Aula 10 –Irradiação e Datação das angiospermas
Irradiação
Irradiação é um conceito controverso. Alguns associam irradiação com o número de espécies, outros com a disparidade entre elas. De maneira geral, entretanto, o conceito está associado ao tempo. Irradiação pode ser entendida como uma grande diversificação em um curto espaço de tempo (Sanderson 1998). Essa diversificação pode não resultar necessariamente em um grande número de espécies, mas em poucas espécies muito distintas entre si.
As justificativas mais comuns para explicar a irradiação de um grupo são novidades evolutivas intrínsecas ao organismo capazes de oferecer maior adaptação a determinadas condições ou mudanças ambientais (extrínsecas) que acabam por tornar adaptativas características até então não relevantes (exaptidão) e assim favorecer a evolução de determinados grupos que já apresentavam essas características. A detecção de características-chave para a diversificação de um grupo tornaria a evolução previsível. Todavia, tal característica depende de determinadas condições, tornando a evolução imprevisível (Queiroz 2002). Geralmente, o organismo possui um potencial genotípico que permite a exploração de uma porção do ambiente, assim como o ambiente determina a variação fenotípica a ser realizada pelo organismo. Uma das principais inovações chaves é a ampliação da capacidade fenotípica. Em muitos casos, o aumento da adaptabilidade é uma adaptação importante na irradiação dos seres vivos pois permite a exploração de mais tipos de ambientes e torna o grupo menos suscetível a mudanças ambientais. Toda adaptação surge, portanto, de uma pré-adaptação intrínseca, ou seja, de um potencial genotípico. A irradiação adaptativa, dessa maneira, leva ao aumento na diversidade de formas interpretadas como táxons (Foote 1997).
Exercícios prévios (Doyle & Donoghue 1993, Sanderson & Donoghue 1994) demonstraram que estimativas da taxa de diversificação inicial das angiospermas está diretamente relacionada com a topologia da árvore, mais especificamente com a raiz das angiospermas. Atualmente, Amborella é considerada a raiz das plantas com flores, indicando que a inovação-chave que teria levado à grande diversificação das angiospermas não teria ocorrido concomitantemente com sua origem. Uma alternativa para essa hipótese seria uma intensa extinção nos grupos basais, pouco diversos, o que, baseado em dados fósseis, não parece ter sido o caso.
Irradiação é um termo relativo. Não existe um critério absoluto para definir se um grupo sofreu ou está sob irradiação evolutiva. Esse conceito está relacionado com a taxa evolutiva média dos grupos relacionados. Assim, para entender os padrões de diversificação das angiospermas é essencial saber as taxas evolutivas dos grupos para compará-las. A estimativa das taxas evolutivas é realizada a partir de duas variáveis: o tempo de existência e o grau de evolução do grupo. Essa estimativa integra informações morfológicas e moleculares. A morfologia permite estabelecer uma correspondência entre fósseis e grupos atuais para a datação de clados, assim como estimatar a diversidade traduzida em número de espécies. Os dados moleculares auxiliam na estimativa das relações filogenéticas, na estimativa da idade de clados sem registros fósseis conclusivos (veja a seguir) e eventualmente na detecção dos graus de evolução a partir de substituições de pares de base em seqüências de DNA.
Datação das angiospermas
Os fósseis são amplamente utilizados para se estabelecer a idade mínima de um grupo, mas nem todos os grupos possuem fósseis informativos. Assim, grupos cujo registro fóssil é suficiente para a datação são utilizados para estimar a taxa evolutiva, a qual é então extrapolada para os demais grupos, baseado na premissa do relógio molecular. Essa premissa, sustentada pela teoria de neutralidade, segundo a qual a maioria das mutações são neutras e a deriva genética, o principal processo evolutivo, sugere que a taxa média de substituição é constante ao longo da evolução. Assim, a taxa evolutiva de um grupo pode ser obtida pela razão entre o comprimento do ramo e sua idade.
A aparição repentina das angiospermas no registro fóssil a partir do Cretáceo Inferior (130-140 Ma), assim como a presença de fósseis pré-cretácicos cuja classificação é controversa estimulou a tentativa para se estimar a origem do grupo com dados moleculares. O primeiro estudo (Ramshaw et al. 1972) nesse sentido foi realizado com aminoácidos do citocromo c e revelou que as angiospermas teriam surgido por volta do Siluriano (350-420 Ma). Martin et al. (1989), calibrando a árvore a partir da divergência de plantas, animais e fungos em 1000 Ma, estimou a separação entre mono e dicots para o Carbonífero (ca. 319 Ma). No mesmo ano, Wolfe et al. (1989) baseados em RNAr e outros genes de plastídeos, e usando dois pontos de calibragem, separação dos musgos das outras plantas terrestres (400, o adequado seria 450 Ma) e a divergência das gramíneas (60Ma), estimaram a origem das angiospermas em 200 Ma. Corrigindo a datação para separação das briófitas (450 Ma) e incluindo uma calibragem para coníferas (330 Ma), Martin et al. (1993), baseados em gapC e rbcL, verificaram que a taxa de substituição dessas regiões não variava significativamente e poderia ser usada através do relógio molecular para estimar a idade das angiospermas. Eles obtiveram então 300 +/- 40 Ma. Assim, as plantas com flores teriam surgido no Carbonífero superior. Goremink et al. (1997), em uma análise incluindo 14295 aminoácidos de 58 proteinas referentes ao genoma completo do cloroplasto de seis espécies e calibrando a árvore em Musgos (450 Ma), estimaram a divergência entre coníferas e angiospermas em 340 Ma e de Nicotiana (Eudicot) e Zea-Oryza (Monocot) em 160 Ma. Dados mais compatíveis com os registros fósseis.
A observação de vários pares de clados irmãos, e portanto, grupos de mesma idade, com diferenças significativas no número de espécies e/ou comprimento dos ramos indicam que existem desigualdades na taxa de diversificação entre grupos. Assim, a utilização de taxas de evolução constantes na estimativa da idade dos grupos pode levar a erros grosseiros. Bremer (2000) utilizou, então, oito pontos de calibragem para datar os clados de monocotiledôneas. Ele obteve diferentes taxas evolutivas para cada parte da árvore, mas ramos significativamente mais longos estavam restritos a apenas dois clados (Commelinaceae + Zingiberaceae e Poales). Supondo que as diferenças entre as taxas evolutivas seriam derivados de erros na calibragem, ele assumiu uma taxa de evolução média para a árvore toda, com exceção dos ramos mais longos. Os dados de Bremer indicaram que as monocotiledôneas já estavam bem diversificadas no Cretáceo Inferior. Catorze linhagens de monocotiledôneas atuais existem há mais de 100 Ma, a maioria dessas linhagens possuem mais de 1000 espécies e uma distribuição pantropical. Aparentemente, o número de linhagens de eudicotiledôneas nesse período era cerca de duas vezes maior do que o das monocot.
Existe uma discordância entre a datação para a origem das angiospermas obtida a partir de dados moleculares e a datação mínima determinada por registros fósseis seguros. Entretanto, são inúmeros as possíveis fontes de erro ao se estimar a idade do grupo a partir de dados moleculares. Inicialmente, é preciso distinguir a idade do ramo, ou seja, quando as angiospermas divergiram das gimnospermas, e o surgimento das angiospermas atuais. A calibragem pode estar errada, seja em relação a datação do fóssil (idade mínima), seja em relação a sua classificação (posição na árvore). Uma topologia errada possivelmente resultará em uma idade errada para os grupos. Modelos evolutivos distintos ou ruídos podem influenciar o comprimento dos ramos e assim gerar idades diferentes para um mesmo clado. Finalmente, variações na taxa de evolução entre grupos e entre genes também podem levar a erros grosseiros na datação de eventos filogenéticos (Sanderson & Doyle 2001).
Duas de doze árvores igualmente parcimoniosas obtidas a partir de rbcL, uma com Oriza e outra com amborella na raiz das angiospermas resultam implicam em idades muito contrastantes para a idade das angiospermas, 214 e 124, respectivamente. Por outro lado, alterações fora das angiospermas, como assumir as antófitas ou as gimnospermas como grupos monofiléticos, não implicam mudanças consideráveis na idade das angiospermas. Todavia, uma análise de rbcL forçando Lycopodium com o grupo irmão das demais plantas com semente e as coníferas como grupo monofilético resulta em 139 Ma para a idade das angiospermas. A amostragem também influencia a datação dos clados. A utilização apenas de grupos herbáceos resulta um idade mais avançada para as angiospermas. Uma análise de bootstrap (freqüência das árvores obtidas em replicagens assumidas na confiança da idade das angiospermas) indicou que existe uma diferença na confiança da idade das angiospermas de acordo com a posição do códon utilizada nas seqüencias de rbcL. A influência de modelos é maior na terceira posição, o que deve estar relacionado com a maior necessidade de correções para a estimativa dos comprimentos de ramos, já que número de homoplasias nessa posição é maior. Dessa forma, talvez a discrepância entre a idade das angiospermas indicada pelo registro fóssil e a estimada pelas análises moleculares seja resultado de erros como a utilização de poucos terminais, geralmente herbáceos, taxa de evolução constante para os grupos e regiões distintas (Sanderson & Doyle 2001).
O suavizamento não paramétrico da taxa evolutiva (non parametric rate smoth, NPRS) foi proposto por Sanderson (1997) como alternativa para o relógio molecular. Esse método permite a variações de taxas evolutivas entre clados, assumindo que essas mudanças, por serem herdadas, estão auto-correlacionadas. Esse método foi usado por Wikstrom et al. (2001) para estimar idade para os clados de angiospermas em geral. Eles utilizaram uma das 8000 árvores mais parcimoniosas obtidas com rbcL, atp e 18 DNAr (Soltis et al. 1999). A topologia das 8000 árvores, entretanto, não diferem em relação aos clados de maior interesse, angiospermas e eudicotiledôneas. Eles estimaram o comprimento dos ramos a partir de máxima parcimônia e verossimilhança e a idade relativa entre os clados utilizando o NPRS. A calibragem foi estabelecida a partir de um fóssil supostamente confiável, a divergência entre Fagales e Curcubitales, no Santoniano (84 Ma). A estimativa para a idade das angiospermas foi entre 179-158 Ma e das eudicotiledôneas entre 147- 131 Ma (variação encontrada conforme o critério usado para obter o comprimento dos ramos). Os resultados indicam que a origem desse grupos seria anterior ao seu aparecimento no registro fóssil. Os possíveis erros nessa análise podem estar na calibragem já que os fósseis indicam apenas a idade mínima, na taxa de evolução, já que não existe comprovação de que essas taxas sejam correlacionadas, e na topologia, já que foi usada uma de 8000 árvores.
Taxa de diversificação
Uma vez que grupos irmãos possuem freqüentemente número de espécies diferentes, essa disparidade não pode estar relacionada com a idade desses grupos, mas sim com diferentes taxas de diversificação. Exemplos desse tipo representam excelentes estudos de caso na investigação de fatores, mecanismos e condições relevantes para o aumento na taxa de diversificação, e que portanto, favoreceriam processos de especiação. Em um modelo simples, diversificação seria igualado a especiação, mas num modelo mais complexo de nascimento e morte, a taxa de diversificação passa a estar relacionada com a taxa de especiação e a taxa de extinção. Uma diminuição na taxa de extinção em um modelo simples poderia refletir erroneamente um aumento na taxa de especiação, por exemplo. A extinção não é aleatória e parece influenciar mais nitidamente ramos mais velhos (Purvis & Agapow 2002)
O formato e as medidas de uma árvore filogenética podem também elucidar algumas características relacionadas ao processo de diversificação. Estudos recentes procuram desvendar as causas que levariam ao aumento na especiação de um grupo. Até a década de 70, inovações evolutivas eram consideradas as principais causas para um aumento na diversificação. Entretanto, o surgimento de teorias de especiação aleatória e a falta de comprovação de inovações-chave sugeriam que as variações na diversidade dos grupos seria ao acaso (Queiroz 2002). As discrepâncias no número de espécies ao longo da árvore indica a presença de uma causa para taxas de diversificação distintas, já que as diferenças são maiores que aquelas esperadas por uma variação aleatória (Chan & Moore 2002).
Duas abordagens principais são utilizadas para explorar o tema: a temporal, baseada no comprimento dos ramos, e a topológica, baseada no uso de grupos-irmãos e no número de espécies. Estudos recentes (Savolainen et al. 2002), por exemplo, sugerem uma relação entre os tamanhos de ramos. Um nó precedido de um ramo mais curto em relação ao clado irmão tenderia a produzir ramos mais curtos também. Ou seja, a taxa de diversificação seria hereditária. Plantas monóicas, as quais possuem uma taxa de diversificação mais alta que as dióicas, tendem a gerar plantas monóicas e portanto manter a taxa de diversificação mais alta. Entretanto, o registro fóssil indica que linhagens previamente depauperadas radiaram, ou seja, tiveram um enorme aumento na taxa de diversificação (Purvis & Agapow 2002).
A assimetria de uma árvore é mais acentuada em níveis mais distantes dos terminais e táxons basais tendem a ser mais numerosos (exceção nas angiospermas). Dentre as possíveis explicações para esse fenômeno está a anagênese mais curta o que faria com que seu reconhecimento fosse mais difícil, induzindo à união de mais espécies, e conseqüentemente formação de grupos maiores. Entretanto, a comparação legítima entre grupos taxonômicos fica restrita a grupos irmão. Pares de clados irmãos são freqüentemente utilizados para estudos macro-evolutivos. Existiria razão para que um clado se diversifique mais que outro? Magallón & Sanderson (2001) incorporaram, então, novas descobertas fósseis e resultados filogenéticos recentes expressados na classificação (APG 1998) na tentativa de comparar as taxas de diversificação entre as angiospermas. Fósseis com apenas algumas sinapomorfias foram considerados representantes do ramo do clado ao passo que aqueles com todas as sinapomorfias do clado atual do respectivo grupo. Eles estabeleceram uma estimativa mínima para a taxa de diversificação na ausência de extinção, e uma máxima, considerando uma alta taxa de extinção, onde a probabilidade do grupo não se extinguir é de ca. de 10%. Para essas duas estimativas foi estabelecido um valor de confiança de 95%, fora do qual os grupos passariam a ser considerados extremamente ricos ou pobres em número de espécie.
Os resultados obtidos sugerem que alguns grupos são relativamente muito ricos, entre eles destacando-se Asterales, Lamiales e Gentianales. Esses grupos possuem um grande número de espécies apesar de sua origem recente. Por outro lado, alguns clados como Nymphaeales e Chloranthaceae são muito probres, ou seja, possuem uma taxa de diversificação muito lenta. Os clados com taxa de diversificação excessivamente alta pertencem principalmente as Asteridae. Essa relação sugere que a taxa alta de diversificação pode ser um caracter surgido no ancestral das Asteridae. Aparentemente, essa taxa de diversificação alta pode ter sido herdada no clado como um todo, tendo revertido em alguns grupos internos, como em plantas dióicos.