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SP: festa pentecostal incomoda Cambuci
Ricardo Valota e José Gonçalves Neto

Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo em 21 de janeiro de 2001

São Paulo - Moradores das ruas próximas a uma Igreja Pentecostal Deus é Amor, localizada na altura do nº 5000 da Avenida do Estado, no Cambuci, região central da cidade de São Paulo, reclamam sobre o excesso de barulho e do lixo acumulado em razão de uma festa que ocorre mensalmente nas dependências da igreja, fundada pelo pastor David Miranda. Desde às 22h de ontem, ônibus com fiéis de várias regiões da cidade e do Estado de São Paulo chegaram à igreja, que está tomada por mais de 5 mil pessoas.

Os que mais sofrem com o lixo acumulado por fiéis e o barulho da festa são os moradores da rua Luís Gama. "O barulho é infernal, não há isolamento acústico, os ônibus com fiéis da igreja e o lixo jogado por eles tomam conta da rua, ninguém consegue dormir.", desabafou o engenheiro Sérgio Jorge Lotfi, que mora há vários anos na rua Luís Gama, no Cambuci.

Sérgio diz que não consegue ser atendido no "Disque-Psiu" , serviço do Programa de Silêncio Urbano da Prefeitura, que recebe reclamações e denúncias diariamente sobre os excessivos decibéis. "Desde o começo da noite tento falar pelo telefone 227 3131, mas só dá ocupado. Acho que tiraram o telefone do gancho, ou então, não funciona nos finais de semana. Isso é um descaso.", reclamou o engenheiro.

A festa, que ocorre mensalmente nesta igreja do Cambuci, deve prosseguir até à tarde de hoje, segundo o morador.

Fiscalização - A fiscalização do Programa Silêncio Urbano (Psiu) vai estar mais empenhada agora em dialogar do que multar. A orientação veio do secretário municipal de Abastecimento, Jilmar Tatto, para quem o esclarecimento e a conversa têm mais eficácia do que a autuação. "Não quero uma indústria de multas."

Com isso, igrejas evangélicas, casas de espetáculos, bares e similares, principais alvos do órgão, terão um tratamento menos repressivo ao serem denunciados pela emissão de altos decibéis.

Para Tatto, a administração anterior tinha uma atitude excessivamente repressora. "Pode acontecer de um pastor mais exaltado, num dia especial, colocar caixas de som do lado de fora, incomodando vizinhos. Se for a primeira vez, não é justo que tenha de pagar R$ 15 mil."

Pensamento: "Você nunca vê animais fazendo as absurdas, e às vezes horríveis, enganações da mágica e da religião. Apenas o homem se comporta com tal enganação gratuita. Esse é o preço que ele tem que pagar por ser inteligente mas não, porém, inteligente o suficiente." Aldous Huxley, autor

Abram as mãos, irmãos

O estadão

Todos os números - e, certamente, os cifrões - que envolvem a Igreja Pentecostal Deus é Amor são impressionantes. Fundada em 1962 pelo pastor que parece preferir ser chamado de missionário, David Martins Miranda, a partir do inebriante chamado divino que tivera no ano anterior, conforme já relatou, hoje é a segunda pentecostal do Brasil e dispõe de cerca de 9 mil templos, espalhados pelo País, com penetração - segundo seus dirigentes - em 136 países. Quinta-feira da semana passada, a "Deus é Amor" inaugurou sua sede mundial, na Baixada do Glicério - região central da cidade de São Paulo: um templo com nada menos do que 70 mil metros quadrados ("o maior do mundo", como dizem seus dirigentes e seguidores), com capacidade oficial para 22.855 pessoas, mas que comportou, na estréia, em seu interior e imediações, mais de 30 mil almas, segundo cálculo da Polícia Militar, apesar da renitente chuva fria.

Já há muito tempo se tem acompanhado, no Brasil, o crescimento em proporção geométrica das seitas pentecostais - enquanto as demais organizações religiosas, como a católica e as protestantes tradicionais, não conseguem crescer nem em proporção aritmética. Quanto à Igreja Católica, que durante os primeiros séculos desde o Descobrimento exerceu neste país-continente uma hegemonia quase absoluta, se tornou a mais notória perdedora de terreno, no campo do pastoreio espiritual, provavelmente por ter canalizado suas melhores energias para o "engajamento político", conforme os ditames da "Teologia da Libertação". Hoje, apesar de enfraquecida essa orientação - certamente por influência da vigente tendência "conservadora" do Vaticano -, a fé católica não consegue recuperar a posição que manteve por séculos, no País.

É claro que o Brasil ainda é um país predominantemente católico e a Igreja de Roma ainda exerce forte influência em nossa sociedade. Mas registre-se o crescimento excepcional do poder de influência das seitas evangélicas - aí se destacando as pentecostais -, a maior das quais é a Igreja Universal do Reino de Deus, do "bispo" Macedo. Esse poder se exerce e se manifesta especialmente nas redes de comunicação social e na formação - em grande parte decorrente daquelas - de bancadas parlamentares no Congresso Nacional.

Quem se der ao trabalho de percorrer as freqüências das estações de rádio em todo o território nacional ficará espantado com a quantidade de emissoras - ou redes inteiras - a serviço de determinadas seitas, seus respectivos pregadores, cantores, compositores, etc. Em vários canais de televisão aberta - tirando os que já pertencem a donos de organizações religiosas - durante as madrugadas se assiste a um desfilar de programas de pura pregação religiosa, com a encenação de dramas e tragédias (supostamente vividos pelos "convertidos"), visando à arregimentação de novos fiéis pela via da emoção.

Mas até aí tudo poderia se justificar em nome da plena liberdade religiosa assegurada pela Constituição brasileira, não fosse o mais escancarado e despudorado sistema de arrecadação de dinheiro usado pelos donos de tais seitas.

Na inauguração de seu megatemplo do Glicério, o "missionário" David Miranda, sempre de dentro de uma redoma de vidro - certamente blindada - em contato direto apenas com a esposa e a irmã, falava ao público presente e, pela via eletrônica, ao Brasil inteiro. Depois de duas horas de pregação, referia-se aos "votos" (termo usado como sinônimo de "doações" dos fiéis), da seguinte maneira: "Amanhã temos de pagar uma parcela do som, que custou R$ 2 milhões.

Por isso, em nome de Jesus, abram suas mãos, irmãos. Sei que muitos podem dar um 'voto' de R$ 1 mil." Minutos depois, três seguidores assinariam cheques nesse valor e os entregariam aos pastores. Então, o "missionário" partiu para nova rodada arrecadatória, indagando: "Quem pode dar uma contribuição de R$ 500,00?"

Talvez o que mais surpreenda seja o fato de um negócio fantástico como esse, que não depende de quaisquer entraves burocráticos - ou governamentais - para funcionar, que não requer registro na Junta Comercial, não corre qualquer risco como corre qualquer outra empresa de qualquer setor da economia, se expande, consegue prodígios de ocupação imobiliária e gera uma fábula de lucros (já demonstrada pelo número e tamanho de suas unidades de "captação") ainda seja explorado por tão poucos. Tratar-se-á de um oligopólio para o qual ainda não está atentando o CADE...?

{Sociedade da Terra Redonda}

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