Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 30/12/95
Órgão federal avalia que
doações de fiéis estão sendo
desviadas de objetivos religiosos e servindo para compra de bens
A Receita Federal quer cobrar Imposto de
Renda (IR) dos recursos arrecadados pela Igreja Universal do
Reino de Deus nos últimos cinco anos e supostamente
desviados para outras atividades que não as religiosas.
Só deixará de ser taxado o
dinheiro que tenha servido às atividades da igreja
propriamente ditas, como manutenção dos templos e
ações assistencialistas, conforme prevê
dispositivo constitucional que isenta templos religiosos do
pagamento de impostos.
A Universal tem usado o programa "25ª
Hora" para se defender das acusações,
inclusive de sonegação fiscal. Contraditoriamente,
uma das estrelas do programa, o pastor Ronaldo Didini, afirmou
na quarta e quinta-feiras que "igreja é iniciativa
privada".
A cobrança do imposto começou
com a autuação do bispo Edir Macedo, na última
terça-feira, em São Paulo. Ele foi intimado a
pagar o imposto sobre o empréstimo recebido da igreja em
1990 para a compra da Rede Record.
O empresário e apresentador de TV
Silvio Santos, dono do Sistema Brasileiro de Televisão,
também está sendo investigado pela Receita. Há
suspeitas de subfaturamento do valor do contrato social para
reduzir o imposto devido. Essa é uma prática comum
na venda de empresas no Brasil.
A Folha procurou ontem a direção
do SBT. A informação é que os diretores que
poderiam falar sobre o assunto estão viajando: Silvio
Santos e Guilherme Stoliar. Paulo Machado de Carvalho Filho,
ex-sócio da Rede Record, também está em
viagem.
A fiscalização se estenderá
aos 30 bispos e cerca de 7.000 pastores que recebem empréstimos
de alto valor da igreja e um percentual das doações
dos fiéis.
A Receita avalia que, em vez de reverter o
dinheiro em benefício dos doadores, os dirigentes compram
empresas, casas, apartamentos, aviões e outros bens.
No entendimento da Receita, o esquema de
distribuição de recursos arrecadados pela
Universal fere o princípio da imunidade tributária
que a Constituição federal dá aos templos
religiosos por exercerem atividades sem fim lucrativo.
A dispensa do recolhimento do IR está
condicionada à não-remuneração dos
dirigentes dessas entidades. Como o dinheiro não é
usado para as atividades-fins da igreja _assistência
religiosa e social_, a Receita avalia que deve ser cobrado o IR
dos dirigentes da igreja como pessoas físicas.
O imposto devia ter sido cobrado sobre os
recursos recebidos da igreja, mas foram omitidos nas declarações
de Imposto de Renda apresentadas à Receita. A falta de
pagamento dos empréstimos feitos pela Universal a seus
dirigentes é outro argumento legal da Receita para a
cobrança do IR.
A Receita constatou a incapacidade de os
dirigentes ressarcirem os empréstimos de milhões
de dólares com a modesta renda formal declarada ao
governo. Na prática, os empréstimos viram doações
aos dirigentes.
A Receita quer transformar todos os benefícios
que os membros da hierarquia da igreja recebem em remuneração
e, portanto, sujeitos ao IR. A cobrança do IR é
retroativa a cinco anos. A Folha apurou que a Receita levará
mais de um ano para fiscalizar todos os pastores e bispos da
Universal.
Dissidente relata esquema
de envio de divisas
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 30/12/95
Autor: FÁBIO GUIBU Da Agência
Folha, em Recife
O pastor Carlos Magno de Miranda,
dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus, disse ontem que
parte do dinheiro recolhido dos seguidores de Edir Macedo foi
remetido ao exterior por meio da Casa Piano, do Rio de Janeiro.
A Universal nega a denúncia. A
Folha não conseguiu localizar Jorge Piano, proprietário
da Casa Piano.
Segundo Carlos Magno, a empresa era
encarregada de transferir os recursos depositados numa conta
específica no Brasil. "Automaticamente, o dinheiro
era creditado em dólar em Nova York", afirmou o
pastor.
Só a região Nordeste, então
liderada por Miranda, recolhia dos fiéis o equivalente a
US$ 800 mil por mês naquele período, disse.
"Depositávamos uma parte no
caixa único da Universal, em São Paulo, e outra
parte mandávamos para a Casa Piano", afirmou o
pastor. Ele, no entanto, não apresentou nenhum documento
ou comprovante dos depósitos.
Carlos Magno também não
soube dizer quanto teria sido remetido ao exterior no período
em que esteve na igreja. O pastor disse que, se a Receita
Federal rastrear as contas da igreja, "vai chegar lá".
A ordem para que o dinheiro fosse
creditado na Casa Piano, disse Miranda, partiu de Edir Macedo "em
88 ou 89" e teria sido comunicada aos líderes
regionais por uma secretária dele.
"A partir de agora, façam o
envio para a Casa Piano, liguem, falem com o seu Nuno, depositem
e me avisem quanto depositaram", disse o pastor sobre a
ordem que supostamente teria recebido de Macedo por meio da
secretária.
O pastor afirmou que só soube do
destino dos recursos "no final de 89 ou início de 90",
quando teria viajado a São Paulo para assumir o controle
da Igreja Universal no Brasil, a pedido de Macedo.
"Fui comunicado então que o
dinheiro ia para Nova York e que os líderes regionais
entrariam em contato comigo para dizer: 'tantas folhas de alface
(um código para relatar o equivalente em dólar
depositado)"', disse Miranda.
EUA recebem inquéritos
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 30/12/95
O procurador-geral da República,
Geraldo Brindeiro, pretende enviar para o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos todo o material das investigações
sobre o bispo Edir Macedo e outros dirigentes da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Os inquéritos sobre evasão
de divisas, envolvimento com narcotráfico e sonegação
fiscal foram solicitados anteontem à Polícia
Federal, que deve começar as investigações
em janeiro.
Para Brindeiro, essas informações
podem ajudar a descobrir eventuais crimes dos dirigentes da
Igreja Universal nos EUA. Deve ser anexada também uma cópia
da fita gravada pelo pastor dissidente Carlos Magno.
Collor viabilizou compra
da Record, diz pastor
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 30/12/95
Autor: FÁBIO GUIBU Da Agência
Folha, em Recife
O pastor Carlos Magno de Miranda disse
ontem que o ex-presidente Fernando Collor de Mello teria
simulado uma sociedade com o bispo Edir Macedo para viabilizar a
compra da TV Record.
Segundo Miranda, a divulgação
da suposta associação entre Collor e Macedo teria
sido feita para contornar um impasse entre a Igreja Universal e
os grupos Silvio Santos e Machado de Carvalho, antigos proprietários
da emissora.
A igreja, disse Miranda, corria o risco de
ter cancelado o contrato de compra da TV por não obter
uma carta de fiança de um banco: "Não
apresentando a carta, o negócio estaria desfeito".
"Foi aí que surgiu a idéia
de pedir ajuda ao presidente Collor, que já estava
eleito, mas não havia sido diplomado", disse
Miranda. A Universal, afirmou ele, havia apoiado o ex-presidente
durante a campanha eleitoral. Para Miranda, o apoio da Universal
foi determinante para a eleição de Collor.
"Ligamos para a Casa da Dinda e o
Alberto Haddad, que intermediou a venda da Record, falou com o
Cleto Falcão, explicou o problema e perguntou se o
presidente não poderia nos receber."
Falcão teria dito que sim e, no
mesmo dia, os líderes da Universal viajaram para Brasília,
segundo Miranda, onde foram recebidos por Collor na Casa da
Dinda.
Explicado o problema, Collor chamou
Rosane: "Ele pediu para ela chamar o Paulo César
Farias, que não tinha a fama de agora. PC vestia uma
roupa simples, sandália, inclusive". Segundo ele,
Collor orientou PC a resolver o caso.
Três dias depois, numa reunião
entre a Universal e os antigos donos da Record, Paulo Machado de
Carvalho Filho teria alertado Silvio Santos sobre um telefonema
dado por PC a Guilherme Stoliar.
No telefonema, PC teria dito que Collor
era sócio de Edir Macedo na compra da emissora. Com a
informação, Silvio Santos teria concordado em
manter o negócio, sem a necessidade de um avalista.
Segundo Miranda, Macedo e Collor voltaram a se encontrar "várias
vezes" depois disso.
EUA vão receber
inquéritos
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 30/12/95
O procurador-geral da República,
Geraldo Brindeiro, pretende enviar para o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos todo o material das investigações
sobre o bispo Edir Macedo e outros dirigentes da Igreja
Universal.
Os inquéritos sobre evasão
de divisas, envolvimento com narcotráfico e sonegação
fiscal foram solicitados oficialmente anteontem à Polícia
Federal, que deve começar as investigações
em janeiro.
Para Brindeiro, as informações
apuradas no Brasil podem ajudar a descobrir eventuais crimes dos
dirigentes da Igreja Universal nos EUA. Deve ser anexada também
uma cópia da fita gravada pelo pastor dissidente Carlos
Magno e exibida pela Rede Globo.
A fita registra imagens que aconteceram em
um templo de Nova York. Os pastores aparecem rindo ao contar
dinheiro, e o bispo Macedo fala como arrecadar o máximo
possível dos fiéis.
Ontem, o vice-procurador-geral, Haroldo
Ferraz, recebeu do editor Luiz Fernando Emediato o livro "Nos
Bastidores do Reino", escrito pelo ex-pasto da Igreja
universal Mário Justino de Souza.
Emediato acredita que o livro, com a
circulação proibida em São Paulo pela Justiça,
pode ajudar nas investigações. O
vice-procurador-geral sugeriu que a editora Geração,
de Emediato, recorra ao Supremo Tribunal Federal para que a
circulação do livro seja liberada.
O livro foi lançado no dia 13 de
novembro e apreendido no dia 15 de dezembro.