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Manejo Inadequado em Psicoterapia

Stephen Barrett, M.D.

Psicoterapia pode ser definida como qualquer tipo de abordagem persuasiva ou de conversação desenvolvida para ajudar pacientes. Embora haja centenas de técnicas e escolas de pensamento, a maioria tem em comum um desejo de compreender o paciente e ajudá-lo a mudar padrões emocionais e comportamentais. Progressos explosivos nas neurociências e psicofarmacologia durante os últimos 25 anos e o surgimento do managed care durante a última década têm sido acompanhados pela diminuição da ênfase em psicoterapia durante o treinamento psiquiátrico. 

Abordagens de Tratamento

Tratamentos psicodinâmicos são baseados na premissa de que experiências na infância exercem uma influência inconsciente que ativamente molda os sentimentos e comportamentos atuais da pessoa. Na psicoterapia orientada analiticamente, também chamada terapia exploratória, pacientes dizem o que vem a mente (associação livre) e são ajudados a compreender seus sentimentos, mecanismos mentais, e relacionamentos com as pessoas. Insights são usados para ajudar os pacientes a desenvolver maneiras mais saudáveis de lidar com sentimentos e situações da vida. Esse tipo de terapia tipicamente envolve uma ou duas sessões de 50 minutos por semana por alguns meses (terapia de curto prazo) ou anos (terapia de longo prazo). É especialmente apropriada para pessoas que se comunicam bem e estão motivadas a mudar. Psicanálise é uma forma mais intensa de terapia psicodinâmica em que a livre associação é feita enquanto se deita em um divã. Normalmente requer de três a cinco sessões por semana por vários anos. Poucas pessoas têm condições de arcar com seus altos custos. Terapia interpessoal se concentra nas relações atuais de modo a ajudar as pessoas a lidaram com necessidades e sentimentos irreconhecíveis e melhorar suas habilidades interpessoal e de comunicação. Utilizada principalmente para depressão, ela tipicamente envolve de 12 a 16 sessões.

Terapia suportiva é uma abordagem baseada na conversação projetada para manter ou restaurar o nível mais alto de funcionamento do indivíduo. Os terapeutas dão conselhos e reafirmações, fazendo sugestões, e discutindo comportamentos alternativos e técnicas de resolver problemas. Dependendo da natureza do problema, o tratamento varia de uma sessão única, ou algumas sessões por um período de semanas ou meses, até assistência a longo prazo por muitos de anos. 

Terapia cognitiva, a qual tipicamente envolve de 15 a 25 sessões semanalmente, está voltada no alívio de sintomas ao invés de resolver conflitos de base. É usada para o tratamento de depressão, transtornos ansiosos (principalmente pânico e fobias), controle de iras, transtornos de personalidade, e terapia de casal. Os esforços terapêuticos estão centrados em diminuir percepções distorcidas e atitudes negativas. Isso é feito identificando como os pacientes reagem a situações da vida e ajudando o paciente a testar a validade dessas reações. Por exemplo, alguém que assume que coisas ruins nunca acontecem para pessoas boas pode se sentir intensamente desprezível na presença de um evento adverso. O terapeuta tenta modificar essa tendência persuadindo o paciente que eventos adversos ocorrem por muitas razões, a maioria não tem nada a haver com o valor da pessoa. 

Terapia comportamental (também chamada modificação do comportamento) tem o propósito de substituir padrões não-adaptativos com maneiras mais saudáveis de comportamento. O terapeuta primeiro analisa os comportamentos que causam estresse, limitam a satisfação, e afetam áreas importantes da vida do paciente. As técnicas de tratamento podem incluir: (1) dessensibilização sistemática (controle de medos através da exposição gradual a circunstâncias que provocam ansiedade), (2) treinamento de relaxamento, (3) exposição (exposição gradual a um objeto ou situação fóbica sem o uso de uma técnica de relaxamento), (4) inundação [flooding] (manter exposição a situações fóbicas até a ansiedade se dissipar), (5) reforço (recompensar comportamento que seja mais maduro), (6) modelagem (copiar um comportamento demonstrado pelo terapeuta), (7) treinamento de habilidades sociais, (8) intenção paradoxal (encorajamento temporário do comportamento que o paciente desejar interromper), e (9) terapia aversiva (associar um estímulo desagradável com comportamento indesejado). A terapia comportamental normalmente envolve menos de 25 sessões. 

Aconselhamento Simplista

Uma profunda compreensão da dinâmica de um paciente pode possibilitar ao terapeuta dar conselhos benéficos. Mas algumas vezes os terapeutas dão conselhos sem considerar a complexidade da situação do paciente. Tais ações mal concebidas podem ser o resultado de treinamento inadequado, técnica terapêutica fraca, ou um problema emocional do terapeuta. Os seguintes casos fictícios ilustram esse ponto.

Um comerciante de 60 anos se queixa de insônia e depressão. Preocupações com seu trabalho estavam mantendo ele acordado. O médico o aconselhou a tirar férias para "se afastar de tudo assim você pode parar de se preocupar". O homem foi para uma estância a beira-mar mas achou que não conseguia relaxar. Ele pensou que seus negócios sofreriam com sua ausência e a inatividade meramente serviu para intensificar sua preocupação. 

Um executivo júnior de 35 anos buscou tratamento para dores de cabeça e plenitude abdominal. O médico corretamente diagnosticou que estas eram reações do corpo à tensão, que foi gerada principalmente no trabalho. O paciente acreditava que estava sendo pedido para fazer mais do que podia mas estava com medo de falar a respeito. O médico encorajou o homem a expressar seu ressentimento, mas falhou por não discutir como fazer isso de uma maneira construtiva. O paciente "disse uma verdades" a seu chefe e saiu zangado, uma decisão que ele mais tarde se arrependeu. 

Um casal de meia idade que consultou um conselheiro esgotou as duas primeiras sessões repreendendo um ao outro por uma coisa após outra. Vendo apenas a hostilidade no relacionamento, o conselheiro aconselhou-os a pedir um divórcio. Um terapeuta mais qualificado teria percebido que eles não poderiam ter permanecido juntos por tantos anos sem um lado positivo em seu relacionamento. O terapeuta deveria teria encerrado as agressões verbais, explorado os aspectos positivos da relação, identificado os temas no conflito, e tentado ajudar o casal a resolvê-los. 

Uma dona de casa de 30 anos buscou ajuda para entender o motivo dela ficar irritada com pessoas importantes em sua vida, particularmente seu marido. O terapeuta encorajou a discussão de sua infância, analisando similaridades entre seu pai e seu marido, e disse: "Você fica zangada com seu marido quando ele a faz lembrar de seu pai." Achando que esta informação justificava seu ressentimento, a paciente agiu mais rudemente em relação a seu marido, e sua relação se deteriorou. Na verdade, a situação conjugal era muito mais complexa do que o terapeuta percebeu. Ele deveria ter explorado a contribuição da paciente ao atrito conjugal e ajudado ela a encontrar maneiras melhores de lidar com seus sentimentos. Sessões conjuntas com a paciente e seu marido podiam ter ajudado o terapeuta a compreender a situação melhor. 

Outros Sinais de Manejo Inadequado

A psicoterapia não deveria apenas ajudar pacientes a resolver problemas mas, na maioria dos casos, deveria também ajudar a encorajar independência do terapeuta. Assim como as crianças devem aprender a lidar com situações sem ter que correr a toda hora para sua mãe, os pacientes devem aprender a lidar com perturbações dos sentimentos entre as sessões sem a ajuda direta do terapeuta. Terapeutas que permitem ou encorajam telefonemas freqüentes encorajam superdependência. É provável que terapeutas que recebem muitos desses telefonemas de muitos pacientes têm um problema de base, como uma necessidade neurótica de ter pessoas dependendo deles, o que limita sua capacidade de tratar pacientes. 

Um exemplo mais sutil desse problema é o terapeuta que não consegue cumprir com o horário. Os pacientes são agendados para um horário em particular, porém é permitido que as sessões passem do horário marcado quando os pacientes estão preocupados ou parecem estar conversando sobre dados particularmente significativos. Embora uma breve extensão ocasional possa ser justificada, uma política geral desse tipo encoraja os pacientes a manipularem o terapeuta para receber mais atenção. Outros sinais de que um terapeuta está cruzando inapropriadamente a fronteira paciente-terapeuta incluem:

Você também deveria desconfiar de terapeutas que promovem noções simplistas sobre a causa dos problemas de seus pacientes. Alguns terapeutas, por exemplo, concluem -- independente do problema em questão -- que a maioria ou todos os seus pacientes estão sofrendo de memórias reprimidas de abuso sexual ou estão sofrendo de desordem de personalidade múltipla. Outra noção simplista é a idéia -- comumente divulgada na mídia -- de que traumas na infância são uma desculpa para o comportamento anti-social.

O tipo mais maléfico de comportamento terapêutico é provavelmente a exploração sexual. Embora não seja incomum que o terapeuta e o paciente sintam uma atração física ou pessoal entre si, agir sobre tais sentimentos não é terapêutico. Um caso fictício ilustra o que pode acontecer:

Uma mulher solteira de 27 anos iniciou a terapia para superar a timidez, sentimentos de inadequação, e medo de se envolver com homens. Parecia que poucos homens se interessavam por ela, e ela raramente tinha encontros. Conforme a terapia avançou, ela desenvolveu uma intensa afeição pelo terapeuta, baseado largamente no fato de que ele era o primeiro homem que tinha passado algum tempo com ela em uma base regular. Nesse ponto, ao invés de ajudá-la a descobrir como atrair parceiros apropriados, o terapeuta sugeriu que sexo com ele ajudaria ela a ficar mais confortável com homens. Ela consentiu, na esperança de que fosse se casar com o terapeuta. Sua desilusão eventual foi uma experiência insuportável que a levou ao suicídio. 

Quase todos os psiquiatras acreditam que o contato sexual com um paciente é inapropriado e normalmente prejudicial. Diversos estados norte-americanos têm leis proibindo tais contatos. Em alguns estados é um delito criminal, enquanto em outros é considerado imperícia e pode levar a perda da licença. Em 1990, um júri da Califórnia conferiu 1,5 milhão de dólares a uma mulher que disse ter sido explorada por um psiquiatra  que a tinha tratado. Testemunhos durante o julgamento indicaram que eles começaram a se encontrar quase após dois anos do tratamento. A paciente disse que embora estivesse extremamente feliz durante o início de seu relacionamento, ela ficou severamente deprimida quando ele terminou. Em 1993, o comitê de diretores da American Psychiatric Association declarou que "atividade sexual com um paciente atual ou antigo é anti-ético." [1]

Referência

1. The Principles of Medical Ethics with Annotations Especially Applicable to Psychiatry. Washington DC: American Psychiatric Association, 1993.

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Porções desse artigo apareceram na sexta edição do Consumer Health: A Guide to Intelligent Decisions. Informações adicionais foram desenvolvidas com o auxílio do psiquiatra Eric Goranson, M.D., de Portland, Oregon.

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Artigo publicado em 12 de maio de 2001.