AULA 8 – Raiz das Angiospermas
Caracterizar as primeiras angiospermas poderia resolver alguns mistérios sobre sua origem e diversificação. O perfil das primeiras angiospermas, entretanto, continuava controverso. De acordo com a teoria antostrobilar dominante no século passado e amplamente difundida pelo sistema de classificação de Cronquist (1988), as primeiras angiospermas seriam arbóreas. Por outro lado, baseado principalmente na vantagem adaptativa de um desenvolvimento rápido em ambientes instáveis, Stebbins (1965) sugeriu que as primeiras angiospermas seriam arbustivas. Com o desenvolvimento dos estudos cladísticos, surgiram hipóteses filogenéticas contrastantes. Enquanto, algumas análises sustentavam que as primeiras angiospermas seriam realmente arbóreas com flores grande e bissexuais, semelhantes aos grupos de Magnoliaceae e Winteraceae, outros estudos defendiam que as primeiras angiospermas seriam arbustivo-herbáceas, com flores reduzidas e unissexuais, semelhantes às Chloranthaceae. Essas duas hipóteses rivais indicavam portanto situações evolutivas concorrentes (veja Doyle & Donoghue 1992).
Como demonstrado através de vários estudos cladísticos no final da década de 90, não existe nenhuma gimnosperma viva que possa ser considerada mais relacionada com as angiospermas e que portanto pudesse ser usada com confiança na polarização de caracteres em análise morfológicas (dificuldade na detecção de homologias) ou no enraizamento de análises moleculares (risco de atração de ramos longos, mas veja Qiu et al. 2001). Existe uma enorme lacuna entre a origem da linhagem das angiospermas e o surgimento das angiospermas atuais. A linhagem das angiospermas teria aparecido próximo ao Devoniano (ca. 320 Ma), juntamente com o surgimento da linhagem das gimnospermas atuais, enquanto fósseis registram as primeiras angiospermas seguramente apenas a partir do Neocomiano (ca. 130 Ma). As gimnospermas representam o grupo mais relacionado com as angiospermas, ainda assim essa relação é muito antiga e a inclusão das gimnosperma como grupo externo poderia levar a desvios na análise das relações dentre as angiospermas.
Descobrir os grupos que teriam divergido inicialmente na diversificação das angiospermas seria um passo importante na caracterização das primeiras linhagens. Entretanto, a distância evolutiva entre as angiospermas e os demais grupos de espermatófitas vivas dificultava essa tarefa, colocando em dúvida os resultados. Mathews & Donoghue (1999) tentaram, então, uma abordagem inteligente para tentar detectar as angiospermas que teriam divergido no início da evolução do grupo, sem que para isso tivessem que usar grupos externos na polarização de sua árvore. Eles usaram um do par de genes parálogos do fitocromo, PHYA e PHYC. Esse par de genes é exclusivo das angiospermas; nas demais plantas com sementes existe apenas uma copia do gene. Assim, a divergência entre esse parálogos teria acontecido durante a evolução das angiospermas e o esperado seria uma árvore com duas subárvores semelhantes para cada um dos genes, conectadas por um ramo que representaria a raiz das angiospermas. Eles usaram 26 espécies abrangendo os grupos tidos como os mais prováveis de representar as linhagens que primeiro divergiram. O resultado foi apenas uma árvore mais parcimoniosa apontando Amborella (Nova Caledônia) como a primeira linhagem divergente em angiospermas; as subárvores foram em grande parte congruentes. Eles, então, combinaram a informação dos dois genes e enraizaram em Amborella obtendo duas árvores mais parcimoniosas, onde Nymphaeaceae (Nymphaea e Cabomba) seria a próxima linhagem divergente seguida de Austrobaileya. Esse estudo era consistente com outros que vinham sendo produzidos na mesma época a partir de análise multigênicas (e.g. Parkinson et al. 1999. Qiu et al. 1999, Soltis et al. 1999).
As primeiras angiospermas seriam, portanto, dióicas e teriam o carpelos soldados por secreção, mas que essa condição teria aparecido secundariamente em Chloranthaceae e Nelumbonaceae. As flores não seriam grandes, nem pequenas, mas intermediárias, a partir da qual teriam derivado os extremos. Elas não teriam vasos, sendo a ausência de vasos em Winteraceae uma característica também secundária, e nem óleos essenciais. Outra conclusão aparente é que a diversificação das angiospermas não foi tão rápida no início e não esteve relacionada com o surgimento das flores, uma vez que a diversidade desses grupos próximos da raíz é pequena. Essa diversificação teria ocorrido em grupos mais deroivados que teriam adquirido hábito herbáceo.
Os primeiros estudos moleculares não eram convincentes na detecção dos padrões filogenéticos para o início da diversificação das angiospermas porque a sustentação dos clados era geralmente fraca e eventualmente contraditória. Um exemplo é a formação de dois clados basais em angiospermas conforme rbcL (não-eudictotiledôneas e eudicotiledôneas; Chase et al. 1993) incongruente com o grado das não-eudicotiledôneas conforme 18S DNAr (Soltis et al. 1997) e atpB (Savolainen et al. 2000). A inclusão de mais genes numa análise combinada poderia aumentar a resolução assim como o suporte de alguns clados. Qiu et al. (1999, 2000) apresentaram resultados da combinação de cinco regiões representando os três genomas: atp1 e matR (mitocôndria), atpB e rbcL (cloroplasto) e 18S DNAr (nuclear). Eles analisaram 97 espécies (8741 caracteres) e detectaram na base das angiospermas um grado (ANITA) composto por Amborella, seguido de Nymphaeales e um clado constituído de Illiciales (Am. N.), Trimeniaceae (S. Ásia) e Austrobaileyaceae (S. Ásia). ANITA foi obtida também em todas as análise individuais, exceto em atp1, onde Amborella aparece entre as eudicotiledôneas. Esse disparate está relacionado ao seqüenciamento de um pseudogene (Barkman et al. 2000). Ainda assim, enquanto o critério de parcimônia sustenta Amborella como linhagem mais basal das angiospermas, o uso de máxima verossimilhança favorece o clado formado por Amborella e Nymphaeales. Parkinson et al. (1999) também usaram cinco genes dos três genomas: incluindo mtSSU DNAr, cox1 e rps2 (mitocôndria), rbcL (cloroplasto) e nuSSU DNAr (nuclear). Apesar das análises individuais não serem muito informativas, a combinada confirmou ANITA como grado basal. Os resultados, entretanto, não apresentaram diferenças significativas entre uma topologia considerando Amborella ou um clado com Amborella e Nymphaeales como grupo que primeiro divergiu.
Barkman et al. (2000) realizaram análises com 33 táxons e seis genes e com 15 táxons e nove genes. Eles utilizaram parcimônia sem e com pesagem para transversão, NJ com vários modelos evolutivos de substituição e máxima verossimilhança com dois modelos evolutivos. A idéia é que os resultados de alguns estudos eram dependentes do método de análise e que a convergência dos resultados de vários genes através de vários métodos ofereceria grande sustentação para o padrão hierárquico basal das angiospermas. Eles utilizaram o RASA, programa que avalia o sinal de modo a indicar o melhor local para enraizar a árvore e minimiza barulhos e efeitos de ramos longos. Eles detectaram um par de genes de atpA em amborella, o que teria desviado os resultados de Qiu (2000). As cópias eram bem distintas, uma indicando sua relação com as eudicotiledôneas e outra sugerindo sua posição na base das angiospermas, concordando com as demais regiões. Mais uma vez, as análises apontaram tanto Amborella como o clado de Amborella e Nymphaeales como mais prováveis candidatos a representarem as primeiras linhagens de angiospermas. Entretanto, existe mais suporte para a segunda opção, principalmente com a redução do barulho através do RASA, o qual também diminui o conflito entre as regiões e métodos.
Os resultados não dependem só dos métodos e das regiões, mas também da amostragem. Um exemplo, é o estudo com 17 genes de cloroplasto (13,4 Kb; Graham & Olmstead 2000). A inclusão de Cabomba como representante exclusivo de Nymphaeales indica que Amborella não seria a primeira linhagem a divergir nas angiospermas, mas sim Cabomba, hipótese bem sustentada. Por outro lado, a inclusão de Nymphaea, empurra Amborella para a base das angiospermas, seguida por Nymphaeales, hipótese com suporte regular. Esse estudo foi seguido por outro com 11 genes, mas incluindo mais de 15Kb analisados de acordo com MP, MV e Bayesiana (Zanis et al. 2002). A maioria dos resultados sustentaram a posição de Amborella na raiz das angiospermas; porém, parte dos dados eventualmente sustentou fracamente uma raiz alternativa a partir de Amborella e Nymphaeales.