Enquanto nos reunimos aqui hoje na busca pela razão e
pela compreensão racional do mundo, nosso mundo mais uma
vez está no meio da atividade mais irracional - a guerra.
Pois tão antigos quanto são nossos registros,
nossa espécie tem feito uso de violência em larga
escala com uma regularidade tão alarmante que pode-se até
pensar que a guerra é uma característica específica
da espécie Homo sapiens. Como no caso de praticamente
todas as guerras, nossa espécie lutou no passado, a
Guerra dos Balkans com a qual nós estamos preocupados no
momento está profundamente enredada em disputas
religiosas. Enquanto não muitas guerras do passado
estiveram envolvidas com o ódio teológico
trilateral visto na guerra atual - com os Muçulmanos
Sunni, Católicos Ortodoxos e os Católicos Romanos
mutuamente se execrando e se matando uns aos outros - não
é exagero dizer que a imensa maioria das guerras do
passado foram justificadas e validadas pela religião,
quando não literalmente provocadas por ela. É
quase impossível empreender uma guerra sem a aprovação
dos deuses gentis e dos beligerantes.
Se a religião é tão central para o
empreendimento bem sucedido da guerra - isso dificilmente seria
um ponto debatível - parece óbvio que se nós
eliminarmos a religião iríamos remover o ímpeto
emocional e a "moral" da guerra. Embora seja
irrealista supor que isso eliminaria a guerra completamente,
iria com certeza fazer da guerra algo muito mais difícil
de se iniciar e de se manter. A paz iria se tornar a regra da
existência humana, não a exceção. Sem
o talismânico Gott mit uns nas fivelas de nossos cintos, nós
iriamos ter que pensar duas vezes antes de marchar para a luta
contra os infiéis pervertidos. (Na verdade, o 'duas
vezes' não é a parte importante: o fato de termos
que pensar é que é a novidade.)
Pouco tempo depois de eu ter me tornado Ateísta, com
maduros dezoito anos, descobri as raízes religiosas da
guerra e pensei que poderia fazer algo sobre isso. Me tornaria o
sucessor de Mahatma Gandhi. Iria ter sucesso trazendo a paz para
o mundo - erradicando a religião. Sem dúvida eu
ganharia o Prêmio Nobel da Paz.
Visando a esse fim nobre/Nobel, comecei a me preparar. Estudei
tudo que parecia relevante à tarefa de matar o dragão
da superstição. Estudei as linguagens mortas na
qual as escrituras foram escritas, estudei toda a ciência,
da astronomia até a zoologia alfabeticamente e da física
de partículas até a psicologia conceitualmente.
Estava indo pegar a religião. Eu iria aprender a detectar
toda mentira, engano e fraude perpetuadas pela religião.
Iria aprender como as escrituras do mundo foram tramadas. Iria
identificar os erros na lógica religiosa (ou o que quer
que seja isso), e iria dominar todas as "provas" da
existência dos deuses e refutá-las. Eu procurei
demolir as fundações lógicas e
evidenciarias da religião. Com certeza, após ter
feito isso, a religião deve ruir e desaparecer.
Após muitos anos completei a maior parte dos meus
estudos e fui salvar o mundo ao converter todos ao Ateísmo.
Enquanto tive um considerável sucesso e converti muitos,
eu tive problemas. Encontrei cientistas que aceitavam a evolução
e a maior parte do resto da ciência, mas estavam
profundamente impressionados pela "evidência" da
profecia bíblica. Encontrei bibliólatras que não
abrigavam nenhuma ilusão sobre a Bíblia sendo "inspirada",
mas estavam impressionados com os argumentos de certos
criacionistas e sentiam que um deus era necessário para
criar o arco-íris, as rosas e o amor materno.
Até certo ponto, tais problemas foram sanados de forma
bem sucedida com os procedimentos óbvios: ensinando um
pouco de biologia evolucionária básica aos bibliólatras
e explicando a história evolucionária das
escrituras e as dimensões completamente humanas da "profecia"
para os cientistas. Mesmo assim muitas pessoas continuaram não
convencidas com os meus melhores esforços. Não
havia nada que eu pudesse explicar ou demonstrar que os fizessem
abandonar suas ilusões religiosas.
Por que eles não desistem?
Por que é que todo mundo não desiste da religião
quando você apresenta toda a lógica e evidência
- evidência absolutamente conclusiva- contra ela? Por que
tantas pessoas ainda permanecem convictas após toda as
suas ICBMs argumentacionais explodirem cada cidadela de mito?
Alguém pode naturalmente supor que a baixa inteligência
é a principal causa da religiosidade. Afinal de contas,
pensar é muito mais difícil do que crer - daí
a grande preponderância de crentes sobre os pensadores em
todas as eras e culturas. Mas o que se pode dizer quando os
membros desse pequeno círculo seleto, que identificamos
como pensadores, são crentes também? A baixa
inteligência não é necessariamente o
problema.
Considere a recente experiência que tive na Internet. Uma
manhã recebi um e-mail extremamente insultante de um
criacionista que havia lido algo que eu escrevi sobre
criacionismo na Web-page dos American Atheists. Uma troca de
mensagens durante meses resultou numa argumentação
entre nós sobre criação versus evolução
em todos os níveis de evidência imagináveis.
No final, o sujeito permaneceu firme com sua crença de
que o universo tem apenas alguns milhares de anos e que eu era
um enganador profissional.
Acabei sabendo que meu antagonista anônimo possui um
Ph.D. em bioquímica da Boston University e está
engajado em uma pesquisa bioquímica muito sofisticada de
grande relevância aos estudos do câncer e outras áreas
da medicina. Por que não se pode fazer uma pessoa
obviamente inteligente ver algo tão óbvio quanto a
imensa antigüidade da Terra? Havia uma pista.
No começo de nossa disputa, o criacionista afirmou que não
haviam erros ou contradições na Bíblia.
Imediatamente, revidei com duas passagens que eram tão
obviamente contraditórias que pensei que não
pudesse haver argumentação posterior.
II Reis 23:8 'E Jehoiachin tinha dezoito anos quando começou
a reinar, e ele reinou em Jerusalem por três meses.' II Crôn
36:9 'Jehoiachin tinha oito anos quando começou a reinar,
e ele reinou por três meses e dez dias em Jerusalem.'
Imagine a minha consternação quando recebi uma
resposta inventivamente recheada que negou completamente o meu
argumento que o Reis e o Crônicas não poderiam
ambos serem verdadeiros. Para tornar minha consternação
ainda maior ele não teve a dignidade de tentar explicar "a
aparência de contradição" (como a
maioria dos apologistas da Bíblia expressariam) nas duas
passagens. Não havia contradição entre
essas duas passagens! Ponto final. Claramente, ele não
era capaz de ver o que era óbvio pra mim. Claro também
era o fato que havia um problema de percepção
envolvido.
Ele estava mentalmente doente? Para ser exato, os pensamento e
o comportamento religiosos de quaisquer tipos podem ser
considerados formas de doença mental. Mas se não há
nenhum impedimento em se atender as necessidades diárias
ou as funções corporais de alguém, se o
pensamento religioso não interfere com a habilidade de se
sustentar - se a distorção do raciocínio
religioso não se sobrepõe sobre o domínio
prático da vida - parece um pouco exagerado escrever que
demonstrações ocasionais de ilusão
religiosa são doença mental. Tanto quanto pude
determinar, meu antagonista se sai bem num laboratório e
sabe quando é apropriado usar roupa de banho.
Certamente a condição dele não era tão
séria quanto a de pessoas que me dizem "eu sei que
Deus é real porque Ele fala comigo." E até
mesmo as pessoas que afirmam tal absurdo não são
doentes mentais no sentido sério da expressão.
Sobre interrogatório, a maioria delas irá admitir
que não estão realmente ouvindo vozes. Ao invés
disso, são pensamentos que surgem do nada em suas mentes
que parecem tão diferentes dos pensamentos normais que
elas acham que os pensamentos vem de fora de si mesmas. No
criacionista e nas pessoas que não conseguem reconhecer
seus próprios pensamentos quando os pensam, encaramos o
problema das experiências subjetivas e sensações
distorcidas tão convincentes que eles são capazes
de sobrepujar todas as evidências sensoriais externas que
possam se opor a eles.
Por que o cérebro humano escorrega tão facilmente
em tal função desordenada? Como a seleção
natural permitiu que tal deficiência disseminada
sobrevivesse - de fato, prosperasse - numa espécie?
Devemos tentar aprender a resposta.
Religião como comportamento específico de uma espécie
Há muito tempo atrás, Charles Darwin escreveu um
livro chamado A Expressão das Emoções no
Homem e Nos Animais, na qual ele explorou as raízes
evolucionárias da psicologia. Rir, chorar, sorrir e
muitos outros comportamentos humanos foram encontrados em todas
as raças e culturas. Além disso, as raízes
desses comportamentos poderiam ser rastreadas nos macacos e em
outros "animais menores." Como o corpo humano, viu-se
que o comportamento humano evoluiu de uma condição
pré-humana. Atributos comportamentais, tal como os anatômicos,
podem ser específicos da espécie e poderiam ser
usados para definir uma espécie biológica. Sendo
este o caso, parece óbvio que esses comportamentos devem
ser geneticamente condicionados: os comportamentos resultam da "conexão"
e do funcionamento psicológico do cérebro, e esses
por sua vez resultam da expressão - ao ponto que o
ambiente permite - das mensagens instrucionais integradas no
genoma humano.
Se a religiosidade é uma característica específica
da espécie Homo sapiens como um todo (e não apenas
uma característica sexual secundária da fêmea
humana, como G. B. Shaw uma vez disse espirituosamente), deve
haver uma base anatômica e psicológica para tal no
cérebro humano.
Evidências para uma base neural para a religião
estiveram disponíveis por um longo tempo. Sabemos há
muito tempo que drogas enteogênicas podem fazer as pessoas
terem experiências religiosas, alucinações
sacras, e outras sensações "maravilhosas".
O cacto peiote (que contém mescalina1) é usado por
Nativos Americanos em seus ritos religiosos para induzir uma
psicose sacra, e as drogas fungais psilocibina e amanitina podem
ter sido usadas como enteogenes no Oriente Médio. O
estudioso dos Atheist Dead Sea Scrolls, John Allegro, uma vez
escreveu um livro chamado O Cogumelo Sacro e A Cruz. Neste
livro, ele rastreou as experiências do Oriente Médio
com o cogumelo venenoso e alucinógeno Amanita muscaria até
os antigos Sumérios e lançou o sensato argumento
que ressonâncias de experiências com o "cogumelo
mágico" poderiam até ser detectadas no Novo
Testamento.
As implicações disso são óbvias. Se
moléculas de certas drogas são capazes de nos
fazer ter experiências religiosas, deve haver um circuito
em nossos cérebros que está sendo ativado ou
habitado por essas moléculas - e esse circuito é
pelo menos indiretamente um produto da genética.
Posteriores suportes para uma base neural da religião
vieram do fato que existem drogas ateogênicas tal como
enteogênicas. Em pelo menos algumas das psicoses
caracterizadas por ilusões extremamente religiosas,
drogas antipsicóticas podem dispersar o delírio
religioso. Alguém duvida que, ao exorcizar os deuses de
tais pacientes, as drogas estão agindo em receptores
neurais em particular e afetando o ativamento neural? Seria
demais esperar que algum dia uma cura por drogas estará
disponível pro vício religioso? Esse mundo não
será grandioso quando um médico puder dizer "Tome
duas Torazinas e me ligue em um mês se você ainda
sentir um impulso de pagar dízimo"?
Devemos nos lembrar também que a epilepsia do lobo
temporal (ELT) é freqüentemente acompanhada de uma
hiper-religiosidade, e é provável que São
Paulo - o criador do Cristianismo, conforme pode ser demonstrado
com argumentação - sofreu de epilepsia do mesmo
tipo. O Dr. Vilayanur Ramachandran, diretor do Centro de Cérebro
e Cognição da Universidade da Califórnia,
estudou pacientes com ELT e descobriu que suas Respostas Galvânicas
de Pele são desproporcionalmente despertadas pela
apresentação de palavras religiosas. A palavra
Jesus fará suas palmas suarem tanto quanto as de pessoas
normais suam quando elas são apresentadas a termos
sexuais. Mais uma vez parece que os processos do cérebro
(e os patológicos a essa altura!) são a causa das
experiências religiosas. Para encerrar o assunto, o
argumento parece que fica esclarecido pelos recentes
experimentos que demonstram que "experiências
religiosas", "sensações de divindades"
e afins, podem ser disparadas por estimulação elétrica
de certas partes do cérebro.
Antes de tentar discernir qual seria a função "normal"
do "circuito de deus" do cérebro, devemos notar
uma dica final. As experiências religiosas desde as épocas
remotas freqüentemente foram associadas com transe induzido
por fenômenos hipnóticos tais como dançar,
cantar e outros fatores que aumentam a sugestibilidade.
Se, conforme parece agora indiscutível, existem partes
do cérebro que mediam as experiências religiosas e
são a causa de nossas ilusões de comunhão
divina, devemos perguntar por que elas existem. Qual é a
função normal delas? Por que um processo pragmático
tal como a seleção natural iria produzir tais
estruturas? Eu creio que as respostas para essas perguntas serão
encontradas na solução de um quebra-cabeças
ainda maior: por que, se a religião é
veridicamente falsa, a seleção natural iria
permitir que elas, não apenas sobrevivam, mas prosperem?
O Passado Evolucionário
Para descobrir o funcionamento "normal" do "módulo
de deus" do cérebro, iremos ter que investigar as
dimensões evolucionárias de três fenômenos
intimamente interrelacionados: religião, hipnose e música.
Enquanto os detalhes particulares da religião são
transmitidos verbalmente pela cultura - nosso substituto para o
instinto - eu suponho que a religiosidade do Homo sapiens pode
ser considerada até certo ponto instintiva. Se torna
plausível o fato de que pode haver algo como um instinto
religioso, penso eu, quando consideramos as implicações
do fato que evoluímos como uma espécie social, não
como uma espécie solitária. Evoluímos como
animais sociais - animais de rebanho. Evoluímos como
lobos, não como raposas.
Na evolução das espécies sociais de cérebro
grande deve surgir um conflito entre o desejo de autonomia -
auto-gratificação - e a necessidade do grupo por
integração e subserviência. Em muitas espécies
sociais, a autonomia e a separação do grupo produz
ansiedade. Uma ovelha perdida não é um animal
feliz, e muitos Cristãos separados de suas congregações,
padres e pastores experimentam uma angústia profunda. (É
por causa disso que a excomunhão e o banimento podem ser
tão devastadores para certas pessoas.) Parece que é
uma das funções da religião permitir as
pessoas "escaparem da liberdade", como o psiquiatra
Erich Fromm uma vez disse. Quando fazemos o que nossos padres
nos mandam fazer, evitamos a ansiedade que vem ao tomarmos
nossas próprias decisões - ansiedade que surge da
consciência dolorosa de nossa própria incompetência
e propensão a cometer erros. A religião serve como
um veículo para descarregar a ansiedade ao conectar indivíduos
isolados ao grupo e faze-los se sentirem como se de alguma forma
o poder do grupo inteiro fluísse através deles. Ao
fazer isso, devo argumentar, a religião usa o circuito
neural evoluído nos animais sociais pré-humanos
para uma comunicação não-verbal dentro do
grupo.
Seleção de Grupo
Na evolução das espécies sociais, a seleção
natural pode agir no nível de grupo tanto quanto no nível
do indivíduo. Isso significa na prática que os
grupos podem competir uns com os outros e pools gênicos
inteiros podem ser selecionados (preservados) ou extintos,
dependendo da "adaptação" geral dos
grupos competindo. A exterminação da oposição
genética é o objeto desse processo evolucionário.
O genocidio tem uma longa história - ou talvez devêssemos
dizer pré-história. Os conceitos sociobiológicos
do in-group e out-group são úteis para entender a
dinâmica desse tipo de evolução social.
Para um in-group particular prevalecer sobre os vários
out-groups com o qual ele compete por recursos, uma são
necessárias cooperação e coordenação
intragrupo de maior nível. Há uma necessidade de
coesão dos indivíduos que constam no grupo, daí
eles podem se comportar como um superorganismo integrado. Para
uma eficiência máxima na guerra é necessário
que um grupo inteiro de soldados estejam aptos para agir e
funcionem como se fossem um único indivíduo bem
coordenado.
A comunicação é fundamental para a cooperação
e a coordenação bem sucedida. Mas como a comunicação
é afetada antes da origem da linguagem? Como, por
exemplo, os gnus sabem quando é hora de fugir em
debandada? A não ser que o rebanho inteiro debande em uníssono,
o rebanho ficará vulnerável - e uma "debandada
de um" seria quase certamente fatal para o indivíduo
correndo entre um grupo de leões. O que é que traz
a necessária dissolução e fusão de
ego de cada indivíduo com o "espírito do
rebanho"?
Hipnose
Enquanto a sinalização química tal como a
liberação de feromônios, sinais físicos
tais como levantar o rabo ou outras demonstrações,
e os sinais auditivos tal tomo bufar, mugir, chorar, e afins
pode ser empregadas para listar a cooperação, para
ter sucesso todos eles requerem que os animais que os percebam
sejam "suscetíveis" - i.e., capazes de
interiorizar o sinal recebido, ponderarem e tomarem sua "decisão",
e a passarem adiante. A comunicação nesse nível
é na maior parte a transferência de emoções
através dos membros de um grupo. As emoções
devem ser tão contagiosas quanto bocejar ou se coçar.
É normalmente aceito que a sugestão e a
sugestibilidade são as raízes da hipnose. A
hipnose e a hipnosibilidade, eu suponho, são relíquias
do sistema de comunicação que funcionou no rebanho
humano pré-verbal. Não conheço nada que
possa se igualar à hipnose na facilidade que ela tem para
comover - envolva a mudança rir, chorar, excitar, ou
falta de sensibilidade à dor. Em todas essa mudanças,
as sensações são de necessidade alterada.
Limões azedos são percebidos como laranjas doces,
cigarros acesos são percebidos como aplicadores de loção,
e a fumaça de incenso é percebida como espíritos
de anjos pairando no ar.
A hipnose também é capaz de induzir experiências
religiosas desde a simples sensação de solidão
com o universo até alucinações fulminantes
de vozes divinas emitindo mandamentos. Adicione o fato de que o
transe (na forma de encantamento e de meditação e
prece condicionada, a consciência alterada de pessoas que
pensam que um curandeiro as curou, etc.) é um componente
importante de muitas religiões, e temos uma pista do por
quê a religião evoluiu. A religião evoluiu
como um meio de induzir e conduzir a hipnose - e exterminar a
competição genética. A religião
surgiu como um catalisador efetivo de guerra eficiente ao ser um
conduite para o fluxo de sugestões agressivas. Por ser
capaz de funcionar em um nível pre-verbal, a hipnose pode
fugir do radar da mente racional. Ela pode produzir guerreiros
que não sentem medo ao encarar as circunstâncias
mais ameaçadoras. Ela pode criar uma ilusão clara
de um mundo melhor em outro plano - uma ilusão tão
poderosa que guerreiros não hesitarão em lutar por
ela, não importa quão assustador seja o mundo
real.
Não deve haver nenhuma sensação de
paradoxo no fato da religião e da guerra estarem juntas tão
freqüentemente. A facilitação da guerra foi a
razão de ser da religião pra começo de
conversa!
Para voltar ao assunto principal dessa conversa, vamos
perguntar novamente por que a religiosidade é tão
difícil de ser curada. Por que as sensações
religiosas são tão difíceis de serem
modificadas? Uma pista pode ser encontrada na associação
íntima da hipnose com a religião e a tenacidade
com a qual as sensações implantadas pela hipnose
podem ser mantidas apesar da evidência externa. As sensações
religiosas são, creio eu, implantadas hipnoticamente.
Pode ser visto em um experimento que fiz há muitos anos
atrás o quão pertinentes podem ser as crenças
hipnóticas, quando pesquisei ativamente na área da
hipnose experimental. Em um dos meus experimentos hipnotizei um
homem que usava botas de couro. Ele era um bom sujeito, então
decidi explorar o quebra-cabeças das sugestões pós-hipnóticas.
Dei a ele a sugestão pós-hipnótica de que
muitos minutos após acordar ele iria "descobrir"
que havia posto suas botas no pé errado. O acordei e
conversei por alguns minutos. De repente, ele olhou contorcido
para seu pé, como se estivesse sentindo um desconforto,
quase uma grande dor. Com jovialidade, ele fitou suas botas e
então as recolocou: a bota direita no pé esquerdo,
a bota esquerda no pé direito.
Por dez ou quinze minutos ele conversou comigo, sem perceber a
sua condição absurda. Apenas quando ele se
levantou para andar - e quase quebrou o pescoço tentando
andar no tapete - ele de repente percebeu que suas botas estavam
no pé errado. Esse experimento foi claramente análogo
com o caso da hipnose do encontro da tenda que testemunhei uma
vez. Nesse caso, uma mulher com artrite foi hipnotizada por um
curandeiro para acreditar que sua artrite havia sido curada.
Embora ela tenha vindo à tenda com muletas, após
receber o raio divino ela começou a correr pela tenda à
todo vapor - juntas rangendo, rachando e reclamando, mas nenhuma
dor foi sentida pela pobre criatura sendo explorada pelos
pastores presidindo o show. Diferentemente do colega de botas,
ela teve que ser carregada para casa após o encontro. Eu
aposto que na manhã seguinte ela pensou que o Satã
trouxe de volta sua doença.
A tenacidade com a qual as sensações implantadas
pela hipnose são mantidas apesar da evidência dos
sentidos físicos nos dá uma compreensão do
por quê as sensações religiosas são tão
difíceis de serem modificadas. A mentalização
religiosa, como a sugestão pós-hipnótica,
navega abaixo do radar da realidade. Ela é pré-verbal
em um grau muito alto, e portanto imune àquele processo
verbal essencial que chamamos de lógica.
Reunindo Tudo Isso
Conforme já notamos, ao lidar com as experiências
religiosas encaramos o problema das experiências
subjetivas tão convincentes que são capazes de
sobrepor todas as experiências sensoriais externas. Tanto
os experimentos com estímulo elétrico quanto os
relatos pessoais, freqüentemente indicam que durante as
experiências religiosas há um colapso do ego e dos
limites do 'eu', criando uma sensação de
singularidade. O sujeito se sente unificado com o cosmos,
unificado com a raça humana. Os sujeitos relatam a sensação
de receber uma sabedoria ou conhecimento indescritível,
conhecimento que não pode ser expresso em palavras.
Enquanto é possível que as partes de
processamento de fala do cérebro estejam envolvidas nas
experiências religiosas, eu suspeito que o núcleo
das funções cerebrais envolvidas são
aqueles associados com a comunicação não-verbal
- os elementos do cérebro que permitem rebanhos de
animais se comunicarem e perceberem as intenções
do rebanho. Emoções são contagiosas, e o
circuito neural por trás desse fato está
provavelmente envolvido nas experiências religiosas também.
Conforme já sugeri, a função evolucionária
da religião foi de aumentar a coesão dentro do
grupo para assim aumentar a competição com os
grupos de fora: Israelitas vs. Jebusitas vs. Hivitas, ou Croatas
Católicos vs. Sérvios Ortodoxos vs. Bósnios
Muçulmanos. Isso proporciona um meio de redução
de ansiedade causada pela autonomia, ao permitir a dissolução
do 'eu' e absorção na consciência coletiva -
a coleção de mensagens preverbais e verbais ativas
no ambiente no qual a atividade religiosa está sendo
conduzida.
A função primária da religião é
mais efetiva quando efetuada hipnoticamente. Por proporcionar um
meio focalizado de indução de transe, a religião
facilita a imposição da vontade de um grupo (ou
seus líderes!) sobre seus membros individuais. Ela o faz
por meios de prece hipnótica, canto ritmado, dança,
bater de palmas, cântico monótono, ou percussão
- e nos dá uma pista do "propósito"
evolucionário da música. Quase certamente, o ritmo
antecede a melodia. Começamos como galos roucos e
batucadores e evoluímos para rouxinóis apenas no
final da história. Por que? Porque os ritmos persistentes
são úteis para induzir o transe. Os ritmos elétricos
do cérebro mudam conforme os estados de consciência.
Isso parece explicar o uso da percussão e da dança
entre muitos índios americanos antes de irem para a
guerra. A música foi o portal através do qual os
guerreiros entraram em um mundo que não conhecia medo, um
mundo sem ansiedade. Portanto, a música evoluiu como uma
forma de induzir ao transe hipnótico.
A susceptibilidade hipnótica, embora seja mais velha que
a própria espécie humana, foi elaborada pela seleção
natural como um meio de aumentar a coesão dentro do grupo
e como um meio de produzir um comportamento competitivo
altamente ordenado e eficiente no nível entre-grupos.
Conforme a transmissão cultural de comportamentos
aprendidos substituiu a transmissão genética de
comportamentos instintivos, a religião emergiu como o
sistema decidindo os objetivos pelos quais a hipnose seria
aplicada. O conteúdo mítico real das religiões
individuais provavelmente não fez muita diferença.
Zeus, Yahweh e Baal são todos imaginários, e não
há razão óbvia para recomendar um e não
os outros. Entretanto, a estrutura das organizações
culturais por trás das várias divindades foi de
grande importância. É óbvio que os magos que
puxavam as cordas no templo de Yahweh tiveram uma maneira muito
mais efetiva de controlar a terra de Oz do que aqueles que se
esconderam por detrás das cortinas nos templos de Zeus e
Baal!
Pela Última Vez - Por Que A Religiosidade É Tão
Difícil de Ser Curada?
Análoga à hipnose, a religião distorce as
percepções, as tornando resistentes à correção.
Freqüentemente, emoções fortes devem ser
evocadas antes do encanto poder ser quebrado: é como usar
água gelada para acordar uma pessoa hipnotizada. O
circuito neural da religião está intimamente
entrelaçado com aquele que nos distingue como animais de
bando, como uma espécie social. Tentativas cirúrgicas
de remover os componentes religiosos prejudiciais deste circuito
são naturalmente resistidas - como se fossem tentativas
de privar as pessoas de sua identidade grupal. A perda da religião
produz mais autonomia, mas novamente isso pode aumentar os níveis
de ansiedade. As ilusões que reduzem a ansiedade não
serão abandonadas facilmente. Sem se opor a tudo o que eu
disse hoje, o medo continua sendo o solo no qual as raízes
da religião se alimentam. A não ser que meios
melhores de reduzir o medo se tornem disponíveis, a
religião continuará a se alimentar do nosso
neuroplasma.
O Significado para os Ateístas
Por que é tão difícil para os Ateístas
se organizarem? Se 8-12% da população é de
fato Ateísta, onde eles estão? Por que eles não
estão se juntando a nós? Ao mesmo tempo, muitos
dos Ateístas que se juntam a nós querem mais
eventos sociais, mais oportunidades de interação
interpessoal. Existem dois tipos de Ateístas? Sugiro que
existam: Ateístas Inerentes e Ateístas
Convertidos.
Ateístas Inerentes (Tipo A) são aqueles no qual a
indoutrinação religiosa nunca funcionou muito bem
em primeiro lugar. Estas pessoas são Ateístas no
qual as bases genéticas e neurológicas dos animais
sociais esvaneceram de alguma forma? Essas pessoas são
por natureza menos gregárias, mais reservadas e menos
sujeitas ao contágio emocional? São eles os mais
puros introvertidos?
Ateístas convertidos (Tipo B) são aqueles que já
foram muito religiosos, mas devido (talvez) a alguma experiência
de caráter profundamente emocional conseguiram permitir
que o peso dos indícios contra a religião
finalmente lhes penetrasse a razão. São eles os
ateístas que sentem prazer ao estarem com outros ateístas,
os que querem mais almoços, convenções,
etc.? Eles ainda têm as bases regulares dos animais
sociais? São eles os mais puros extrovertidos?
Se estou correto nesta hipótese, as organizações
ateístas precisarão usar aproximações
diferentes para recrutar esses dois tipos diferentes de ateístas.
Ateístas Tipo-A nos devem ser atraídos com
argumentos que eles podem relacionar ao seu próprio
bem-estar. Eles devem ser ajudados a ver que embora não há
deus algum, existem muitos demônios aí que, se não
houver oposição, irão tomar a sua liberdade
e terão impacto em seus livros de bolso e no conforto
pessoal. O impacto emocional tanto quanto o lógico de tal
recrutamento deve ser suficiente para sobrepor a reticência
normal deles a entrar em grupos de qualquer tipo. Eles devem
enxergar 'se juntar a nós' como um ato de auto-defesa.
Ateístas Tipo-B - ou seja, aqueles que já se
tornaram ateístas - irão normalmente querer muito
se juntar a nós. Entretanto, precisam saber que existimos
e como entrar em contato conosco. Publicidade bem gerenciada e
distribuir nossas revistas e newsletters em bibliotecas públicas
e escolares pode trazê-los.
Indivíduos Tipo-B que ainda estão em igrejas
precisarão ser expostos aos argumentos que não são
apenas lógicos e científicos, mas também
devem receber uma surra emocional. Deve haver um componente que
possa ultrapassar a barreira perceptiva normal que protege os
centros religiosos dos cérebros deles. O equivalente
argumentacional dos baldes de água gelada - ou o aperto
nos dedos de botas que finalmente são vistas estando no pé
errado - deve ser criado. O feitiço precisa ser quebrado.
Isso pode requerer estratagemas extravagantes ou até
mesmo exorbitantes, tais como quando (na televisão) eu
desafiei o secretário nacional da dita Maioria Moral a
demonstrar sua fé ao comer amendoins envenenados que
ofereci à ele (Marco 16:18) ou se castrando (Math. 19:12)
com a rústica faca de escoteiro que eu queria
providenciar.
A necessidade de encontrar uma cura para a religiosidade está
pressionando. O mundo não pode sobreviver muito se as
mentes dos que resolvem problemas forem enevoadas pelo ópio
da religião. Devemos perceber a realidade da forma mais
precisa que o princípio da incerteza de Heinsenberg
permite. Não podemos tolerar ilusões. Os jogos que
nossa espécie está jogando conosco e com o nosso
ambiente são de vida ou morte.
Nós Ateístas devemos fazer tudo ao nosso alcance
para destilar a poção despertadora que irá
limpar as mentes dos nossos amigos homens e mulheres. Devemos
revogar o curso evolucionário que a natureza colocou
sobre nós quando criou a religião como uma agência
mediadora para a forma mais complicada de vida social que o
nosso planeta conheceu. Devemos quebrar o feitiço mal que
a religião jogou sobre os castelos das nossas mentes e
sobre as torres do nosso pensamento. Devemos fazer tudo ao nosso
alcance para libertar os prisioneiros do pensamento do nosso
planeta.
Não é apenas uma necessidade ética, é
uma necessidade prática também. Nós que,
qualquer que seja o motivo, libertamos nossas próprias
mentes, não podemos permanecer para sempre livres quando
tudo sobre nós não está apenas preso mas
ocupado forjando - em seus calabouços eclesiásticos
- correntes que novamente eles podem usar para confinar nossas
mentes.
É um trabalho muito difícil para o Batman e Robin
- demais até para o Super-Homem. Mas é o trabalho
que a STR e os American Atheists assumiram. Foi feita a solene
promessa que devem trabalhar incessantemente e com toda as suas
fontes de energia para trazer a liberdade da mente humana, para
libertar os prisioneiros religiosos, e para encontrar curas para
todas as variedades da doença mais mortal, a
religiosidade.
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Antigo professor de biologia e geologia, Frank R. Zindler é
agora um escritor sobre ciência. É membro da
Associação Americana para o Avanço da Ciência,
a Academia de Ciências de Nova York, A Sociedade de
Literatura Bíblica e as Escolas Americanas de Pesquisa
Oriental. É editor da American Atheist.