Humanismo
José Moreira da Silva

OBS: Este texto é um dialogo entre um cético e um não cético.

E para que o universo precisa de razão de ser? Você pode precisar, mas não pense que você e o universo são a mesma coisa. E porque a humanidade precisa de razão de ser? Um dia vai morrer todo mundo e não vai ficar nem marca que já passamos por aqui. Antes do pensamento grego os seres humanos viviam milênios sem evoluírem. As coisas sempre eram iguais e viviam do mesmo jeito, como macacos na selva. Dia após dia, geração após geração sem mudanças de comportamento a menos que se transformassem em outra espécie e ai a mesmice começava de novo por mais milênios. Porque o ser humano começou a usar instrumentos, ele acha que tudo tem razão de ser. Tolice. Uma borboleta existe para que? Um sapo? Um leão? Nada tem razão de ser, muito menos o universo. O ser humano se acha especial e não é nada. Não passa de um micróbio no corpo do universo que nem percebe que ele existe. O significado da minha vida quem dá sou eu mesmo. Eu tenho que achar razões para continuar senão eu mesmo dou fim a ela. Se não dei é porque até agora achei mil razões para viver. Mas minhas razões não são baseadas em ilusões.

Talvez o que é "ilusão" para uns pode não o ser para outros, e vice-versa. Talvez homens de brilhante intelecto considerem "ilusão" aquilo que outros mais simples consideram como "realidade".

Foi exatamente por essa razão que inventaram a ciência. Para determinar o que é real ou não. Os seres humanos têm as idéias mais mirabolantes a respeito do que é ou não real, sendo assim que critérios devemos usar para diferenciar o que é real do que não é? Esse critério é a junção do interior com o exterior. Do mundo subjetivo com o mundo objetivo. A isso chamamos de ciência.

Se você examinar a religião verá que ela é uma idéia gerada na cabeça de um homem e pregada como verdade absoluta não importando o exterior, ou seja, os fatos. Ela é meramente subjetiva. Uma filosofia que não foi posta em prática também não tem valor e não sabemos se é realmente verdade ou não enquanto não a utilizarmos. Ou seja, sem o exterior para confirmar o interior o que temos é loucura, ilusões, imaginação, fantasias, hipóteses não confirmadas, idéias, etc.

Eu por exemplo não acredito no comunismo segundo Marx, da forma como ele falou que deveria ser feito, porque ele já foi experimentado e vimos o resultado. O teocentrismo também já foi experimentado e apesar da teimosia de seus aderentes, não deu certo. Veja a situação da Europa pré-renascença. Era uma favela da rocinha em escala continental. Veja os paises teocêntricos atuais, bem piores que os humanistas apesar de usar os recursos tirados dos paises humanistas. Quando digo humanista quero dizer pelo humano e para seres humanos aprovado por eles (antropocentrismo).

A Europa só saiu da lama quando largou o teocentrismo e partiu para o humanismo como doutrina. Isso é um fato inegável, não é mera ilusão. Você pode acreditar que a miséria é um bem, mas eu não acredito porque constatei pelo exterior que a miséria gera sentimentos ruins e atos desumanos. Para que o ser humano evolua como humano ele tem que não precisar lutar como um animal pela sobrevivência. Depois que ele atinge um certo nível de conforto, ai ele começa a pensar em coisas superiores ao estado animal.

Mas usar a crença em Deus, pregando que hoje um ser humano vive como um animal, mas se for bom, vai para um local perfeito, é imoral também, porque pode fazer com que o ser humano não procure melhorar de vida e assim se entregará ao sofrimento e depois morre, e talvez não haja nada do outro lado, pois não temos como comprovar isso.

Outra imoralidade é o fato de tornar o ser humano mais egoísta ainda, pois ele está sendo bom não pelo bem e porque praticar o bem é melhor para todos, ele esta sendo bom falsamente, com hipocrisia, egoisticamente buscando um céu ilusório ou nirvana ou algo assim.

Nós estamos acima do bem e do mal, como disse Nietzsche, e o que isso significa? Que podemos escolher ou um ou outro livremente, mas se formos inteligentes vamos escolher o bem porque estamos preservando a nós mesmos e a todos. O amor a si próprio e a humanidade é melhor que somente o amor a si próprio gerado pela ilusão de só fazer o bem para ir para um lugar melhor, o céu ou o nirvana.

E viver num ambiente em que as pessoas se amam, buscam o prazer mutuo, competem consigo mesmas mais para evoluir do que propriamente ultrapassar o próximo (ultrapassar o próximo também é pura ilusão, sempre existe alguém melhor, um gatilho mais rápido). Crescer pelo prazer de saber mais, pelo prazer de melhorar em todos os aspectos. De evoluir em outras palavras, para você mesmo e para todos. Fazer o que te dá prazer sabendo que teu prazer gera benefícios ao próximo também. Eu chamo isso de moral.

Outro detalhe, as religiões já estiveram e estão em outras partes do mundo na posição do Estado, só que sempre foram piores por uma razão. O Estado depende da aprovação do povo e a religião ou Deus, não. Deus é arbitrário (o representante de Deus o é e Deus não fala com o povo, só com “pessoas especiais”) e o que isso gera? Se o representante mandar matar, estuprar, destruir crianças e animais indefesos, o fiel o faz sem pensar. Leia o Alcorão e a Bíblia e verá ou então assista televisão.

A arma natural do homem é a razão interior que gera sentimentos superiores acima do reino animal aliada a fatos exteriores. Sem essa aliança chamada ciência aceitamos qualquer tolice como real e ai veremos os resultados.

Talvez seja o caso de alguns estarem se utilizando seu background de conhecimentos objetivos como meio de avaliar se suas razões são ou baseadas em "ilusões" ou "realidade", enquanto que outros preferem usar de sua sensibilidade subjetiva para este fim. Talvez estejamos aqui nos debatendo em vão: uns dizendo "prove para mim que isso é verdade" e outros respondendo "prove para mim que o que eu sinto é mentira".

Se eu te falar que tenho um Golf Gti importado na minha garagem e você acreditar sem questionar, você está tendo uma atitude religiosa, e se você sair por ai falando que realmente tenho esse carro, você está espalhando uma verdade religiosa. Mas se você vier até minha casa e ver o carro, sua verdade é cientifica. Entendeu a diferença?

As verdades são bem diferentes. Qual delas você prefere aceitar? Eu prefiro a cientifica porque é uma junção do interior com o exterior. É a unificação do subjetivo com o objetivo. Agora se uma pessoa quer confiar somente num lado e excluir o outro, é problema dela, ela tem todo o direito constitucional de fazer isso.

Outro detalhe, a verdade não tem nada a ver com se sentir bem ou mal. Religião é cinema? Religião é diversão? É passatempo? Se religião diz que prega uma verdade, você tem que examinar essa verdade para ver se funciona ou não. Se não funcionar quando você juntar o interior com o exterior, então ela deve ser descartada sem dó.

Já que estamos chegando perto do natal. Religião seria receber uma caixa contendo um presente dentro, imaginar o que tem na caixa, guarda-la num local de destaque, ficar pensando em como seria legal desfrutar daquilo que você acha que está dentro da caixa sem nunca abri-la. Um cientista abre a caixa. Ele junta o subjetivo com o objetivo.

Qual parâmetro vale mais? O objetivo ou o subjetivo? Há aqueles que preferem o primeiro, mas também há aqueles que preferem o último. Sabemos que ninguém vai conseguir convencer ninguém, e que nunca chegaremos a um consenso em questões dessa espécie.

De onde você tirou a idéia que tenho que escolher entre o subjetivo e o objetivo? Como ficou exposto acima, eu escolho os dois. O subjetivo e o objetivo porque os dois são complementares. Você não teria consciência se não houvesse o interior e o exterior. Escolher apenas um como critério seria praticar Reductio ad absurdum em lógica.

Não é convencendo que chegaremos a algum lugar. Você tem que observar os fatos exteriores e ver qual modelo subjetivo se encaixa melhor. Você ouve as pessoas e depois compara o que elas dizem com o exterior e ai vê se é realmente real.Se não for, livre-se da idéia.

Outro dia estava ensinando meu filho a diferença entre verdade e mentira. Usei o seguinte exemplo, estava com uma caneta na mão e disse que não estava, mas ele viu que eu estava, ai lhe disse que eu estava mentindo porque falei algo que não concordava com os fatos, e depois disse que estava com a caneta e estava e ai ele viu que era verdade porque condizia com os fatos. Até no dia a dia podemos diferenciar o que é verdade do que é mentira porque existe o interior e o exterior e tudo aquilo que o interior gera que não corresponde ao exterior é falácia.

E, também, por outro lado, se estamos discutindo só por pura "diversão", penso que estamos no caminho errado.

Eu, por exemplo, discuto por diversão e para aprender. Digamos que estou brincando e aprendendo. Quem disse que para aprender algo temos que ser extremamente sérios? Eu debato principalmente para aprender e entrar em questionamentos que eu não conseguira sozinho. Todos os meus oponentes ou amigos me ajudam no meu desenvolvimento daquilo que considero verdade. Isso se chama método dialético e foi inventado por filósofos gregos. Eles podiam discutir acirradamente sobre qualquer assunto buscando a verdade e ai as paixões geradas pelo confronto desapareciam. Eu quase nunca sinto mais raiva, ódio, ou sentimentos negativos pelos meus oponentes. A liberdade de expressão total gera a não violência porque as pessoas aprendem a debater livremente usando as palavras que quiserem e ao se acostumarem com isso a violência nem é pensada mais.

Meu filho tem cinco anos, ele faz praticamente tudo que eu quero porque eu o convenço pelos fatos, pela atitude, pela razão que estou certo. E ele já se acostumou com isso. Quando ele quer me convencer de algo, ele usa a razão, a lógica, o debate e me convence ou não. Ele surpreende nossa comunidade o tempo todo com sua argumentação e ele não aceita o que a professora manda sem questionar, ele quer saber as razões para tudo.

Meu filho não acredita em Papai Noel, não acredita em monstros, não acredita no sobrenatural. Ele não tem medo do escuro, ele só tem medo de coisas reais. Meu filho já sabe como veio ao mundo porque eu mostrei para ele quando ele me perguntou. Todo o processo. Ele sabe que não se interessa por sexo ainda porque é criança e não chegou na fase. Ele mesmo diz isso. Ele fala que seus hormônios não o estão impulsionando ainda.

Eu o estou criando com a verdade dos fatos. Se eu falar algo para ele, ele sabe que é verdade. Eu nunca minto para ele. Ele sabe que outras pessoas mentem, mas ele diz sempre, vou perguntar para meu pai porque sei que ele não vai me enrolar.

Meu filho mora no Brasil, portanto é exposta a crença em Deus, em anjos, demônios, santos, o sobrenatural em geral. Mas como eu sempre falo a verdade para ele sobre coisas que podemos comprovar, ele geralmente acredita em mim, não acredita na mãe, nem na avó porque elas ensinam fantasia. Ele não acredita na tv porque ele sabe que tudo veio da imaginação do homem e ele crê no bem e no mal comprovado por fatos porque quando assistimos filmes juntos eu lhe conto as histórias e lhe explico os conceitos. Se eu falar ele crê porque lhe ensinei os conceitos de fato e verdade.

Quando ele me perguntou sobre vida depois da morte eu lhe disse que ninguém sabe se vamos continuar ou não depois dessa vida. Que o máximo que podemos fazer é ter esperança. E ele sabe a diferença entre acreditar e saber. E quanto a Deus, ele sabe que eu sou aquele junto com outros que realmente lhe faz o bem e assim ele aprende a distinguir e homenagear quem realmente faz o bem porque tem exemplos a seguir. Deus é algo distante que não podemos nem contemplar e não temos como comprovar, portanto é irrelevante. Se ele existir ou não, que diferença faz?

Só vou me estender só um pouco mais nesse assunto. Minha tia resolveu lhe contar a história do dilúvio e meu filho rejeitou esse Deus cristão por causa dessa história. Ele adora seu cachorrinho e gatinho e ele não aceitou que Deus matasse todos os animais inocentes do mundo por causa do que alguns homens fizeram. Eu lhe dei os parabéns pelo seu senso de justiça.

Teríamos muito a ganhar se, ao invés de ficar discutindo acerca de nossas premissas filosóficas e/ou doutrinárias e acerca de nossas razões para viver [que são conceitos extremamente subjetivos] dirigíssemos nossos esforços para pensar em algo que fosse mais útil e proveitoso; por exemplo, algo que pudesse tornar este mundo um lugar melhor para nós e para nossa posteridade.

Até Jesus concordou que a boca fala do que está cheio o coração. Ou seja, o modo como você percebe o exterior dependo do seu interior. A junção do interior com o exterior. Essas discussões filosóficas são as que têm mais valor. Se estivéssemos discutindo coisas fúteis como o futebol, isso não levaria a nada, mas estamos discutindo coisas que mudam nosso modo de encarar a vida e assim pode influenciar sobremaneira nossas ações. Você acha isso realmente inútil? Eu considero isso aprender a pensar dentro do processo dialético. E você não acha que se as pessoas aprendessem a seguir a razão nas suas ações do dia a dia ao invés da força o mundo não seria melhor? Mas para seguir a razão é preciso aprender a discutir e o fórum é ótimo para isso.

Esta é só uma singela opinião de um religioso "fanático" [isto é, se o simples fato de acreditar em coisas como a existência de Deus ou a história de Adão e Eva já torna alguém fanático].

Que todos fiquem em paz.

Você tem todo o direito inalienável de acreditar em Deus e Adão e Eva. E se eu pudesse força-lo através da violência a parar de acreditar nisso, eu não faria. Pois eu acredito na liberdade de pensamento acima de tudo. É dessa liberdade que vem os outros bens.

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