pelo RNA. Este lado não é sempre o mesmo, podendo mudar ao
longo da molécula.
**
Portanto, o DNA não contém informações apenas para a síntese de proteínas.
Vários tipos de RNA, necessários ao funcionamento da célula, também estão
lá codificados.