O paraíso está no shopping center

Publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 09 de julho de 2000

Nas igrejas neopentecostais, a pobreza virou maldição e o reino de Deus começa aqui e agora, como um grande shopping center

O pentecostalismo já rendeu vários livros e teses de pós-graduação. Quem faz uma pesquisa na Biblioteca Ecumênica da Universidade Metodista de São Paulo topa com pelo menos uma dúzia de grossos tratados acadêmicos que discutem o tema.

Na tese de doutorado Pautas para uma Sociologia da Transmissão Religiosa, defendida no ano passado, o pesquisador Dario Rivera fez um estudo sobre a Igreja Pentecostal Deus é Amor _ cujo culto é considerado por ele "grotesco demais, desarticulado demais e até caótico". "A pregação não dura mais de 15 a 20 minutos e jamais é um discurso racional e sistemático", aponta.

Segundo Rivera, a emoção religiosa também é aproveitada para reunir o dinheiro que sustenta a empresa religiosa. "Num mesmo culto, observamos que as sacolas para coletar as oferendas circulam sete vezes. E sempre imediatamente depois das sessões de milagres".

A estratégia para obter mais dinheiro é sempre a mesma: "Começa-se pedindo notas de 100, logo de 50, de 20 e daí por diante. Claro, as notas maiores são poucas e o pedido é precedido, sempre, por uma revelação. 'O Espírito Santo me revela que há cinco pessoas dispostas a dar 100'."

Passagem obrigatória Já a pesquisadora Monica Barros, em sua tese de mestrado A Batalha de Armagedom, sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, define assim o perfil dos fiéis: "Pessoas pertencendo às classes subalternas, com idade entre 35-40 anos, e renda mínima de 1-2 salários mínimos".

Para atrair seu público, a igreja pentecostal utiliza a estratégia de instalar os templos, "em lugares de passagem obrigatória", como locais próximos a "ferrovias e supermercados". Ela cita ainda o serviço de sonorização (microfones, toca-discos, alto-falantes), que contribuem para "estimular as manifestações individuais" -rezas, choro, riso, louvações, aplausos.

As religiões pentecostais oferecem às classes pobres "um mecanismo de compensação simbólica" fundamentada "em promessas de salvação", diz Rivera.

Teologia da prosperidade Para Ricardo Bitun, no entanto, autor da tese de mestrado O Neopentecostalismo e sua Inserção no Mercado Moderno, o pentecostalismo moderno não está muito preocupado com a idéia de salvação em um céu longínquo, mas difunde a Teologia da Prosperidade, voltada para o fiel que vive nas cidades e tem preocupações mais consumistas.

Bitun divide o pentecostalismo em três ondas (veja na matéria ao lado). A Teologia da Prosperidade vem embutida na terceira onda, representada no Brasil principalmente pelas igrejas Universal e Renascer em Cristo.

O pesquisador explica que, nessa terceira onda, a linha entre igreja e empresa se tornou "cada vez mais tênue". O diabo também se "modernizou" ao interferir menos na tentação e mais no "sucesso material das pessoas". Para os neopentecostais, ser pobre deixa de ser requisito essencial para entrar no Reino dos Céus e adquire estigma de maldição, "olho gordo" ou ação nefasta do próprio demônio.

A própria louvação passa a pedir que os desertos se transformem em shoppings, suprindo todas as necessidades. É a tese do "engravide-se do melhor", segundo a qual, diz o professor Jaci Maraschin, "o reino de Deus começa aqui e agora".

Pensamento: "Você diz que há apenas um meio de cultuar o Grande Espírito. Se há apenas uma religião, por que vocês gente branca diferem tanto sobre ela?" Chefe Jaqueta Vermelha, Chefe Indígena Seneca



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