Stephen Barrett, M.D.
Linus Pauling, Ph.D., foi a única pessoa que ganhou dois prêmios Nobel sem dividir. Ele recebeu os prêmios de química em 1954 e da paz em 1962. Sua morte recente estimulou muitos tributos a suas conquistas científicas. Seu impacto no mercado da saúde, entretanto, foi tudo menos louvável.
Pauling é largamente responsável pela disseminação da crença errônea de que altas doses de vitamina C são eficazes contra resfriados, gripes e outras doenças. Em 1968, ele postulou que as necessidades das pessoas por vitaminas e outros nutrientes variam notadamente e que para manter boa saúde, muitas pessoas precisam de quantidades de nutrientes muito superior a Ingestão Diária Recomendada (IDRs). E ele especulava que megadoses de certas vitaminas e minerais podiam muito bem ser o tratamento de escolha para algumas formas de doenças mentais. Denominou esta abordagem de "ortomolecular," que significa "molécula certa." Após isto, continuamente expandiu a lista de doenças que ele acreditava poderiam ser influenciadas pela terapia "ortomolecular" e o número de nutrientes disponíveis para tal uso. Nenhum cientista da nutrição ou médico responsável compartilha estes pontos de vista.
Em 1970, Pauling anunciou em Vitamin C and the Common Cold que tomar 1.000 mg de vitamina C diariamente reduziria a incidência de resfriados em 45% para a maioria das pessoas mas que algumas precisariam quantidades muito maiores. (A IDR para vitamina C é de 60 mg). A revisão de 1976 do livro, agora com o título de Vitamin C, the Common Cold and the Flu, sugeria doses ainda maiores. Um terceiro livro, Vitamin C and Cancer (1979) alega que altas doses de vitamina C podem ser eficazes contra o câncer. Já outro livro, How to Feel Better and Live Longer (1986), declarou que megadoses de vitaminas "podem melhorar sua saúde geral . . . aumentar sua satisfação com a vida e pode ajudar no controle de doenças cardíacas, câncer e outras doenças e retardar o processo de envelhecimento." O próprio Pauling informou que tomava pelo menos 12.000 mg diários e aumentava para 40.000 mg se os sintomas de um resfriado aparecesse. Em 1993, após ser submetido a radioterapia por um câncer na próstata, Pauling disse que a vitamina C havia adiado o início do câncer por vinte anos. Esta não foi uma alegação testável. Ele morreu da doença em agosto de 1994 aos 93 anos de idade.
O fato científico é estabelecido quando a mesma experiência é conduzida muitas e muitas vezes com os mesmos resultados. Para testar o efeito da vitamina C em resfriados, é necessário comparar grupos que usaram a vitamina com grupos similares que receberam um placebo (uma pílula falsa que se parece com a real). Uma vez que o resfriado comum é uma doença muito variável, os testes apropriados devem envolver centenas de pessoas significativamente por longos períodos de tempo. Pelo menos 16 estudos bem-conduzidos, duplo-cegos mostraram que a suplementação com vitamina C não previne resfriados e na melhor das hipóteses pode reduzir levemente os sintomas de um resfriado. A leve redução dos sintomas pode ocorrer como o resultado de um efeito semelhante a um anti-histamínico, mas se isto tem valor prático é uma questão de controvérsia. Os pontos de vista de Pauling são baseados nos mesmos estudos considerados pelos outros cientistas, mas sua análise foi falha.
Os maiores ensaios clínicos, envolvendo milhares de voluntários, foram dirigidos pelo Dr. Terence Anderson, professor de epidemiologia na Universidade de Toronto. No todo seus estudos sugerem que doses extras de vitamina C podem reduzir levemente a severidade de resfriados, mas não é necessário tomar as altas doses sugeridas por Pauling para conseguir este resultado. Também não há vantagem alguma em tomar suplementos de vitamina C o ano todo na esperança de prevenir resfriados.
Outro estudo importante foi anunciado em 1975 por cientistas da National Institutes of Health que compararam os comprimidos de vitamina C com um placebo antes e durante resfriados. Ainda que o experimento fosse supostamente para ser duplo-cego, metade dos participantes foram capazes de adivinhar quais comprimidos estavam recebendo. Quando os resultados foram tabulados com todos os participantes reunidos, o grupo da vitamina relatou menos resfriados por pessoa por um período de nove meses. Mas entre a metade que não tinha adivinhado quais pílulas tinha recebido, nenhuma diferença na incidência ou severidade foi encontrada. Isto ilustra como as pessoas que pensam estar fazendo algo eficaz (como tomar uma vitamina) podem relatar um resultado favorável mesmo quando não existe nenhum.
Em 1976, Pauling e Dr. Ewan Cameron, um médico escocês, relataram que uma maioria em uma centena de pacientes "terminais" de câncer tratados com 10.000 mg de vitamina C diariamente sobreviveram três ou quatro vezes mais que pacientes similares que não receberam suplementos de vitamina C. Entretanto, Dr.William DeWys, chefe de investigações clínicas do National Cancer Institute, descobriu que o estudo foi muito mal conduzido porque os grupos de pacientes não eram comparáveis. Os pacientes da vitamina C eram de Cameron, enquanto os outros pacientes ficaram sob os cuidados de outros médicos. Os pacientes de Cameron começaram com a vitamina C quando ele os rotulava de "intratáveis" por outros métodos, e sua sobrevivência subseqüente foi comparada com a sobrevivência dos pacientes "controle" após eles terem sido rotulados intratáveis por seus médicos. DeWys ponderou que se os dois grupos fossem comparáveis, o período de tempo de entrada no hospital para serem rotulados como intratáveis deveria ser equivalente em ambos os grupos. Entretanto, ele descobriu que os pacientes de Cameron foram rotulados intratáveis muito antes no curso de sua doenças -- o que significa que eles deram entrada no hospital antes de ficarem tão doentes quanto os pacientes dos outros médicos e seria naturalmente esperado que vivessem por mais tempo.
Apesar disto, para testar se Pauling podia estar correto, a Mayo Clinic conduziu três estudos duplo-cegos envolvendo um total de 367 pacientes com câncer avançado. Os estudos, publicados em 1979, 1983 e 1985, concluíram que os pacientes que receberam 10.000 mg de vitamina C diariamente não ficaram melhores que aqueles que receberam um placebo. Pauling criticou o primeiro estudo, alegando que os agentes quimioterápicos podem ter suprimido o sistema imune dos pacientes de modo que a vitamina C não pudesse funcionar. Mas seu relato de 1976 sobre o trabalho de Cameron afirma claramente que: "Todos os pacientes são tratados inicialmente de um modo perfeitamente convencional, através da cirurgia, uso da radioterapia e da administração de hormônios e substâncias citotóxicas." E durante uma palestra subseqüente na University of Arizona, ele declarou que a terapia com vitamina C podia ser utilizada em conjunto com todas as modalidades convencionais. Os participantes no estudo de 1983 não se submeteram ao tratamento convencional, mas de qualquer modo Pauling rejeitou seus resultados.
Ciência à parte, é claro que Pauling estava politicamente alinhado com os promotores de práticas não científicas envolvendo a nutrição. Ele disse que seu interesse inicial por vitamina C surgiu através de uma carta do bioquímico Irwin Stone, com quem subseqüentemente manteve uma sólida relação de trabalho. Ainda que Stone fosse freqüentemente citado como "Dr. Stone," suas únicas credenciais eram um certificado atestando a conclusão de um programa de dois anos em química, um título honorário em quiropraxia da Los Angeles College of Chiropractic, e um "Ph.D." da Donsbach University, uma escola por correspondência não credenciada.
Num capítulo pouco divulgado do livro Vitamin C and the Common Cold, Pauling atacou a indústria dos alimentos-saudáveis por confundir seus consumidores. Apontou que a vitamina C "sintética" é idêntica à vitamina C "natural", advertiu que os dispendiosos produtos "naturais" são um "desperdício de dinheiro." E acrescentou que "as palavras 'crescimento orgânico' são essencialmente sem sentido -- apenas parte do jargão utilizado pelos promotores dos alimentos-saudáveis para lucrar ainda mais, freqüentemente com pessoas idosas de baixa renda." Mas Vitamin C, the Common Cold and the Flu, publicado seis anos mais tarde, não continha nenhuma destas críticas. Esta omissão não foi acidental. Em resposta a uma carta, Pauling informou-me que, após seu primeiro livro tornar-se público, ele foi "fortemente atacado por pessoas que estavam também atacando as pessoas dos alimentos-saudáveis." Seus críticos foram tão "preconceituosos", que ele decidiu que não poderia mais ajudá-los a atacar a indústria dos alimentos-saudáveis enquanto a outra parte de seus ataques estavam dirigidos contra ele.
O Linus Pauling Institute of Medicine, fundado em 1973, é dedicado a "medicina ortomolecular." O maior doador corporativo do instituto tem sido a Hoffmann-La Roche, a gigante farmacêutica que produz a maior parte da vitamina C do mundo. Muitos dos folhetos de arrecadação de fundos do instituto contêm informações questionáveis. Eles têm falsamente alegado, por exemplo, que nenhum progresso significativo foi feito no tratamento do câncer nos últimos vinte anos. Este ponto de vista, que é freqüentemente expresso pelos promotores de terapias de câncer não comprovadas, é simplesmente inverídico.
Uma disputa entre Pauling e Arthur Robinson, Ph.D., forneceu a evidência adicional de que a defesa de Pauling das megadoses de vitamina C eram tudo menos honestas. Robinson, um ex-aluno e associado de longa data de Pauling, auxiliou a fundar o instituto e tornou-se seu primeiro presidente. De acordo com uma reportagem feita por James Lowell, Ph.D., no boletim Nutrition Forum, a própria pesquisa de Robinson levou-o a concluir em 1978 que as altas doses (5-10 gramas por dia) de vitamina C que eram recomendadas por Pauling, podia na verdade promover alguns tipos de câncer em camundongos. Robinson contou a Lowell, por exemplo, que os animais alimentados com as quantidades equivalentes às recomendações de Pauling desenvolveram câncer de pele quase duas vezes mais freqüentemente que o grupo controle e que somente doses de vitamina C próximas das letais tinham algum efeito protetor. Logo após anunciar isto a Pauling, Robinson foi pedido para se desligar do instituto, seus animais experimentais foram mortos, seus dados científicos foram apreendidos, e alguns dos resultados de pesquisas anteriores foram destruídos. Pauling também declarou publicamente que a pesquisa de Robinson era "amadora" e inadequada. Robinson respondeu processando o Instituto e os membros da diretoria. Em 1983, a ação foi resolvida fora dos tribunais por 575 mil dólares. Em uma entrevista para a Nature, Pauling disse que o acordo "representou nada mais que uma compensação pela perda do escritório e pelos custos das despesas legais de Robinson." Entretanto, o acordo aprovado pelo tribunal declarou que 425 mil dólares da ação foi por calúnia e difamação.
Durante meados da década de 70, Pauling ajudou a liderar a campanha da indústria de alimentos-saudáveis por uma lei federal que enfraqueceu a proteção dos consumidores pelo FDA contra alegações enganosas sobre nutrição. Em 1977 e 1979, Pauling recebeu prêmios e apresentou seus pontos de vista sobre a vitamina C nas convenções anuais da National Nutritional Foods Association (a maior associação comercial de varejistas, distribuidores e produtores de alimentos-saudáveis). Em 1981, ele recebeu um prêmio da National Health Federation (NHF) por "serviços prestados em benefício da liberdade de escolha na saúde" e deu a sua filha um título de membro vitalício nesta organização. A NHF promove a gama completa do charlatanismo. Muitos de seus líderes têm enfrentado problemas com a justiça e alguns até mesmo foram sentenciados à prisão por várias atividades ligadas à "saúde". Pauling também falou em um Seminário de Sucesso Profissional da Parker School, um encontro onde foi ensinando a quiropráticos métodos altamente questionáveis de estabelecer suas carreiras. E anúncios para o encontro convidavam quiropráticos a posarem com Pauling para uma fotografia (a qual presumivelmente podia ser usada para publicidade quando os quiropráticos retornassem para casa).
Em 1981, após saber que Pauling havia doado dinheiro para a NHF (pelo título de membro vitalício de sua filha), perguntei se ele sabia a respeito dos antecedentes de reputação duvidosa da NHF e o fato de que era a principal força antifluoretação nos Estados Unidos. Também perguntei se ele não se importava que o dinheiro podia ser usado para ajudar a combater a fluoretação. Em uma série de cartas, ele replicou que: (1) firmemente apoiava a fluoretação, (2) estava a par da oposição da NHF, (3) tentou pressionar a organização para mudar seus pontos de vista, (4) tinha discursado a favor freqüentemente e por muitos anos, e (5) achava que outros temas eram mais importantes. Também me enviou uma declaração pró-fluoretação que ele tinha publicado em 1967. Sua afirmação de que tinha discursado a favor da fluoretação me surpreendeu. Apesar de ter lido milhares de documentos relacionados aos pontos de vista e atividades de Pauling, nunca tive qualquer indicação de que ele havia publicamente apoiado a fluoretação.
Em 1983, Pauling e Irwin Stone testemunharam em uma audiência a favor de Oscar Falconi, um promotor de vitaminas acusado pelo Serviço Postal por fazer alegações falsas de diversos produtos. Pauling sustentou as considerações de Falconi de que a vitamina C era útil não apenas na prevenção do câncer, mas também na cura de viciados em drogas e na eliminação tanto de vírus como de bactérias. Pauling também testemunhou em 1984 perante ao Comitê de Garantia da Qualidade Médica da Califórnia em defesa de Michael Gerber, M.D., que fora acusado de prescrever de maneira inapropriada aos pacientes. Um destes pacientes era uma mulher de 56 anos com câncer tratável que -- o Comitê concluiu -- havia morrido como resultado da negligência de Gerber enquanto ele a tratava com ervas, enzimas, enemas de café e terapia com quelantes. Os outros pacientes eram dois gêmeos de três anos de idade com infecções de ouvido para os quais Gerber havia prescrito 70.000 ou mais unidades de vitamina A diariamente e enemas de café duas vezes por dia durante várias semanas. Gerber perdeu sua licença para exercer a medicina como resultado da audiência.
Um folheto distribuído em 1991 pelo Linus Pauling Institute recomendava doses diárias de 6.000 a 18.000 mg de vitamina C, 400 a 1.600 UI de vitamina E e 25.000 UI de vitamina A, além de várias outras vitaminas e minerais. Estas dosagens não têm nenhum benefício comprovado e podem causar efeitos colaterais perturbadores.
Apesar das alegações de Pauling sobre megavitaminas carecerem da evidência necessária para aceitação pela comunidade científica, elas têm sido aceitas por um grande número de pessoas que carecem de conhecimento científico para avaliá-las. Graças em grande parte ao prestígio de Pauling, as vendas anuais de vitamina C nos Estados Unidos têm estado na casa das centenas de milhões de dólares há muitos anos. O dano físico às pessoas que ele desencaminhou é imensurável.
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Altas Doses de Vitamina C Não São Eficazes no Tratamento do Câncer
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