Universal aufere lucros até de madrugada
Ricardo Valladares

fonte:IstoÉ, 28/05/2000www.terra.com.br/istoe/

Preces, perorações e missas em videoteipe. Esse costuma ser o cardápio dos programas religiosos na madrugada. O Fala que Eu Te Escuto, produzido pela Igreja Universal e exibido pela Rede Record entre meia-noite e 2 da manhã, é diferente. No ar há um ano e meio, o talk-show religioso resolveu apelar, nos últimos meses, para fórmulas consagradas na televisão, por assim dizer, profana. Resumindo em três palavras: violência, teledramaturgia e convidados especiais. No gênero e no horário pode ser considerado um sucesso. Chegou a ter um pico de 7 pontos no Ibope, durante uma aparição do animador Sérgio Mallandro. E virou um cult entre os que sofrem de insônia. Na origem, o Fala que Eu Te Escuto era apenas um programa de debates com a participação, por telefone, do espectador. Com o tempo, esse formato foi sendo incrementado. Para um debate sobre o tema "Crimes bárbaros: a causa é espiritual?", incluíram-se trechos do noticioso Cidade Alerta. Em outro, cujo assunto era "Homens e mulheres que trocam constantemente de parceiros: prostituição ou modismo?", o fofoqueiro profissional Nelson Rubens foi convidado para discorrer sobre o assunto. Ele terminou dizendo que artistas que trocam muito de namorada dão mau exemplo para os jovens. Os bispos da Record gostaram. Nelson virou uma espécie de consultor artístico informal do programa.

As "novelinhas", na verdade esquetes improvisados, começaram a ser exibidas há seis meses. Na semana passada, usou-se o recurso no programa "Traição: quem se frustra mais? A esposa ou a amante?" Começava com um casal na cama, formado por um homem de aliança e sua suposta comborça. Na cena, a amante reclamava que o homem a estava enrolando, descumprindo a promessa de largar a mulher. A produção das "novelinhas" é mambembe. Os atores são recrutados entre iniciantes e recebem um cachê de 70 reais por gravação. Não há texto. As falas são imaginadas na hora.

Jipe blindado - O apresentador do programa é um espetáculo à parte. O bispo Clodomir dos Santos Matos, de 33 anos, faz o tipo galã, usa brilhantina no cabelo e abusa do bordão "Eu estou aqui para escutar, não para falar". Ele gosta de lembrar que a Universal o salvou do mundo do tráfico. Adolescente, ele trabalhava como "avião" no subúrbio carioca de Rocha Miranda - a gíria se refere ao garoto que leva cocaína aos usuários. O bispo entrou para a Universal aos 17 anos, depois de ter sido preso três vezes. Morou dois anos nos Estados Unidos, onde aprendeu a fazer televisão, num curso pago pela igreja. Hoje, como a maioria dos bispos da Universal, anda pelas ruas de São Paulo em carro importado - um jipe Grand Cherokee que, incluindo a blindagem, sai por cerca de 100.000 reais. "O povo é muito manipulado. Ele precisa pensar", pontifica a nova estrela das madrugadas na TV. Ele tem razão: desconfie de quem diz que um bispo da Universal não gosta de dinheiro. Dá o que pensar.

Pensamento: "...mas também não posso provar que cogumelos não poderiam estar em espaçonaves intergaláticas nos espionando." Daniel Dennett


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