Publicado no Jornal Folha de São
                Paulo em 18/07/1999
              
              Duas empresas remeteram pelo menos US$ 18
                mi para o Brasil, entre 92 e 94; dinheiro entrou via Uruguai
                Record tem firmas em paraísos fiscais ELVIRA LOBATO da
                Sucursal do Rio A Igreja Universal do Reino de Deus tem empresas
                em paraísos fiscais que bancam parte de seus
                investimentos no Brasil. Depois de um mês de investigação,
                a Folha comprovou a existência de duas empresas no
                exterior: Investholding e Cableinvest. Ambas estão ativas
                há mais de sete anos.As duas empresas remeteram pelo
                menos US$ 18 milhões para o Brasil, entre 1992 e 1994. O
                dinheiro entrou no país via Uruguai, onde os dólares
                eram trocados por moeda brasileira. A TV Record do Rio foi paga
                com ''empréstimos'' dessas empresas.A Investholding está
                registrada em Grand Cayman (Ilhas Cayman, no Caribe), enquanto a
                Cableinvest tem registro na pequena ilha de Jersey (Channel
                Islands), no Canal da Mancha. As ilhas são paraísos
                fiscais do Reino Unido.Os paraísos fiscais garantem
                sigilo às empresas que se instalam em seus territórios
                e, por isso, são procurados pelos que querem legalizar
                dinheiro obtido ou remetido irregularmente para o exterior.Também
                acolhem subsidiárias de grandes corporações,
                interessadas em pagar menos impostos em seus negócios
                internacionais.O comprovante de que a Investholding está
                ''active'', ou ativa, foi enviado, por fax, ao Brasil, pelo
                Registry of Companies (departamento de registro de empresas), de
                Cayman, em 24 de junho.Segundo a Junta Comercial de São
                Paulo, a Investholding e a Cableinvest são representadas
                no Brasil por Alba Maria Silva da Costa e Osvaldo Sciorilli,
                executivos da Universal em São Paulo.Investholding e
                Cableinvest são sócias da Unimetro
                Empreendimentos, que a Universal usa para administrar imóveis.
                Ou seja, imóveis comprados pela igreja são, pelo
                menos em parte, pagos com dinheiro vindo de paraísos
                fiscais, difícil de ser rastreado.Entre os demais sócios
                da Unimetro estão os bispos Honorilton Gonçalves
                (presidente da Rede Record), João Batista Ramos
                (presidente da Rede Família e da Rede Mulher), Marcelo
                Crivella e Sérgio Von Helde _que ficou famoso por ter
                chutado a imagem de Nossa Senhora Aparecida na TV e hoje vive na
                Colômbia.De acordo com o Banco Central, a Investholding é
                também acionista da financeira Credinvest _ Crédito,
                Financiamento e Investimento, de São Paulo, que
                igualmente pertence à Universal.A empresa de Cayman tem
                46% do capital total da financeira. O segundo maior sócio
                da Credinvest é o pastor e deputado Odenir Laprovita
                Vieira (PPB-RJ), com 25% do total. Os demais são pastores
                e bispos da igreja.Em entrevista à Folha, em seu
                gabinete, no Rio, o deputado mostrou-se confuso ao ser
                perguntado sobre a origem da Investholding. De início,
                disse, convicto, que a empresa é da Universal, mas em
                seguida, ficou reticente: "É. Acho que é. Não
                tenho certeza se é ou não é'', declarou.A
                Investholding e a Cableinvest são acionistas indiretas de
                uma outra empresa da Universal, a Cremo Empreendimentos, cuja
                atividade, definida na Junta Comercial de São Paulo, é
                a de prestar "serviços auxiliares a empresas,
                pessoas e entidades''.A Cremo funciona no mesmo local (um edifício
                de 12 andares na alameda Ministro Rocha Azevedo 395, Jardins, em
                São Paulo) da Credinvest e da Rede Família. Seus sócios
                diretos são o bispo João Batista Ramos e a
                Unimetro, da qual Investholding e Cableinvest fazem parte.A
                empresa Cremo importou o jato (Citation 525, da Cessna) usado
                pelos executivos da TV Record. A transferência da aeronave
                para a TV Record foi feita em 97, segundo confirma o DAC
                (Departamento de Aviação Civil). A transação
                foi registrada em cartório por R$ 2,5 milhões.Record
                do Rio Supostos empréstimos da Cableinvest e da
                Investholding justificaram a origem do dinheiro empregado na
                compra da TV Record do Rio, canal 13.A emissora foi adquirida em
                nome de seis membros da Universal, que não tinham patrimônio
                para comprar sequer uma rádio.A TV (que, na época,
                se chamava Rádio Difusão Ebenezer) pertencia ao
                bispo Nilson do Amaral Fanini, da Primeira Igreja Batista do
                Niterói (RJ), e ao empresário e ex-deputado
                federal Múcio Athayde.Certidões do 1º Ofício
                de Registro de Títulos e Documentos do Rio mostram que a
                venda foi efetivada no dia 28 de fevereiro de 1992, embora a
                transferência do controle só tenha sido autorizada
                pelo Ministério das Comunicações em 1996.A
                compra foi feita em nome de Alba Maria Silva da Costa, Claudemir
                Mendonça de Andrade, José Fernando Passos Costa,
                José Antônio Alves Xavier, Márcio de Araújo
                Lima e João Monteiro de Castro dos Santos, que
                frequentavam o templo do bairro da Abolição, na
                zona norte do Rio.De acordo com as certidões, eles se
                comprometerem em pagar Cr$ 18,8 milhões (cerca de US$
                11,7 milhões) em 15 parcelas mensais pela emissora e
                ainda assumiram dívidas da empresa.No total, a TV custou
                US$ 20 milhões, segundo confirma o superintendente da
                Rede Record, Dermeval Gonçalves.Xavier, um dos seis sócios,
                disse à Folha que só emprestou seu nome para a
                operação. "Eu não sei como foi feita a
                transação. Só fui lá convidado pelo
                deputado Laprovita Vieira", disse.Desde que seu nome
                apareceu em reportagens do jornal "O Globo", em 1996,
                como testa-de-ferro da Universal, Xavier passou a viver uma
                semi-clandestinidade.Foi multado em R$ 2,5 milhões pela
                Receita Federal por sonegação de Imposto de Renda
                e o processo já está em fase de execução
                judicial. Vive como vendedor autônomo de carros usados em
                Cabo Frio (região dos Lagos, litoral do Estado) e não
                tem telefone.Empréstimo Para justificar a origem do
                dinheiro, foi simulado o empréstimo externo da
                Cableinvest e da Investholding, em parcelas correspondentes às
                notas promissórias para o pagamento da TV.O jornal teve
                acesso a 54 contratos de mútuo, ou empréstimo, da
                Investholding e da Cableinvest para os membros da Universal que
                compraram a Record do Rio. Há mais 21 contratos de empréstimos
                a outros membros da igreja em poder do jornal.A solução
                arquitetada pela igreja foi a mesma usada pelo ex-presidente
                Fernando Collor, para explicar o pagamento de despesas perante à
                Comissão Parlamentar de Inquérito que acabou por
                afastá-lo do governo, em 1992. Collor disse ter obtido
                empréstimo de uma empresa do Uruguai, país que
                também é paraíso fiscal. A montagem ficou
                conhecida como "Operação Uruguai''.Os
                contratos da Investholding diziam que os representantes da
                igreja na operação receberiam o dinheiro em
                cheques administrativos do Banco Holandês Unido, atual ABN
                Amro Bank.Eles se comprometiam a quitar o empréstimo em
                cinco anos, corrigido pelo IGPM (Índice Geral de Preços
                de Mercado, da Fundação Getúlio Vargas),
                mais juro de 0,5% ao mês.Os contratos da Cableinvest não
                identificavam o banco pelo qual seria remetido o dinheiro.
                Diziam apenas que o pagamento seria por cheques
                administrativos.Todos os contratos foram supostamente assinados
                no Rio e as datas foram colocadas por carimbos. As assinaturas
                dos seis representantes da igreja conferem com as existentes nos
                documentos arquivados na Junta Comercial do Estado do Rio de
                Janeiro. Já as assinaturas dos representantes da
                Cableinvest e da Investholding são iguais e incompreensíveis.Os
                contratos foram autenticados fora do Brasil. A autenticidade foi
                atestada pelo notário público J.J.R. Jonhson, de
                Jersey (Channel Islands, Reino Unido), conforme selo colocado no
                final de cada documento.A certificação no exterior
                permitiria à Universal entrar com ação de
                cobrança no Brasil, caso os seis "compradores''
                resolvessem assumir a posse efetiva da emissora, o que não
                se confirmou. A partir de 1996, as cotas foram transferidas para
                os bispos da cúpula da igreja.Via Uruguai A Folha obteve
                cópias de boletos de operações de câmbio
                no Uruguai, onde os dólares foram trocados por moeda
                brasileira.As remessas da Investholding foram feitas a partir de
                agências do Holandês Unido (ABN Amro Bank) em Miami
                e em Nova York, nas quais a empresa tinha conta. Em 1992, a
                Investholding remeteu pelo menos US$ 6 milhões para o
                Brasil, via Uruguai.As remessas da Cableinvest seguiam outro
                procedimento. O dólares eram levados em dinheiro até
                a Cambio Val, uma das maiores casas de câmbio do Uruguai.A
                Cambio Val tem sede em Montevidéu e subsidiárias
                em Punta del Este e Chuy. De 1992 a 1994, a Cableinvest trocou
                pelo menos US$ 11,96 milhões por moeda brasileira naquela
                casa.Fazendo-se passar por advogada, a repórter da Folha
                entrou em contato com a agência central da Cambio Val para
                confirmar a autenticidade dos boletos.O vice-presidente da
                empresa, Daniel Duran, disse que os originais já haviam
                sido incinerados, mas que a cópia lhe parecia autêntica.
                "O boleto é exatamente igual aos nossos. Não
                vejo nenhum sinal de falsificação'', disse ele.